História e herança
Os Templários e a Ordem de Cristo
Em 2012 assinala-se a passagem de 700 anos sobre uma data relevante do processo de extinção da célebre Ordem dos Templários ou da Ordem do Templo, cuja natureza e ação tem motivado a produção de um mar imenso de literatura de ficção e de cinema. Este interesse tem contribuído mais para mitificar os Templários do que para esclarecer, de forma distanciada e desapaixonada, o papel histórico desta Ordem Militar.
O Ordem Militar do Templo, fundada em França, na região de Champagne, no ano de 1120 no contexto da realização do Concílio de Naplus, é uma das mais conhecidas ordens militares da Europa Cristã medieval criada para proteger os movimentos de peregrinação aos Lugares Santos do Cristianismo no médio oriente sob ascendência crescente do poderio de confissão islâmica.
As ordens militares nasceram no coração da Idade Média como uma versão especializada da experiência monástica cristã institucionalizada sob o nomenclatura institucional denominada de “Ordens”, cuja Proto-Ordem europeia mais famosa e mãe de todas as ordens ocidentais foi a Ordem de São Bento.
Ruínas do Convento do Santo Sepulcro,
em Trancozelos, Penalva do Castelo,
primeira fundação da Ordem do Santo Sepulcro em Portugal.
Foto: O esplendor da austeridade, ed. INCM
Os Templários nasceram primeiro na dependência dos Cónegos do Santo Sepulcro, vindo rapidamente a autonomizar-se com a liderança do seu primeiro Grão Mestre, Huges de Payns.
Os Templários, Freires de Cristo ou Freires do Templo de Salomão como também eram designados, associaram à sua consagração religiosa pela profissão dos conselhos evangélicos de Pobreza, Castidade e Obediência, o compromisso de entregar a sua vida em favor da proteção dos peregrinos e da defesa da Cristandade contra a ameaça do poder islâmico que afrontava os cristãos.
A Ordem do Templo, ao lado de outras ordens militares como a de Santiago, a de Calatrava, a do Hospital e a de Avis, cooperava com os exércitos dos reis e senhores cristãos nas cruzadas contra o chamado “Infiel” tanto no Médio Oriente e como na Península Ibérica, procurando reconquistar os territórios de antigo domínio cristão, entretanto conquistados pelos muçulmanos.
Mosteiro de Santa Maria de Águas Santas,Maia.
Foto: Dâmaso Faria
Estas ordens militares funcionavam como uma espécie de tropa de elite bem treinada e altamente motivada, cuja participação nas batalhas decidia muitas vezes o sentido da vitória.
O serviço prestado por estas instituições aos monarcas cristãs, com especial destaque para a Ordem do Templo, foi largamente recompensado com a atribuição de bens, nomeadamente terras, castelos e outras regalias, que as tornaram poderosas e influentes.
Em Portugal, além do papel fundamental desempenhado pela Ordem do Templo, ao lado das suas congéneres, na reconquista cristã e, por consequência, na formação de Portugal, teve um papel relevante no povoamento e controlo do território conquistado ao Mouro.
Mosteiro de Santa Maria de Águas Santas, Maia. Foto: Dâmaso Faria
Devido a vicissitudes várias e a fatores que ainda hoje carecem de explicação cabal, a Ordem do Templo foi, há sete séculos, depois de quase duzentos anos de existência, submetida a um processo trágico que levou à sua extinção.
Semelhanças houve com o que viria acontecer, mais tarde, com a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal de Portugal pela mão de Pombal, e noutras monarquias europeias no século XVIII, acabando com a sua extinção universal em 1773 pelo papa Clemente XIV.
Castelo de Almourol, baluarte Templário no rio Tejo
O processo antitemplário foi liderado pelo Rei de França, Filipe, o Belo, que conseguiu a conivência do Papa de então, Clemente V, para considerar a Ordem do Templo culpada de desvios e faltas graves.
De tal modo que o monarca francês logrou, embora hoje sem sabermos com certeza se com provas justas, obter do Papa a extinção desta Ordem e até a condenação das suas mais importantes lideranças, culminando com a morte na fogueira do seu último Grão-Mestre, Jacques de Molay, em 1314.
Mas o processo tinha começada em 1308 com uma bula papal enviada aos príncipes cristãos para clarificar a situação dos Templários e declarar a necessidade da sua extinção, seguida de outra bula, emitida em 1309, a ordenar a prisão dos Freires de Cristo e, finalmente, da bula Ad Providum, de março de 1312, a decretar a anexação dos significativos bens desta Ordem e a transferi-los para a posse da Ordem do Hospital.
O Convento de S: João da Penitência,
ou das Maltezas, em Estremoz,
foi o único espaço conventual feminino
da Ordem de Malta em Portugal
No entanto, D. Dinis, que então presidia ao trono de Portugal, resistiu a aceitar a diretiva papal que mandava extinguir a Ordem do Templo, consciente do relevantíssimo serviço que tinha prestado e continuava a prestar na defesa e povoamento do território português.
Através de uma ação diplomática bem sucedida conseguiu obter do Papa uma solução para acatar a extinção, não extinguindo de facto esta Ordem de elite, cuja dispensa não convinha à estratégia política do Reino de Portugal.
A solução passou por comutar o nome. Mantiveram-se os mesmos efetivos, os mesmos bens e a estrutura organizativa, mas mudou-se o nome da Ordem.
A Ordem passou a chamar-se Ordem de Cristo. Assim, com esta jogada de diplomacia, D. Dinis salvou os Templários que passaram a ser integrados na Ordem de Cristo, no fundo, o nome novo da Ordem do Tempo ou dos Cavaleiros de Cristo.
O Mosteiro de Leça do Balio
foi a primeira casa-mãe dos Hospitalários em Portugal
Sabemos hoje quão importante e decisivo foi este empenho político de D. Dinis em evitar a extinção dos Templários em Portugal.
Mais tarde, a sucedânea Ordem de Cristo liderará a promoção de uma das empresas mais importantes e significativas de toda a História de Portugal: as viagens marítimas de descobrimento.
Através da liderança de um dos mais famosos Grão Mestres da Ordem de Cristo, o Infante D. Henrique, Portugal ficou na história universal como o primeiro império global da humanidade e o pioneiro da construção da globalização.
Mosteiro de Leça do Balio
A Ordem de Cristo tutelou, no século XV, todo o processo de descobrimento de novos caminhos marítimos e de novos territórios e povos desconhecidos oficialmente, como consequência da política expansionista extraeuropeia promovida pela Dinastia de Avis fundada pelo Rei D. João I.
Depois da conquista de Ceuta em 1415, o primeiro território descoberto oficialmente no Atlântico foi o Arquipélago da Madeira em 1419/20, ao qual sucedeu uma série de viagens que culminaram com a navegação de toda a costa africana, a passagem do temível Cabo das Tormentas, a chegada à índia por via marítima (1498) e a descoberta oficial do Brasil em 1500.
A igreja de S. João do Alporão,
em Santarém, pertenceu aos Hospitalários
desde a segunda metade do séc. XII
Estas viagens permitiram estabelecer a primeira grande rede imperial moderna sob domínio português em concorrência com aquilo que empreendia Espanha. Esta concorrência foi regulamentada sob os auspícios da Santa Sé e consagrada no Tratado de Tordesilhas em 1494 com a divisão do mundo em duas partes, à luz da teoria do Mare Clausum, de forma a conciliar as duas monarquias cristãs no que respeitava à superintendência dos territórios descobertos e a descobrir por estas duas grandes potências europeias.
Mosteiro de Flor da Rosa, perto de Crato
O ideal de universalização do Cristianismo teve sempre na base motivadora e legitimadora fundamental, dita pelos documentos, de todo este processo de expansão terrestre e marítima. A construção do império era acompanhado, como sabemos, pela concomitante edificação das bases da Igreja Católica nos novos mundos descobertos através da ação dos missionários de várias ordens.
O Convento de S. Bento de Avis
testemunha o estabelecimento na vila alentejana
da Milícia dos Freires de Évora, que a partir de então
se chamaram de Avis por aí terem fundado
a sua principal casa
A Ordem de Cristo ficou durante muitos anos com a tutela deste processo de edificação da Igreja nos novos territórios, tendo sido a Madeira erguida como primeira grande rampa de lançamento desta política expansionista. De tal modo, que em 1514 se edificou a primeira diocese bem sucedida em território ultramarino sob domínio português: a Diocese do Funchal.
Esta que foi a maior diocese do mundo aquando da sua criação e durante poucas décadas, dependia da Ordem de Cristo e detinha jurisdição sobre todos os territórios descobertos e a descobrir, isto é, envolvia três continentes.
Convento de Cristo, em Tomar:
monumento nacional emblemático,
bastião português da Ordem do Templo
e mais tarde da Ordem de Cristo
Assinalamos, pois, entre este ano de 2012 e o ano de 2014 um ciclo de acontecimentos da maior relevância para a história portuguesa e para o processo de universalização do Cristianismo, ao qual a medieval e polémica Ordem do Templo está umbilicalmente ligada.
José Eduardo Franco
Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas
Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas
e Europeias, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
In Agência Ecclesia
13.03.12
In Agência Ecclesia
13.03.12
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