sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A ARTE DA MEDITAÇÃO - Krishnamurti




Krishnamurti - A Arte Da Meditação

"Numa tentativa de se evadir dos seus conflitos, o homem tem inventado diversas formas de meditação, porém, todas elas se baseiam quer no desejo, na vontade ou na ânsia por obter algo, o que implica conflito e o emprego de esforço a fim de alcançar determinados
resultados.

Esta luta consciente e deliberada sempre se circunscreve nos limites de uma mente condicionada, que não possui liberdade. Todo o esforço empregue na meditação constitui a sua própria negação. A meditação consiste no término da acção do pensamento; só então pode chegar a existir toda uma dimensão intemporal."

Tradução de A Duarte 2002

Toda a meditação que envolve esforço deixa de ser meditação. Não se trata de nenhum acto de realização nem algo que deva ser praticado diariamente de acordo com um sistema ou método qualquer, para obtenção de um fim almejado. Ao contrário, toda a imaginação e medida devem cessar. 

A meditação não constitui um meio 
para atingir um fim; é um fim em si mesma.
No entanto aquele que medita 
deve deixar de existir para que a meditação
possa ocorrer.

A meditação não é uma experiência
nem uma lembrança erguida 
em torno de um dado prazer futuro. 

Aquele que experimenta move-se sempre dentro dos limites das suas próprias projecções de tempo e pensamento. Uma vez inserida nos limites do pensamento, a liberdade não passará de uma ideia e uma fórmula; o pensador jamais poderá alcançar o movimento da meditação.

A meditação diz sempre respeito ao presente enquanto que o pensamento pertence sempre ao passado. Toda a consciência é pensamento, porém, o estado de meditação não ocorre dentro das suas fronteiras. A meditação consciente é somente o acto de redefinir ainda mais esses limites destruindo assim toda a liberdade. Mas somente em liberdade poderá haver meditação.

Se não meditardes 
sereis sempre um escravo do tempo,
cuja sombra é a dor. 
O tempo é sofrimento.

A meditação não é via para experiências únicas nem excepcionais. Essas experiências conduzem ao isolamento e aos processos auto-encarceradores da memória, e estão sujeitos ao tempo- o que constitui a negação da liberdade.

O vale mais parecia uma carpete de flores e os declives achavam-se repletos
de uma abundância multicolorida delas, tão abundantes quanto a vastidão da terra com todas as suas cidades, verdes prados, pastos, bosques e cidades. Lá estavam tão ricas e belas quanto o próprio vale; todavia, tanto a abundância da natureza como o homem estão destinados a morrer e a surgir de novo. 

A abundância da meditação não é reunida pelo pensamento nem pelo prazer que o pensamento gera mas acha-se para além da flor e da nuvem. A partir disso a abundância torna-se tão imensurável quanto a flor e a beleza. Contudo jamais se encontram neste lado da sua manifestação.

Sem amor não pode existir silêncio.
Para o poderdes compreender,
permanecei imóveis.

A mente meditativa é 
aquela que se encontra em silêncio. 

Não se trata do silêncio que a mente pode conceber, nem o silêncio de um entardecer calmo, mas o silêncio que sobrevém quando o pensamento, com todas as suas imagens palavras e percepções cessa completamente. Essa mente meditativa é a mente religiosa - a mente da religião que não é tocada pela Igreja, pelos templos nem pelos cantos. 

A mente religiosa é a explosão do amor; esse amor não comporta qualquer separação. Para essa mente, longe é perto. Não é “um” nem “muitos” mas sim esse estado de amor em que toda a divisão cessa. Da mesma forma que a beleza, não cabe na avaliação das palavras. Só a partir deste silêncio è que a mente meditativa pode actuar.

Meditar é tornar-se vulnerável. 
Essa vulnerabilidade não tem passado nem futuro- 
ontem ou amanhã. Somente 
o que é novo pode ser vulnerável.

A meditação é uma das maiores artes na vida, talvez mesmo a maior, mas provavelmente não pode ser ensinada. Nisso reside toda a sua beleza. Não possui técnica alguma nem autoridade sequer. Quando nos observamos e por meio dessa observação aprendemos acerca de nós próprios- sobre o modo como caminhamos, comemos, aquilo que dizemos, toda a bisbilhotice, ódio, ciúme- se de tudo isso ficarmos cientes, sem escolha, tal processo fará parte da meditação. 

Assim, a meditação pode ocorrer quando nos sentamos no autocarro ou caminhamos pelos bosques, com sua luz e sombras, ou então quando escutamos o canto dos pássaros e olhamos para o rosto da nossa esposa ou filho.

É curioso como a meditação se torna de todo importante. O seu processo não conhece começo nem fim. Assemelha-se a uma gota de chuva, que conglomera todas as correntes de água, os vastos rios, as quedas de água e os oceanos. Essa gota de água alimenta a terra e o homem; sem isso a terra tornar-se-ia um deserto. Sem a meditação o coração torna-se um deserto, um terreno baldio.
Meditação é descobrir se o cérebro,
com todas as suas actividades e experiências, 
pode ficar em absoluto silêncio. 

Não de modo forçado, porque no momento em que o forçarmos deverá passar a existir dualidade. A entidade que diz: "para poder fazer experiências espantosas tenho que observar a tranquilidade"; tal entidade jamais conseguirá.

Mas se começarmos a pesquisar, a observar e a escutar todos os movimentos do pensamento, com as suas condicionantes, as suas buscas, os seus medos, o seu prazer- e observarmos o modo como o cérebro opera, perceberemos de que modo o cérebro se torna absolutamente silencioso. Esse silêncio não é um sono mas uma coisa tremendamente activa e imóvel. É um enorme dínamo que trabalha na perfeição, dificilmente produzindo ruído. O ruído só existe quando há fricção.
Silêncio e imensidão andam juntos. 
A vastidão do silêncio é a imensidão da mente 
em que não existe um centro.

Meditação é trabalho árduo e exige a mais elevada forma de disciplina – e não
conformação imitação ou obediência - a disciplina que sobrevem por meio da atenção constante, não só das coisas relativas a nós externamente comotambém interiormente. Assim, a meditação não é uma actividade de isolamento mas a acção da vida diária, uma acção que exige cooperação, sensibilidade e inteligência. Sem estabelecermos as fundações de uma vida correcta, a meditação torna-se uma fuga e, portanto, não tem valor nenhum. 

Um viver correcto não significa seguir a moral social, mas liberdade com relação à inveja, à cobiça e à busca de poder - tudo o que gera inimizade. A liberdade disso não sobrevém pela actividade da vontade mas pela atenção para com isso, por meio do auto-conhecimento. Sem conhecermos as actividades do eu, a meditação torna-se excitação sensual e, portanto, possui muito pouco significado.

A procura de experiências transcendentais, mais amplas e mais profundas, é sempre um modo de escapar à realidade de "o que é", do que nós próprios somos - a nossa própria mente condicionada. Por que razão haverá uma mente inteligente e desperta, liberta, ter uma experiência qualquer? 

Luz é luz; 
ela não pede por mais.

Se vos preparardes deliberadamente para meditar isso deixará de ser meditação. Se fizerdes por ser bons, jamais a bondade poderá florescer. Se cultivardes a humildade, ela deixará de o ser. Meditação é a brisa que entra quando deixais a janela aberta; porém, se o fizerdes deliberadamente, e a convidardes a entrar, ela jamais surgirá.

Em meditação temos de descobrir
se existe um fim para o conhecimento 
e também se existe liberdade do conhecido.

Coisa extraordinária é a meditação. Se existir algum tipo de compulsão ou esforço, afim de ajustar o pensamento, tratar-se-á de imitação, o que tornará tudo um fardo fastidioso. O silêncio que é desejo, deixa de ser esclarecedor. Quando se torna busca de visões e experiências, então conduz à ilusão e à auto-hipnose.

Somente por meio do florescimento 
do pensamento e do seu consequente término, 
a meditação poderá ter significado. 

O pensamento só pode florescer em liberdade e não através dos padrões sempre crescentes do conhecimento. O conhecimento pode conferir novas experiências e uma enorme sensação, porém uma mente que procura  cuidadosamente construídas, chama essa destituída de causa. Era uma beleza para lá do pensamento e do sentimento; não estava colocado na tela, em palavras nem no mármore. A meditação era alegria e com ela veio a benção.
Meditação não é concentração 
- com sua exclusão- um corte de separação, 
nem um acto de resistência ou conflito. 

A mente meditativa pode concentrar-se mas nesse caso não se trata de uma acto de exclusão nem de resistência; porém, uma mente concentrada não é capaz de meditar.

Na compreensão da meditação existe amor mas esse amor não é o produto de sistemas nem de hábitos nem de seguir um método.

O amor não pode ser cultivado
pelo pensamento. 

O amor pode talvez chegar a existir quando há completo silêncio, um silêncio no qual o meditador está completamente ausente; mas a mente só pode ficar em silêncio quando compreende o seu próprio movimento como pensamento. Para compreendermos este movimento do pensamento e do sentimento não pode haver condenação na observação. Observar desse modo é disciplina e essa forma de disciplina é fluída e livre, e não a disciplina do ajustamento.

A meditação é um movimento 
no e do desconhecido. Vós não estais lá
mas tão só o movimento existe. 
Nós somos demasiado insignificantes

ou demasiado importantes para esse movimento. Ele não tem nada por detrás nem defronte. É essa energia que o pensamento e a matéria não pode tocar. O pensamento é perversão pois é um produto do ontem; está preso na lida dos séculos e portanto é confuso e obscuro. Façamos o que fizermos, o conhecido não pode chegar ao desconhecido. 

Meditação é o terminar do desconhecido.

As palavras "vós" e "eu" distinguem as coisas; essa divisão não existe nesta quietude e neste estranho silêncio. À medida que olhávamos pela janela parecia que o tempo e o espaço tinham chegado ao fim, e o espaço que divide não tinha qualquer realidade. Aquela folha, o eucalipto, a água resplandecente não eram diferentes de vós.

A meditação é 
realmente muito simples.

Nós complicámo-la movendo uma teia de ideias em torno disso- em termos do que seja ou deixe de ser- porém não se trata de nenhuma dessas coisas. Mas porque é bastante simples escapa-nos, devido a que as nossas mentes sejam demasiado complicadas e se encontrem gastas, fundadas como estão no tempo. Essa mente define a actividade do coração, o que faz com que o problema tenha origem. Contudo a meditação sobrevem naturalmente e com extraordinária facilidade quando caminhamos pela areia ou olhamos por uma janela ou percebemos as colinas maravilhosas queimadas pelo sol do verão passado.
Porque somos seres humanos
torturados de lágrimas nos olhos 
e riso constrangido nos lábios? 

Se pudésseis percorrer a sós aquelas colinas ou os bosques, as extensas areias brancas, nessa solidão saberíeis o que é a meditação. O êxtase da solidão sobrevem quando deixais de estar assustados por vos sentirdes sós- não mais pertencendo ao mundo ou ao que seja, pelo apego. Então, à semelhança do despontar do dia que sucedeu hoje, ele sobrevem silenciosamente e traça um trilho dourado no próprio silêncio, silêncio que existia no princípio, que ocorre agora e que sempre existirá.
O tempo é memória 
mas o êxtase é destituído de tempo. 

A benção da meditação não tem duração. A alegria torna-se prazer quando instituímos a continuidade. A benção da meditação equivale a um segundo do relógio porém esse segundo contém todo o movimento da vida, destituído de tempo- é um movimento sem começo ou fim. Em meditação esse segundo equivale ao infinito.

Distanciai-vos. 
Distanciar-se do mundo de caos e miséria 
e no entanto viver nele, imperturbados. 

Tal só é possível quando possuímos uma mente meditativa, uma mente que vigilante para com a flor e a nuvem. A mente meditativa não está relacionada com o passado nem com o futuro e no entanto é capaz de viver de forma sã com clareza e sensatez neste mundo. Este é um mundo de desordem; a sua ordem é desordenada e a sua moral é imoral. 

A clareza não está lá fora para ser procurada nem ordenada para ser usada neste mundo; quando isso ocorre transforma-se em trevas. A natureza desta claridade é o seu próprio vazio; porque é vazia, é clara- porque é negativa, é positiva. Distanciai-vos sem saber onde estais. Aí não existe nenhum "vós" nem " eles".

A morte é somente para aqueles que possuem um local de repouso. A vida é um movimento de relação e apego, e a negação deste movimento constitui a morte. Não tenhais abrigo externa nem internamente; possuís um quarto ou uma casa ou uma família porém não permitais que isso se torne um refúgio, uma forma de evasão de vós próprios.

O porto de abrigo seguro que a vossa mente construiu pelo cultivo da virtude modificação. É como descrever uma tempestade; ela já está para lá das colinas e dos vales; então a narrativa torna-se algo pertencente ao passado, e portanto não mais aquilo que está a acontecer.

Podemos descrever algo de modo acurado, como um evento, mas o próprio modo de descrever isso torna- se inadequado quando a coisa já se afastou. A exactidão da memória é um facto porém a memória é o resultado de algo que já ocorreu. Se a mente acompanha a corrente de um rio não tem tempo para a sua descrição nem tempo para deixar que a lembrança se forme. Quando esse género de meditação ocorre têm lugar numerosas coisas que não são projecção do pensamento. 

Cada acontecimento é totalmente novo no sentido de que a memória não o consegue reconhecer; e como não o consegue reconhecer isso não pode ser traduzido em palavras nem memória. É algo que nunca aconteceu antes. Isso não é uma experiência; experiência implica reconhecimento, associação e acúmulo, sob a forma de conhecimento. É evidente que certos poderes são libertados mas estes tornam-se num enorme perigo enquanto a sua ocorrência tiver lugar na actividade auto-centrada. Quer tais actividades sejam identificadas com conceitos religiosos ou com tendências pessoais.

É absolutamente necessário 
que tenhamos liberdade do "eu" 
para que a coisa real ocorra.

Porém, o pensamento é demasiado astuto e extraordinariamente subtil nas suas actividades, e a menos que estejamos tremendamente despertos e destituídos de escolha em meio a todas essas subtilezas e astutas buscas, a meditação torna-se uma questão de aquisição de poderes além dos meramente físicos. 

Todo o sentido de importância da acção do eu deve inevitavelmente conduzir á confusão e á tristeza. Eis pelo que, antes de considerardes a meditação deveis começar com a compreensão de vós mesmos, a estrutura da natureza do pensamento. De outro modo perder-vos- eis e esbanjareis as vossas energias. Portanto, para ir longe deveis começar bem perto: o primeiro passo é também o último.

Meditação não é uma coisa diferente do viver do dia a dia; não se abandonem num canto do quarto a meditar por dez minutos, para depois do acto saírem a comportarem-se como carniceiros - tanto como uma metáfora quanto uma realidade. A meditação é uma das coisas mais sérias. Podeis faze-la durante todo o dia no escritório, ou junto da família, quando dizeis a alguém "eu amo-te" ou quando vos interessais pelos vossos filhos. Mas depois educais os vossos filhos para se tornarem soldados e para matar, para se tornarem nacionalistas e para adorarem a bandeira, de modo a entrarem nesta armadilha do mundo moderno.

Se observarem tudo isso, e tomarem consciência da vossa parte em tudo isso, isso fará tudo parte da meditação. E, se meditardes assim encontrareis nisso uma extraordinária beleza; actuareis correctamente em todas as situações mas, se não agirdes correctamente num dado momento, isso não terá importância pois sempre podereis fazê-lo uma outra vez- mas não perdereis tempo com o remorso. 

A meditação é parte da vida 
e não uma coisa diferente dela.

Temos de alterar a estrutura da sociedade, sua injustiça e moral aterradoras, as divisões que criou entre o homem, as guerras, a total falta de afecto e amor que aniquila o mundo. Se a vossa meditação for somente uma questão pessoal, uma coisa de que desfrutais pessoalmente, nesse caso não se trata de meditação. 

A meditação implica uma mudança completamente radical da mente e do coração mas isso só é possível quando existe esse extraordinário sentido de silêncio interior; só isso produz a mente religiosa. Essa mente conhece o sagrado.

A beleza significa sensibilidade - ter um organismo sensível, o que implica regime alimentar correcto e modo correcto de viver. Então a mente torna- se calma e inconsistente de modo inevitável e natural. Não podeis torná- la tranquila pois sois vós que lançais a discórdia.
Vós próprios sois perturbados, inquietados, confundidos- como podereis pois tranquilizar a mente? Porém, quando entendeis o significado do silêncio,quando entendeis a confusão, o sofrimento, e se este alguma vez poderá terminar, quando entendeis o prazer, dessa compreensão sobrevem uma mente extraordinariamente silenciosa; não tendes de a procurar.

Tendes de começar pelo princípio, 
e o primeiro passo é também o último.
Isso é meditação.

A madrugada tardava; as estrelas ainda brilhavam e as árvores ainda se encontravam em retiro; não se ouvia um único chamado dos pássaros nem mesmo dos mochos pequenos, que à noite fazem ruído a passar de árvore em árvore. Estava o ambiente estranhamente sereno à excepção do quebrar das ondas do mar. Havia aquele odor das muitas flores e folhas em decomposição e solo húmido; o ar estava de espaço: o viver diário e as lutas ocultas por motivos e desejos contraditórios. Nesse pequeno espaço a mente busca liberdade e assim torna-se sempre prisioneira de si mesma.

A meditação é o término desse pequeno espaço. Para nós a acção consiste em produzir ordem nesse pequeno espaço da mente. Mas existe outra acção que não está em pôr ordem nesse pequeno espaço; o espaço vasto que a mente e o eu não pode alcançar é o silêncio. 

A mente nunca poderá ficar em silêncio por si mesma; só alcançará o silêncio nesse vasto espaço que a mente não consegue tocar. A partir desse silêncio há acção que não pertence ao pensamento.
 
Meditação é esse silêncio.

A meditação é uma das coisas mais extraordinárias, mas se não souberdes o que seja sereis como um cego num mundo de cores vivas, sombras e luz cambiantes. Não se trata de uma questão intelectual mas do coração penetrar a mente esta adquirir uma qualidade bastante diferente; e então, torna-se realmente ilimitada, não somente na capacidade de pensar e agir eficientemente como também no sentido de viver num vasto espaço em que fazeis parte de tudo. 

A meditação é o movimento do amor. 

Não se trata do amor de um ou de muitos
mas do amor que se assemelha à água, 
que cada um pode beber por qualquer jarro, 
seja de barro ou de ouro: é inesgotável.

E acontece uma coisa peculiar 
que nenhuma droga nem auto 
- hipnose pode produzir:

a mente como que penetra em si mesma, começando na superfície e avançando fundo, até que profundidade e elevação tenham perdido todo o seu sentido e toda a medida tenha cessado.

Nesse espaçoexiste paz total- não o contentamento que sobrevem com a gratificação, mas uma paz que contém ordem, beleza e intensidade. Essa paz pode ser destruída do mesmo modo como podeis destruir uma flor mas apesar de tudo, devido à sua vulnerabilidade torna-se indestrutível.

Essa meditação não pode ser aprendida com ninguém; deveis começar desconhecendo tudo sobre ela, e mover-vos no campo da inocência. O campo em que a mente meditativa pode ter início é o campo da vida de todos os dias: o conflito, a dor e a alegria fugaz. Ela deve começar a produzir ordem aí, e a partir daí mover- se infinitamente.

Mas se vos empenhardes somente no estabelecimento da ordem então essa mesma ordem produzirá a sua própria limitação, e a mente será sua prisioneira. Em todo este movimento deveis, de algum modo, começar da "outra ponta"- da outra margem- e não estar sempre preocupado com esta, ou com "como atravessar o rio". Deveis dar um mergulho nessa água sem saber como nadar. Além disso a beleza da meditação está em nunca saberdes onde estais nem onde ides, nem qual o fim.

Surgirá uma nova experiência
através da meditação? 

O desejo de experiência- a experiência mais elevada que se situa acima e além do diário e do vulgar é o que mantém esse estado de florescimento vazio. A ânsia de mais experiências, visões, percepções mais elevada, uma ou outra forma de realização, isso leva a que a mente olhe para o exterior, o que não é distinto da sua dependência do meio em que se insere e das pessoas.

A parte curiosa da meditação é a de que uma ocorrência não se transforma em experiência; situa- se ali, tal como uma nova estrela nos céus, sem que a memória se aposse dela e a sustente e sem o processo habitual do reconhecimento, em termos de preferência ou aversão. A nossa busca é sempre extrovertida: ao buscarmos uma experiência qualquer a mente é sempre extrovertida. Introspecção significa não buscar, absolutamente; mas sim perceber. 

A resposta é sempre repetitiva 
porque procede sempre 
do mesmo "banco de dados" da memória.

Após aquelas chuvadas as colinas achavam-se esplendidas; ainda estavam queimadas pelo sol do Verão, mas agora todas as coisas verdes brotariam de novo. Tinha chovido fortemente mas a beleza dessas colinas era indescritível. O céu ainda se achava nublado e no ar pairava um odor a sumagre, salva e eucalipto.

Era esplêndido encontrarmo-nos em meio a isso, possuídos por uma estranha calma. Ao contrário do mar, que ficava lá longe e embaixo, aquelas colinas encontravam-se completamente calmas. À medida que observávamos tudo ao redor, naquele casa, tínhamos deixado para trás- as nossas roupas, os nossos pensamentos e todos os estranhos modos de vida. Aqui viajávamos muito leves sem nenhum pensamento, sem nenhum fardo e com um sentimento de completo vazio e beleza. Os pequenos arbustos adquiririam em breve uma tonalidade de um verde mais acentuado e no espaço de algumas masiado parado e aquele odor estendia-se por toda a parte. A terra esperava a madrugada e o dia pelas vastas praias de areias alvas e, nessa solidão saberíeis o que é a meditação.

O êxtase da solidão sobrevém 
quando deixais de vos sentir assustados 
por estar sós, sem pertencer mais ao mundo 
nem apegado a nada.

Então, como aquela alvorada que estava esta manhã, isso sobrevem silenciosamente e estabelece um caminho dourado na própria quietude que existia no início, que existe agora, e que sempre estará aí.

Alegria e prazer podeis comprar 
em qualquer mercado por um preço qualquer. 

Mas beatitude é coisa que não podeis comprar
- quer para vós quer para os outros.

A felicidade e o prazer são factores criadores de tempo; somente em total liberdade pode existir essa benção. O prazer, assim como a felicidade, podeis vós buscar e encontrar, de formas variadas. Mas eles vêm e vão. A beatitude- esse estranho sentido de alegria- não tem motivo. Com certeza que não podeis buscá-la.

Mas uma vez lá - dependendo da qualidade da vossa mente - ela permanecerá sem tempo nem causa, como algo que não é mensurável pelo tempo.

A meditação não é a perseguição do prazer
nem a busca de felicidade. 

Pelo contrário, a meditação é 
um estado da mente em que não existe
conceito nem fórmula, e portanto, total liberdade. 

Somente a uma mente assim pode sobrevir a beatitude- de modo imprevisto e sem ser convidada. Uma vez em existência, conquanto possamos viver neste mundo com todo o seu ruído prazer e brutalidade, essas coisas não tocarão a mente. E uma vez existente o conflito cessará. Mas o fim do conflito não representa necessariamente a liberdade total. 

A meditação é um movimento 
da mente nesta liberdade. 
Nesta explosão de benção 
os olhos são tornados inocentes, 
e então o amor torna-se benção.

A meditação não é 
o mero controle do corpo e do pensamento
nem um sistema de respiração 
(como o inspirar e o expirar). 

O corpo deve achar-se calmo, saudável e sem tensão; a sensibilidade do sentir deve ser aguçada, e a mente, deve pôr um término a toda a sua tagarelice, perturbação e tactear. Não é pelo organismo que devemos começar mas antes tendo consideração pela mente, com suas opiniões, preconceitos e auto-interesse.

Quando a mente se acha saudável 
e cheia de vitalidade e vigor então a sensibilidade
será elevada e tornar-se- á extremamente apurada.

Então o corpo, 
com toda a sua inteligência natural,
não será deteriorado pelo hábito 
nem pelo gosto e funcionará como deve ser.

Assim, devemos começar pela mente e não pelo corpo, sendo que a mente é o pensamento e a variedade das suas expressões. A mera concentração torna o pensamento estreito, limitado e frágil, quebradiço, mas a concentração acontece como uma coisa natural quando temos consciência dos processos do pensar. Essa consciência não procede do pensador que escolhe e descarta, que mantém e rejeita. Essa consciência sem escolha é tanto o externo como o interno; trata-se de uma mistura de ambos de tal modo que a divisão entre externo e interno desaparece. 

O pensamento destrói
a sensibilidade do amor.

O pensamento só pode oferecer prazer
mas na busca do prazer 
o amor é empurrado para fora.

O prazer de comer, de beber, tem a sua continuidade no pensamento; controlar ou suprimir meramente esse prazer que o pensamento produziu não faz sentido; só cria variadas formas de conflito e compulsão. O pensamento, como matéria que é, não pode buscar aquilo que está além do tempo, porque o pensamento é lembrança e a experiência associada a essa lembrança é tão morta quanto a folha do Outono que passou. Da consciência de tudo isso vem a atenção, que não é produto da desatenção.

É a distracção que dita os hábitos prazerosos 
do corpo e dilui a intensidade do sentir.

Não podemos mudar a desatenção para atenção; só a consciência da desatenção pode tornar-se atenção. Perceber todo esse processo complexo é meditação, único meio por que virá a ordem a esta confusão. A ordem é tão exacta e absoluta como a ordem da matemática; a partir disso há acção- atitude imediata. 

Ordem não é arranjo, 
planificação nem proporção; 
esses vêm muito mais tarde. 
A ordem vem de uma mente 
que não se acha abarrotada 
com as coisas do pensar. 
Quando o pensamento está silencioso
existe um vazio, que é ordem.

Estávamos ali sentados naquela praia a olhar os pássaros e o céu e a escutar o som distante dos carros que passavam. Estava uma manhã magnífica. Saímos com a baixa-mar e voltamos com o fluxo da maré; saímos longe para novamente voltarmos - esse eterno movimento para dentro e para fora... Podia- se vislumbrar o horizonte lá longe, onde o céu parece unir-se às águas. Era uma baía enorme de águas azuis e brancas, com casas muito pequenas ao redor e cadeias e mais cadeias de montes por detrás. 

Observávamos sem reacção nenhuma, sem identidade nenhuma, e observávamos de modo infatigável, na verdade não nos encontrávamos despertos mas de consciência ausente, num estado de semi-presença. Não éramos nós que ali nos encontrávamos mas tão só a observação que decorria. Observávamos os pensamentos que se erguiam e se desvaneciam, um atrás do outro, processo em que o próprio pensamento tomava consciência de si mesmo. Não existe nenhum pensador a observar o pensamento.

Ali sentados naquela praia a observar as pessoas que passavam- dois ou três casais e uma mulher solitária- parecia que a natureza e tudo o mais ao redor, desde o profundo mar azul até às elevadas cadeias
rochosas estavam em observação. Encontrávamo-nos a observar e não na expectativa da ocorrência de alguma coisa, tão só num acto de observação interminável.

Essa observação acarretava aprendizagem- não a acumulação de conhecimentos que se efectua com o aprender que é quase inteiramente mecânico, mas uma observação minuciosa e profunda que possuía ligeireza e ternura. Desse jeito não resultava observador nenhum. 

Quando o pensador está presente trata-se unicamente de uma acção do passado a observar mas tal não corresponde a um observar e sim a um relembrar, uma coisa sem vida. A observação contudo é uma coisa tremendamente viva que torna cada momento puro ócio. Aqueles caranguejos pequenos e gaivotas e restantes aves que voavam ao redor estavam todos a observar, à espera de presas, peixe, ou algo que possam comer; também eles estavam a observar.

Mas passasse alguém por vós e interrogar-se-ia do que pudessem estar a observar. Não estávamos a observar nada, contudo, nesse nada existia Tudo.

Krishnamurti 
- A Arte Da Meditação
 Fonte:
SCRIBD
http://pt.scribd.com/doc/6684722/Krishnamurti-A-Arte-Da-Meditacao

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