domingo, 7 de agosto de 2011

Antonio Lúcio Vivaldi The 4 Seasons, Concerto Grosso Op 3 N 11

                  

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em 07/08/2011


Da Poesia Na Música de Vivaldi








Hoje é difícil imaginar a importância religiosa, política e social que a música um dia já teve. Os compositores eram contratados, ou mesmo empregados por governantes, nobres e eclesiásticos como qualquer outra categoria de serviçais. Cite-se logo de imediato Haydn, Haendel, Salieri e Lully. O filme Le Roi Danse mostra muito bem o papel de Jean Baptiste Lully (1.632-1687) na corte de Louis XIV. Nasceu um príncipe? Componha-se uma Missa em Acção de Graças pelo facto. Um duque dará uma grande recepção? Crie seu compositor particular novas peças e ensaie-as com a orquestra à disposição até a data aprazada. Morreu uma rainha? Um Requiem já deverá estar preparado para a ocasião.

Se a produção foi de tal porte, onde as partituras, cujo volume deve ser imenso? Muita coisa já foi gravada e colocada à disposição do público apreciador, mas é incalculável o que resta guardado nos arquivos de palácios, igrejas, mosteiros e universidades. Vez por outra, um nome diferente é apresentado: Benda, Milisvecek, Veracini, Viviani. Ora são grandes compositores com muita obra a ser descoberta, ora são compositores menores dos quais são seleccionadas as obras mais expressivas. Mesmo os considerados maiores não têm divulgada a totalidade de suas obras. Até procurei, mas não encontrei nenhuma gravação da ópera Rodelinda de Haendel, composta em 1.725. Ela existe, ele um dia teve o trabalho de compô-la. Sua "extinção" presente é devida a várias causas, principalmente de mercado, visto o público sempre procurar as mais populares.

O resgate e execução de peças por curiosidade é algo a não se verificar tão cedo. Rousseau foi músico e teórico musical, mas não sabia ter ele composto em 1.752 a ópera Le Devin du Village - O Adivinho da Aldeia - e ouvi-la é algo com o que não conto ainda nesta vida a findar-se.

Repare-se, portanto: a demanda de séculos promovida por chefes eclesiásticos ou de Estado empurrou para o esquecimento compositores como Bach, e Vivaldi. No último dezembro, comentei o Oratório de Natal do primeiro, assombrando-me nas pesquisas com um dado: tal composição pode ter sido executada apenas uma vez em sua vida. Apenas naquele Natal de 1.734. Morto em 1.750, sua obra só veio de novo à luz no século XIX por empenho de Felix Mendelssom (1.809-1.847).

Rastreando o percurso feito por Bach em vida e visitando-se as cidades onde morou, trabalhou e leccionou, os pesquisadores com acesso aos seus manuscritos repararam no grande número de transcrições feitas por ele - principalmente para o órgão - das peças de um compositor italiano até então obscuro: Antonio Vivaldi (1.675- 1.741). Antes do aprofundamento das análises, até da acusação de plágio o músico alemão foi vítima.

Vivaldi é o autor dos quatro famosíssimos concertos conhecidos como As Quatro Estações. Estes concertos foram publicados em 1.725 com mais oito n'um conjunto único conhecido como Opus 8. "Opus" é um termo latino que, acompanhado de um número, indica a ordem de publicação da obra de um compositor. Opus 8, por conseguinte, foi o oitavo grupo de peças de Vivaldi, publicado com o título "Il Cimento dell'Armonia e dell'Invenzione", algo como "Experiência de Harmonia e Invenção". Aqui o termo "Invenção" afasta-se do sentido comum de engenho, imaginação para significar o desenvolvimento contrapontístico de um motivo simples.

As Quatro Estações merecem a fama. Porém sua apreciação poderia ser muito melhor se juntamente com as gravações fossem divulgados os sonetos que lhe servem de complemento. Não é preciosismo inútil: trata-se do melhor entendimento e fruição da obra, adicionando-se importante elemento para alcançar as cenas imaginadas por Vivaldi. São quatro sonetos, um para cada concerto. Talvez os ouvintes lessem-nos durante a execução, talvez alguém recitasse-os ao público adequando-os ao desenvolvimento da música. O casamento entre poesia e música é tão perfeito que se reforça a presunção de autoria em relação a Vivaldi. Entusiasmado com essa união, o pintor Jean von Blasenberghe teria preparado quatro telas, infelizmente não localizadas para este texto. Acrescentei outros quadros e ainda que de pintores pertencentes a épocas diversas e adeptos de estilos diferentes, foi possível ater à fidelidade temática.

É muito comum que um CD venha acompanhado de alguns dados sobre o compositor, sobre a obra e algumas notinhas tentando substituir a poesia original ocorrendo aqui um desserviço. As incluídas no meu CD fogem ao espírito autêntico. Os sonetos, em tradução livre:

A Primavera
Chegada é a Primavera e festejando
A saúdam as aves com alegre canto,
E as fontes ao expirar do Zeferino
Correm com doce murmúrio.

Uma tempestade cobre o ar com negro manto
Relâmpagos e trovões são eleitos a anunciá-la;
Logo que ela se cala, as avezinhas
Tornam de novo ao canoro encanto.

Diante disso, sobre o florido e ameno prado,
Ao agradável murmúrio das folhas
Dorme o pastor com o cão fiel ao lado.

Da pastoral Zampónia ao Suon festejante
Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Da primavera, cuja aparência é brilhante.

O primeiro movimento relaciona-se com a primeira e a segunda estrofes; o segundo com a terceira e o terceiro com a quarta. O ano no hemisfério norte começa no inverno e a primeira estação completa é a primavera. O Catálogo de Ryom demonstra ter sido este o primeiro concerto da série, mas não houve uma sequência perfeita. Seguindo a ordem da Natureza, a próxima composição deveria ser O Verão, mas na realidade Vivaldi dedicou-se ao Outono. O tema do primeiro movimento, como dito algures retorna na ária "Dell'aura al sussurrar" da ópera "Dorilla in Tempe". O excesso de trabalho implicava em certas repetições, como provam também os Magnificat RV 610 e RV 611, constrangedoramente semelhantes. Mero registro, mais para minha própria lembrança: RV significa Ryom Verzeichnis - O Catálogo de Ryom. Peter Ryom foi um erudito dinamarquês, autor do principal catálogo das obras do Padre Ruivo.

O Verão
Sob a dura estação, pelo Sol incendiada,
Lânguidos homem e rebanho, arde o Pino;
Liberta o cuco a voz firme e intensa,
Canta a corruíra e o pintassilgo.

O Zéfiro doce expira, mas uma disputa
É improvisada por Borea com seus vizinhos;
E lamenta o pastor, porque suspeita,
Teme feroz borrasca: é seu destino [enfrentá-la].

Toma dos membros lassos o repouso
O temor dos relâmpagos e os feros trovões;
E de repente inicia-se o tumulto furioso!

Ah! No mais o seu temor foi verdadeiro:
Troa e fulmina o céu, e grandioso [o vendaval]
Ora quebra as espigas, ora desperdiça os grãos [de trigo].

De novo o primeiro movimento relaciona-se com as duas primeiras estrofes; o segundo com a terceira e o terceiro com a quarta. Lido o soneto, impossível não ouvir cantar o cuco do terceiro verso, nem deixar de lado, no segundo movimento, os avisos da tempestade que desabará no terceiro (o meu favorito). O pintassilgo - gardellino - foi pássaro dos afectos do compositor, visto merecer dele um concerto específico, o de número três em Ré Maior, RV 428, para flauta e cordas. Rameau (1.683/1.764) também busca imitar o canto das aves em peças como Le Rappel des Oiseaux e La Poule. Podemos citar ainda o capriccio Cucu de Kerll (1.642/1.703), o interlúdio do quarto acto da ópera Lo Schiavo de António Carlos Gomes e a cuminância em Oliver Messiaen no oratório A Transfiguração com vários cantos de aves executados pelos instrumentos nas várias partes, sobretudo na de número IX.

O Outono
Celebra o aldeão com danças e cantos
O grande prazer de uma feliz colheita;
Mas um tanto aceso pelo licor de Baco
Encerra com o sono estes divertimentos.

Faz a todos interromper danças e cantos,
O clima temperado é aprazível;
E a estação convida a uns e outros
Ao gozar de um dulcíssimo sono.

O caçador, na nova manhã, à caça,
Com trompas, espingardas e cães, irrompe;
Foge a besta, mas seguem-lhe o rastro.

Já exausta e apavorada com o grande rumor,
Por tiros e mordidas ferida, ameaça
Uma frágil fuga, mas cai e morre oprimida!

O primeiro movimento liga-se à primeira estrofe, o segundo à segunda, e o terceiro às duas últimas. Vivaldi valeu-se apenas de cordas tangidas e percutidas. Haydn compôs um oratório também dedicado às estações do ano e também na parte dedicada ao outono descreve uma cena de caça. Ambos, Vivaldi com cordas e Haydn com as trompas, retractam muito bem o latido dos cães na perseguição da presa.

O Inverno
Agitado tremor traz a neve argêntea;
Ao rigoroso expirar do severo vento
Corre-se batendo os pés a todo momento
Bate-se os dentes pelo excessivo frio.

Ficar ao fogo quieto e contente
Enquanto fora a chuva a tudo banha;
Caminhar sobre o gelo com passo lento
Pelo temor de cair neste intento.

Girar forte e escorregar e cair à terra;
De novo ir sobre o gelo e correr com vigor
Sem que ele se rompa ou quebre.

Sentir ao sair pela ferrada porta,
Siroco, Borea e todos os ventos em guerra;
Que este é o Inverno, mas tal, que [só] alegria porta.

O primeiro movimento une-se à primeira estrofe. O segundo, de curta duração, prende-se apenas aos dois primeiros versos da segunda quadra. Os demais versos estão vinculados ao terceiro, desenvolvendo-se n'um crescendo cuja interpretação aceita algum optimismo.

 
Taubaté, 6/2/2003

O CONTRASTE ENTRE HARMONIA E INVENÇÃO

As Quatro Estações é, acima de tudo, a celebração da rica impressão individual das mudanças de estações, inspirando a evocação do universo inteiro de emoções associadas a elas. Num destes exemplos pioneiros de "programa de música", Vivaldi esforçou-se para completar a experiência de seu público exibindo pinturas e sonetos para os músicos e para a platéia. A autoria destes sonetos demonstrativos não é confirmada, embora muitos acreditem que eles descrevem a música tão bem que Vivaldi é um perfeito candidato a lhes ter escrito. A partitura é marcada com letras do alfabeto correspondendo às mesmas nos sonetos, apontando assim para o instrumentista que frases musicais se referem a que linhas/descrição nos poemas (no site Classical Musical Pages são mostradas tais divisões, onde é possível ouvir trechos das músicas)







 

As Quatro Estações foi publicado em Amsterdã em 1725 com mais oito concertos com o nome Opus 8. Porém, as datas exatas da composição dos concertos não são conhecidas. Esse conjunto ficou popularmente conhecido por "Il Cimento dell'Armonia e dell'Invenzione", ou "O Contraste entre Harmonia e Invenção" - um testamento do admirável teor de técnica intelectual e fantasia criativa de Vivaldi...


TEXTO EM ITALIANO


IL CIMENTO DELL'ARMONIA E DELL'INVENZIONE


La primavera


Giunt'é la Primavera e festosetti
La Salutan gl'Augei con lieto canto,
E i fonti allo Spirar de'Zeffiretti
Con dolce mormorio Scorrono intanto:

Vengon' coprendo l'aer di nero amanto

E Lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti;
Indi tacendo questi, gl'Augelletti
Tornan' di nuovo al lor canoro incanto:

E quindi Sul fiorito ameno prato

Al caro mormorio di fronde e piante
Dorme'l Caprar col fido can' à lato.

Di pastoral Zampogna al Suon festante

Danzan Ninfe e Pastor nel tetto amato
Di primavera all'apparir brillante.

L'estate


Sotto dura Staggion dal Sole accesa
Langue L'huom, langue 'l gregge, ed arde il Pino;
Scioglie il Cucco la Voce, e tosto intesa
Canta la Tortorella e'l gardelino.

Zeffiro dolce Spira, mà contesa

Muove Borea improviso al Suo vicino;
E piange il Pastorel, perche Sospesa
Teme fiera borasca, e'l Suo destino;

Toglie alle membra lasse il Suo riposo

Il timore de'Lampi, e tuoni fieri
E de mosche, e mossoni il Stuol furioso!

Ah che pur troppo I Suoi timor Son veri

Tuona e fulmina il ciel e grandinoso
Tronca il capo alle Spiche e a'grani alteri.

L'autunno


Celebra il Vilanel con balli e Canti
Del felice raccolto il bel piacere
E del liquor di Bacco accesi tanti
Finiscono col Sonno il lor godere.

Fà ch'ogn'uno tralasci e balli canti

L'aria che temperata dà piacere,
E la Staggion ch'invita tanti e tanti
D' un dolcissimo Sonno al bel godere.

I cacciator alla nov'alba à caccia

Con corni, Schioppi, e canni escono fuore
Fugge la belua, e Seguono la traccia;

Già Sbigottita, e lassa al gran rumore

De'Schioppi e canni, ferita minaccia
Languida di fuggir, mà oppressa muore.

L'inverno


Aggiacciato tremar trà nevi algenti
Al Severo Spirar d'orrido Vento,
Correr battendo i piedi ogni momento;
E pel Soverchio gel batter i denti;

Passar al foco i di quieti e contenti

Mentre la pioggio fuor bagna ben cento;
Caminar Sopra'l giaccio, e à passo lento
Per timor di cader gersene intenti;

Gir forte Sdruzziolar, cader à terra,

Di nuovo ir Sopra 'l giaccio e correr forte
Sin ch'il giaccio Si rompe, e Si disserra;

Sentir uscir dalle ferrate porte

Sirocco, Borea, e tutti i Venti in guerra
Quest'è 'l verno, mà tal, che gioja apporte.


TRADUÇÕES PARA O INGLÊS


Spring


Spring has come and with it gaiety,
the birds salute it with joyous song,
and the brooks, caressed by Zephyr's breath,
flow meanwhile with sweet murmurings:

The sky is covered with dark clouds,

announced by lightning and thunder.
But when they are silenced, the little birds
return to fill the air with their song:

Then does the meadow, in full flower,

ripple with its leafy plants.
The goatherd dozes, guarded by his faithful dog.

Rejoicing in the pastoral bagpipes,

Nymphs and Shepherds dance in the glade
for the radiant onset of Springtime.

Summer


Under the heavy season of a burning sun,
man languishes, his herd wilts, the pine is parched;
the cuckoo finds its voice, and chiming in with it
the turtle-dove, the goldfinch.

Zephyr breathes gently but, contested,

the North-wind appears nearby and suddenly;
the shepherd sobs because, uncertain,
he fears the wild squall and its effects.

His weary limbs have no repose, goaded by

his fear of lightning and wild thunder;
while gnats and flies in furious swarms surround him.

Alas, his fears prove all too grounded,

thunder and lightning split the Heavens, and hailstones
slice the top of the corn and other grain.

Autumn


The country-folk celebrate, with dance and song,
the joy of gathering a bountiful harvest.
With Bacchus's liquor, quaffed liberally,
their joy finishes in slumber.

Each one renounces dance and song,

the mild air is pleasant,
and the season invites ever-increasingly
to savour a sweet slumber.

The hunters at dawn go to the hunt,

with horns and guns and dogs they sally forth,
the beasts flee, their trail is followed.

Already dismay'd and exhausted, from the great noise

of guns and dogs, threaten'd with wounds,
they flee, languishing, and die, cowering.

Winter


Frozen and trembling among the chilly snow,
exposed to horrid winds,
our legs tremble with cold,
our teeth chatter with the frightful cold.

We move to the fire and contented peace,

while the rain outside pours in sheets.
Now we walk on the ice, with slow steps,
attentive how we walk, for fear of falling

If we move quickly, we slip and fall to earth,

again walking heavily on the ice,
until the ice breaks and dissolves.

We hear through the closed doors

Sirocco, Boreas and all the rushing winds at war -
this winter, but such as brings joy.
 


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Fonte: 
Inkpot.com
Digestivo Cultural
http://www.sonetos.com.br/visitas.php
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=925&titulo=Da_Poesia_Na_Musica_de_Vivaldi

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