Trilogia da Paixão
Obra-prima em três poemas
Goethe aparece nessa obra com três poemas que, juntos, são conhecidos como "Trilogia da Paixão" — A Werther, Elegia e Reconciliação —. O mais famoso deles é "Elegia", que depois passou a ser conhecido como "Elegia em Marienbad".
Foi escrito quando Goethe estava com 74 anos e se apaixonou por uma jovem de 19 anos, Ulrike von Levetzow. Pediu-a em casamento, mas Ulrike disse não. O resultado está aqui:
~ Ulrike von Levetzow ~
~ Elegia ~
E quando o homem emudece em seu tormento
A mim me deu um deus dizer tudo o que sofro.
A mim me deu um deus dizer tudo o que sofro.
Que hei de esperar agora para tornar a vê-la,Foste assim recebido então no Paraíso,
Da flor ainda fechada deste dia?
O paraíso, o inferno estão-te abertos;
Que oscilantes sentimentos no teu peito! —
Não há como duvidar! Ei-la à porta do céu,
É Ela que te eleva e te acolhe em seus braços.
Como se merecesses vida eterna e bela;
Não te ficou desejo esperança ou anseio,
Tinha aqui o seu termo a aspiração mais íntima.
E na contemplação desta única beleza
Logo a fonte secou das lágrimas saudosas. Como o dia agitava as suas asas céleres
E parecia levar ante si os minutos!
O beijo da tardinha, selo fiel a unir:
E assim será ainda para o sol de amanhã.
As horas, semelhantes no seu fluir brando,
Como irmãs eram, mas nenhuma igual às outras. Esse último beijo, doce e cruel, rompeu
Enredo esplêndido de amores entrelaçados.
Meu passo ora se apressa, ora pára, e evita
O limiar, como expulso por anjo de fogo;
O olhar fixa desanimado o caminho sombrio,
Volta-se ainda para trás, vê a porta fechada. E sobre si fechado agora, o coração,
Como se jamais se abrira, e horas felizes,
Rivais em brilho dos astros todos do céu,
Não tivesse sentido nunca ao lado dela;
E desgosto, pesar, censura, pesadelo
O carregam neste ambiente que o sufoca. Pois não te resta ainda o mundo? Estes rochedos
Não estão eles coroados de sagradas sombras?
Não amadurece os frutos? Um campo verde
Não corre à beira do rio entre bosques e prados?
E não se arqueia essa Grandeza além dos mundos,
Ora rica de formas, ora em breve sem formas? Quão leve e graciosa, em tecido claro e suave,
Qual Serafim, de entre o coro de nuvens pesadas,
Como que igual a Ela, no céu azul,
Forma esbelta paira de aroma resplandecente;
Tal qual tua a viste bailar em dança alegre,
Das formas adoráveis a mais adorável. Mas é só por momentos que atrever-te podes
A reter em vez dela um etéreo fantasma;
Regressa ao coração! Melhor a encontrarás,
É lá que Ela se move em figuras mudáveis;
Em muitas se converte a Forma Uma,
Em milhares delas, cada vez mais querida. Como para receber-me Ela esperava à porta,
E, degrau a degrau, me levava à Felicidade;
Depois do último beijo me alcançava ainda
Para me premir nos lábios o último de todos:
Tão nítida, tão viva fica a imagem da Amada
Inscrita com chamas no coração fiel. No coração, firme qual muralha de castelos
Que para Ela se guarda e dentro em si a guarda,
E por Ela se alegra ao sentir que ainda vive,
E só sabe de si quando Ela se revela,
E se sente livre em prisões tão amadas,
E não luta senão de gratidão por Ela. Se apagadas estavam dentro de mim
A capacidade e a precisão de amar,
O desejo de esperança de alegres projetos,
De decisões, de ação veloz, logo voltou!
E se o amor jamais deu ânimo ao amante,
Ficou provado em mim do modo mais amável; E só graças a Ela! — Que íntimo temor
De importuno peso dentro da alma e do corpo!
O olhar rodeado de imagens horrorosas
Na aridez de um coração deserto e oprimido;
Eis que alvorece a esperança à porta conhecida,
E Ela mesma aparece à luz de um sol suave. À paz de Deus, que aqui na terra vos concede
Mais ventura que a razão — dizem os livros —
Comparo esta paz serena do amor
Na presença do ser entre todos amado;
Repousa o coração, nada vem perturbar
Este profundo sentir de só lhe pertencer. No mais puro do peito uma ânsia se agita
De espontâneos nos darmos só por gratidão
A alguma coisa de mais alto, puro, desconhecido,
Que em nós resolve o Enigma Inominado;
Chamamos-lhe: Piedade! — Esse êxtase feliz
Sinto-o dentro de mim quando estou perante Ela. Ao seu olhar, como ao do sol que nos governa,
Ao seu hálito, como às brisas primaveris,
Funde, bem rígido de gelo que estivesse,
O egoísmo no fundo de antros hibernais;
Nem interesse mesquinho ou vontade que durem,
Tudo isso o vento leva quando Ela vem. É como se Ela dissesse: “Hora após hora
Se nos oferta amigável a vida;
Do que ontem passou bem pouco já sabemos;
O que amanhã virá é proibido sabê-lo;
E sempre que ao cair da noite tive medo,
Ao pôr-do-sol eu via ainda algo que me alegrava.” “Faz pois como eu faço e olha, alegre e sensato,
O momento de frente! Sem qualquer demora!
Acolhe-o depressa, benévolo e vivaz,
Quer para a alegria na ação, quer para o amor;
Onde tu estejas, sê tudo, infantil sempre,
E assim serás tudo, e serás invencível.” Bem fácil te é falar — pensei —; pois um deus
Te deu por companhia a graça do instante,
E cada qual se sente, em tua graciosa presença,
Mesmo nesse momento o dileto dos Destinos;
Assusta-me o sinal que me manda afastar-me
De ti - para quê tão alta sabedoria?! E agora estou longe! Ao minuto presente
O que é que lhe convém? Não saberia dizê-lo;
Com a beleza me oferece ele muitas coisas boas
Que apenas pesam, e tenho que repeli-las;
Uma ânsia indomável faz-me andar errante,
E lágrimas sem fim é tudo o que me resta. Ora brotai então! E correi sem parar,
Que este fogo interior sufocar não podeis!
Violento furor me dilacera o peito
Onde a vida e a morte ferem luta feroz.
Para as dores do corpo, sim, remédios encontraria;
Mas ao espírito falta a decisão, o querer, O poder compreender: — Como passar sem Ela?
E vai repetindo mil vezes essa imagem,
Que ora paira hesitante, ora lhe é arrancada,
Ora confusa, ora brilhante em pura luz;
Como poderia dar-me o mínimo conforto
Este fluxo e refluxo, este vir e partir?
Abandonai-me aqui, meus fiéis companheiros!
Deixai-me ao pé do precipício, entre o pântano e o musgo;
Segui vosso caminho! Olhai o mundo aberto.
A imensa terra, o céu sublime e grande;
Observai, procurai, colecionai os fatos,
Balbuciai o mistério da Natureza. Para mim perdeu-se o Todo, eu mesmo me perdi,
Eu, que há bem pouco fui o preferido dos deuses;
À prova me puseram, deram-me Pandora,
De bens tão rica, mais rica ainda de perigos;
Impeliram-me para a boca dadivosa,
Separaram-me dela, e assim me aniquilam.
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Copyright © STARNEWS 2001. Ao copiar algum item, pedimos citar os nossos créditos e direitos autorais.
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Bibliografia: Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Estética – A Idéia e o Ideal, Estética – O Belo Artístico ou o Ideal. Hamburgo, Alemanha, 1999 – Tradução de Arnaldo Poesia. – Bösch, Bruno (org.). História da Literatura Alemã. São Paulo, Herder/EDUSP, 1967. – Centelha – Promoção do Livro, SARL, Coimbra, Portugal, 1986.
Para saber mais sobre GoetheInstituto Cultural Brasil-Alemanha (Goethe Institut)
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