domingo, 12 de fevereiro de 2012

OSVALDO GOELDI




Osvaldo Goeldi[1] 
– Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1961

Biografia

Filho do cientista suíço Emilio Augusto Goeldi.


Com apenas 1 ano de idade, muda-se com a família para Belém, Pará, onde vivem até 1905, quando se transferem para Berna, Suíça. Aos 20 anos ingressa no curso de engenharia da Escola Politécnica, em Zurique, mas não o conclui. Em 1917, matricula-se na Ecole des Arts et Métiers [Escola de Artes e Ofícios], em Genebra, porém abandona o curso por julgá-lo demasiado acadêmico.


A seguir, passa a ter aulas no ateliê dos artistas Serge Pahnke (1875 - 1950) e Henri van Muyden (1860 - s.d.). No mesmo ano, realiza a primeira exposição individual, em Berna, na Galeria Wyss, quando conhece a obra de Alfred Kubin (1877 - 1959), sua grande influência artística, com quem se corresponde por vários anos.


Em 1919, fixa-se no Rio de Janeiro e passa a trabalhar como ilustrador nas revistas Para Todos, Leitura Para Todos e Ilustração Brasileira. Dois anos depois, realiza sua primeira individual no Brasil, no saguão do Liceu de Artes e Ofícios.


Em 1923, conhece Ricardo Bampi, que o inicia na xilogravura. Na década de 1930, lança o álbum 10 Gravuras em Madeira de Oswaldo Goeldi, com introdução de Manuel Bandeira (1884 - 1968), faz desenhos e gravuras para periódicos e livros, como Cobra Norato, de Raul Bopp (1898 - 1984), publicado em 1937, com suas primeiras xilogravuras coloridas. Em 1941, trabalha na ilustração das Obras Completas de Dostoievski, publicadas pela Editora José Olympio. Em 1952, inicia a carreira de professor, na Escolinha de Arte do Brasil, e, em 1955, torna-se professor da Escola Nacional de Belas Artes - Enba, no Rio de Janeiro, onde abre uma oficina de xilogravura. Em 1995, o Centro Cultural Banco do Brasil realiza exposição comemorativa do centenário do seu nascimento, no Rio de Janeiro.


Nasceu no Rio, porém, até os seis anos de idade viveu em Belém, acompanhando o pai que dirigia o Museu Paraense Emílio Goeldi. Dos seis aos 24 anos viveu na Suíça. No período da Primeira Guerra Mundial abandonou o curso da Escola Politécnica para se matricular, em 1917, no Liceu de Artes e Ofícios, em Genebra. No mesmo ano realizou sua primeira exposição individual em Berna, época em que conheceu a obra do austríaco Alfred Kubin, que se tornou seu mentor artístico. Em 1919 retornou ao Rio de Janeiro e realizou outra exposição, na qual conheceu Álvaro Moreyra, Manuel Bandeira, Aníbal Machado, Ronald de Carvalho e Di Cavalcanti. A partir dessa época tornou-se ilustrador de revistas.


A partir de 1923 dedicou-se intensamente à xilogravura e fez ilustrações para revistas, livros e periódicos. Consolidado como ilustrador, expôs na 25ª Bienal de Veneza, em 1950, e ganhou o Prêmio de Gravura da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951.


Sua carreira como professor começou em 1952 e, após três anos passou a ensinar xilogravura na Escola Nacional de Belas Artes. Em 1956 foi realizada sua primeira retrospectiva, no MAM-SP. A obra de Goeldi já participou de mais de uma centena de exposições póstumas no Brasil, Argentina, França, Portugal, Suíça e Espanha. Todo o acervo do artista hoje é preservado e catalogado pela Associação Artística Cultural Oswaldo Goeldi e pelo Projeto Goeldi.

Ligações externas


Algumas Frases de Oswaldo Goeldi

-“Senti-me, mais ou menos, como Gauguin na ilha...” (1919)

- "A ruptura com a Europa, deixou-me em pleno abandono, numa luta de consciência" (1920)


- “ A Exposição não foi bem recebida; os críticos, bisonhos e amadores, diante dos trabalhos expostos “balançavam a cabeça”. (1920)

- "Cada traço é um pedaço de nervo com a veemência de um coração bárbaro". (1924)
“ Os fenômenos da natureza me empolgam – trovoadas, ventanias, nuvens pesadas, céu e mar, sol e chuva torrencial e noites cheias de mistério, pássaros e bichos. Os dramas da alma humana me consomem. Sinto-me bem com os simples e as vezes me confundo com eles.” (1937)


-“...Haverá sempre do lado de fora alguns homens firmes e calmos, sem pressa, que conhecendo uma verdade ficam com ela, mesmo sopzinhos, porque ela lhes dá forças.” (1941)

- "Estou atualmente desenhando uma série de visões sobre a guerra".(1945)

- "No meio artístico não havia possibilidade de entendimento"(1945)

- "Não fiz nenhuma gravura: acho aquele pedaço de peroba tão bonito que não tenho coragem de fazer nada e o deixo lá em cima da mesa, uma beleza. Gosto de olhar, de passar a mão nele..."(Correio da Manhã – 1955)

 
-“Devo ao grande desenhista Alfred Kubin (Áustria), ter encontrado o meu caminho. (06/1949)

 
- "O que é preciso é criar, dar alguma coisa de si. Usar a fantasia e a vontade criadora para gravar sempre mais em profundidade".(1949)
                               
-“Nunca sacrifiquei a qualquer modismo o meu próprio eu. Caminhada dura, mas a única, que vale todos os sacrifícios.” (06/1949)

- Os jovens de hoje deviam seguir o exemplo de independência e fidelidade a si mesmo.(1951) 



“ A minha pobreza é a minha liberdade” (1953)

- "Não sou propriamente um professor, mas sim um orientador. Há uma parte técnica em toda manifestação artística que deve ser ensinada por quem tem mais experiência; mas a parte da criação é puramente interior e querer guiá-la ou dar-lhe orientação seria mutilar a personalidade do artista. Faço assim não só com as crianças da Escolinha, mas também com os alunos da escola Nacional de Belas Artes. Cada um deve seguir as suas próprias tendências, sem se apegar a escolas e grupos”. (Revista AABB – 11/1955)

- "Não tenho plano algum, apenas trabalhar o mais que puder.Terei sempre muita coisa a dizer e sonho ainda introduzir inovações que tenho na cabeça e não consigo realizar”. (Revista Paratodos 1956)

-"Dentro da mesma constante, natural de um caráter estupendo, para legar ao mundo uma obra que não pode ser esquecida nem no tempo, nem no espaço”. (Revista Paratodos 1956)

- ...não podemos andar num terreno fazendo descobertas, porque encontramos essas descobertas onde não há mais possibilidade de inovação, de vez que já fizemos tudo.” (MAM-1956)

-“Aqueles professores poderiam preparar-me para ser pintor dentro de um ou dois anos, considerando minha capacidade de desenhar, mas o que ensinavam não correspondia ao meio de que necessitava para expressão do meu intimo, não correspondia ao que vinha de minha imaginação.” (Revista paratodos 1956)

-“Já tinha minha vida aqui e sabia que tinha muito trabalhar e lutar. Sentia-me já longe da Europa. Seria difícil integrar-me no meio artístico de lá, sentia-me como um estranho. Hoje considero-me cem por cento brasileiro e com fobia de Europa.”(1956)



-“ Procurei dar aos meus trabalhos uma atmosfera e um clima, numa feição pessoal.” (1956)




- “O Brasil que represento é uma questão de sentimento, é a minha maneira de ver, de sentir a terra onde nasci, que abandonei e que depois de muitos anos, com saudade revi”. (1956)






-“ Fui procurando expressar aquilo que me assaltava, as coisas mais flagrantes, e encontrou também a parte da atmosfera, enfim, mil coisas! Tanto se pode sentir que depois da chuva há cheiro de terra e folhagem molhadas, coisas muito intimas, como se pode, as vezes, interpretar ou segurar este momento.” (1956)

A qualidade vem do esforço e da capacidade do gravador. O estar na moda pode até prejudicar a gravura.” (1956)


- Dou-me por satisfeito por ter seguido esse caminho espinhoso. Tenho pela gravura o mesmo entusiasmo de quando comecei. Há pessoas que sabendo tudo sobre uma técnica já sabem também o que vão alcançar.” (1956)

                                         
-“Nós não estamos fazendo uma obra definitiva. De 1900 para cá nenhum artista fez qualquer coisa de eterno.” (1956)
-“Não fiz da gravura uma forma mecânica; ainda tenho esperanças, faço descobertas e gravo com a mesma satisfação de há 40 anos”. (Revista paratodos 1956)


-“ Desenho primeiro sobre a chapa, disponho as zonas de cor, de massa preta, os brancos e só gravo mesmo quando considero que a idéia está clara”. (Jornal do Brasil 01/12/1957)



-“ Lutei com muita dificuldade, pois não sendo pintor, minha experiência com a policromia era reduzida.” (Jornal do Brasil 1957)
                                                                              
-“A cor era introduzida para expressar a construção e o bom funcionamento das massas pretas” (Jornal do Brasil 1957)

- “Usei a cor com um sentido diferente (do decorativo), meio simbólico, meio fantástico, como na gravura do Guarda-Chuva vermelho e na do Siri Vermelho, entre outras”. (Jornal do Brasil 1957)



                                         
-“Todo o artista realmente criador inova, e isso porque ele amplia seus meios de expressão. Só essa inovação é legitima – a inovação que é ditada por uma necessidade interior.” (jornal do Brasil 1957).


-“ Os trabalhos de Livio Abramo tiraram todo o caráter da xilogravura, como seu amigo estou penalizado tanto mais que a premiação o manterá no caminho errado; lamento sinceramente que os instrumentos tenham tomado conta do bom companheiro”.( (Carta a Marcelo Grassmann sobre o premio da II Bienal de SP)
                                        
-“O melhor caminho para a gloria, prêmios e sucessos é mesmo o de fazer o contrario do que deveria ser feito. Cada qual faça o que fizer. Talvez haja alguns que prefiram exigir de si o necessário para ser um gravador e não um falso artista.A confusão é grande e a gravura não vai lucrar nada com isso”.(Jornal do Brasil 12/01/1957)
                                          
-“O artista, a meu ver, tem que descobrir por si mesmo tudo o que servirá a sua expressão porque essa necessidade de expressão é o que o fará descobrir os valores da gravura, e tudo o que vier de fora ou é desnecessário ou prejudicial”. ( 1957)
                                           
-“ Em 1923 comecei a gravar para impor uma disciplina às divagações a que o desenho me levava. Senti necessidade de dar um controle a essas divagações” (1957)



-“ Reconheço que há experiências uma vontade de liberdade, mas que afasta o artista do verdadeiro espírito da gravura.” (1957)


-“ Toda gravura minha é desenhada muitas vezes, tomo apontamentos e só muito depois, as vezes anos, nasce a gravura.” (1957)

-“Estava saturado do preto e branco e procurei a cor. Inicialmente fiz aquarelas e depois tentei passar para a gravura.” (1957)

-“Creio que nunca poderia fazer uma gravura abstrata. Sempre quero expressar alguma coisa que é anterior às formas que gravarei, que envolve um sentimento qualquer de angustia, solidão ou de fantástico.” (1957)


“- A base principal da gravura deve ser o desenho. Seria bom que os gravadores desenhassem mais.” (1957)


- “O problema econômico do artista é muito sério, embora todo mundo procure ignorá-lo. È preciso dizer que o comprador impõe limites no trabalho do artista.”(1957)



- “ O que é preciso é criar, dar alguma coisa de si, usar a fantasia e a vontade criadora para gravar sempre mais em profundidade.” ( 12/01/1957)


- Desenhei muito para me assenhorear das formas ambientes, do novo mundo visual que ia ser a matéria de minha expressão. O que me interessava eram os aspectos estranhos do Rio suburbano, do Caju, com postes de luz enterrados até a metade na areia, urubu na rua, móveis na calçada, enfim coisas que deixariam besta qualquer europeu recém-chegado. Depois descobri os pescadores e toda madrugada ia para o mercado ver o desembarque do peixe e desenhava sem parar.(1957)





A Arte foi meu grande refugio, tirei a luz das sombras e dei sombras à luz, e foi assim por muito tempo...(1959)





-“Acredito em meus sonhos, são figurativos.” (18/09/1960)

-“Eu nunca esperei ser premiado porque não é moda velho ganhar premio. Com 65 anos a esperança é pouca. Depois há um fato que o torna, para mim, mais significativo, partir no México, país onde a xilografia está intimamente ligada ao povo. ( 1960)
 


-“...acabou neste histerismo de feris inovações, que tanto faz sofrer a novíssima geração de gravadores.” (1960)



-“Hoje temos toda a liberdade. Mas, de certo modo, ela é fictícia. È uma liberdade controlada para muita gente que tem medo de ser julgada ultrapassada.” (1960)



-“Pois deixa os personagens sofrerem até ele próprio sentir seus sofrimentos...”(1960)




-“Em geral há muito mais compaixão pelo ser humano que por uma planta. Certas formas são despidas de carga emocional.” (1960)




-“Parece-me que o choque de continentes fez com que eu captasse alguma coisa no clima, da atmosfera brasileira, coisas que não vemos nas que eu sinto” (1960)




- "A realidade é muito aparência e a força do artista está em captá-la".(jornal Hoje 15/04/1960)



- "Sei o que faço, sei quando meu trabalho é bom, quando ele falhou, quando é só talentoso, quando é puramente mau. Quando acho ruim, cem amigos podem achar bom; não me deixo convencer e chego a ficar com raiva de tais amigos".(1960)

 
- "Parece que aqui, em geral, a onda contra mim não é muito grande, afinal de contas sou um gravador que executa seu trabalho com ardor e fé, e amo o meu ofício".(1960)

 


-"Que surpresa foi a minha ao receber a notícia de tão alta distinção, com 65 anos fora da moda e ainda premiado. Parece um sonho! É verdade que sempre acreditei em contos de fadas".( Sobre seu premio na Bienal)

 


-“O movimento plástico brasileiro já alcançou a meta: integrou-se ao movimento internacional, ponto dramático para os artistas, na minha opinião”. (Revista Leitura 11/1960)

 


-“ A pintura informal é a ultima teimosia do terreno da abstração; é um gesto, um esforço de fracassados. Não vejo nos informais força criadora...” (Revista Leitura 11/1960)

 


-“Claro que nunca poderá haver encontro dos caminhos do abstrato e di figurativo. Eles divergem: tem finalidades antagônicas...” (Revista Leitura 11/1960)



-“Gostaria de ver a nova geração menos obediente às exigências da moda ditada por críticos e mais desconfiada de uma arte de transição visando o futuro e com os críticos sempre a frente...” (Revista Leitura 11/1960)

 


-“Busco só as coisas que podem ser buscadas: Tranqüilidade, dinheiro, etc.” (Revista Leitura 11/1960)





Depoimentos Sobre Oswaldo Goeldi

Mario de Andrade : Oswaldo Goeldi - Diário Nacional - São Paulo - 22/09/1929
Oswaldo Goeldi : Diário Nacional - São Paulo - 08/02/1930
Jorge Amado : Mestre Goeldi - Jornal Hoje - Rio de Janeiro - 18/09/1960
Rubem Braga: Assim é Goeldi - O Globo - Rio de Janeiro - 11/09/1960
Mario et. al. Barata : Goeldi, Macunaíma (numero especial dedicado à Oswaldo Goeldi) escola Nacional de Belas Artes - Rio de Janeiro- 04/08/1961
Raquel de Queiroz : O Goeldi de Reis Júnior - O Cruzeiro - Rio de Janeiro - Coluna Última Página - 02/1966
Goeldi em testemunho - Jornal A Tarde - Salvador - 27/01/1967
Murilo Araújo : Oswaldo Goeldi - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro - 04/08/1971
Anna Letycia Quadros - Entrevista: Anna Letycia fala de seu professor Oswaldo Goeldi - Correio da Manhã - Rio de Janeiro - 10/09/1971
Raquel de Queiroz : Oswaldo Goeldi artista brasileiro - O Cruzeiro - Rio de Janeiro - 11/03/1971
Beatrix e Goeldi - O Cruzeiro - Rio de Janeiro - 23/03/1971
Beatrix Reynal : Beatrix Reynal fala de Oswaldo Goeldi - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro - 17/09/1971

Uma das mais fortes e curiosas exposições de arte que já vi foi improvisada num bar, depois da meia-noite, quase à hora crispante de se correrem as cortinas de aço. Apresentaram-me um rapaz anguloso, de nariz duro, olho metálico: o artista Oswaldo Goeldi. Um nome em branco para mim. O rapaz trazia uma pasta embaixo do braço. Sentou-se à mesa, abriu a pasta, e então, correu em volta de mão em mão uma estupenda coleção de gravuras em madeira e desenhos a pena e a lápis. Que emocionante surpresa! Todo um mundo interior riquíssimo abria-se ali, atestando uma força de concepção, uma magistralidade de traço, um senso dramático da paisagem urbana, que nos enchia de pasmo.

A imaginação de Oswaldo Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos, - arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma personalidade monstruosa e aterradora. Um admirável artista.

Mas donde saíra? Como viera? Por que assim inteiramente desconhecido?
Oswaldo Goeldi nasceu em 1895, no Rio. Viveu a primeira infância no Pará. A riqueza da fauna e da flora que tinha diante dos olhos, alimentaram a fantasia do menino, da mesma forma que mais tarde as freqüentes viagens entre o Amazonas e o Rio, duas travessias à Europa, um poder de impressões diversas, portos, cidades, raças, - tudo o que a arte do homem refletiria depois com vigor insólito.

Em 1915 iniciou-se em Berna em estudos químicos e agrícolas, mas o pendor para a arte levou-o a abandonar tudo, partindo para Genebra, bom centro artístico, onde naquele tempo existia ainda o grande Ferdinando Hodler. Ali, na Galeria Moos, via Goeldi quadros de Gauguin, Cézanne, Renoir, Van Gogh, Van Dongen, Signac... Já nessa época produzia muitos desenhos. Passou pelo atelier de Serge Pahnke e Henry Van Muyden, onde recebeu uma espécie de educação às avessas, pois naquele ambiente acadêmico se lhe formou uma profunda, definitiva antipatia contra essa arte morta, sem imaginação, sem alma, sem nervos. Os verdadeiros mestres de Goeldi foram aqueles artistas cujos quadros ele via na Galeria Moos; foi sobretudo a arte visionária de Kubin, o tcheco fantástico, o genial ilustrador de Poe, de Gérard de Nerval, de Barbey d’Aurevilly, do Livro de Daniel.
Em 1920 voltou Goeldi ao Brasil, onde nunca realizou nenhuma exposição. Todavia tem trabalhado continuamente e só ultimamente a sua obra começou a ser conhecida. Tal o artista que apresenta neste álbum alguns exemplares de gravura em madeira, pelos quais se pode apreciar a sua força de intuição e temperamento. (1930)

Manuel Bandeira

Do livro "Andorinha, Andorinha", J.O., Rio, 1966, págs. 58/59.
Apresentação do álbum "Dez Madeiras", de O. Goeldi.


" Oswaldo Goeldi - Discreto, econômico de palavras e de gestos, Goeldi ficou sendo uma figura especial e isolada no cenário da arte brasileira contemporânea. Trabalhou apoiado em convicções muito pessoais e o seu desempenho artístico resultou da procura exclusiva de soluções que atendiam tão-somente às suas necessidades expressivas. Solitário como homem e como artista, impregnou suas gravuras e desenhos com este modo de ser e de existir. Entre a vida e a obra estabeleceu uma extraordinária e comovente coerência.
Para Otto Maria Carpeaux "a arte de Goeldi lembra um recurso raro de dramaturgia: o monólogo. É por definição uma arte silenciosa". Esta observação reúne de modo sintético e adequado a melhor definição do desenhista gravador. Nesta arte silenciosa e quieta, o dia e a noite, a luz e a sombra, a vida e a morte pertencem a um espaço soturno onde uma espessa atmosfera de abandono e solidão, carregada de lirismo, envolve personagens cativos de um desígnio dramático. "

Renina Katz


"O desenho e a xilogravura foram meios exceJentes para o projeto artístico goeldiano. O preto e o branco, os semi-tons que não chegam a ser cinzas, formam um compacto repertório de elementos gráficos suficientes para que possam acontecer:

"as diferentes espécies de treva ,..; em que os objetos se elaboram:
a treva do entardecer e a da manhã; a erosão do tempo e do silêncio !
a irreal idade do real".

Carlos Drummond de Andrade.

A luz na gravura de Goeldi resulta de cortes preciosos sem virtuosismos ou ornamentos excedentes. Ela aparece como contraponto para as penumbras e sombras, exaltando magistrais contrastes que foram a marca permanente do artista. A cor, por sua vez, cumpre a função de acentuar as vibrações luminosas que geram as tensões da imagem. A cor não tinge nem colore. A cor marca um valor intermediário nas relações dos valores acromáticos; ela pontua como um elemento de ruptura da imobilidade das formas, como se fosse um grito.

O desenho para Goeldi converteu-se em um instrumento indispensável para aprofundar o que ele chamava meios de expressão. Temia que o gravador que dispensasse o exercício do desenho ficasse preso nas malhas da técnica, "trocando os meios pela finalidade". É por meio de desenho que o artista se habilitou para a captação do mundo visual que, mesclado aos seus sonhos, constituiu a matéria para a criação do seu universo gráfico fantasticamente melancólico e pungente.

Goeldi tinha posições muito claras e firmes em relação ao seu procedimento artístico. Em entrevista a Ferreira Gullar, publicada no Jornal do Brasil, 12.1.57, indagado sobre o que seria inovação em arte, respondeu: "não se deve confundir experimentos técnicos com a verdadeira inovação. Todo artista realmente criador inova, e isso porque ele amplia seus meios na proporção de sua necessidade de expressão". A moda e as novidades não faziam parte de suas preocupações. Escolheu ou encontrou um caminho, no qual mergulhou sem nunca perder o sentido de aprimoramento. Era um artista moderno no sentido que Lívio Abramo entendia: "um artista que conhece as forças que movem o mundo".

Convencido do que deveria fazer e obter como artista, não se sentiu atraído pelas discussões e polêmicas sobre os rumos da arte contemporânea. Seguiu sua trajetória como se o seu destino artístico já estivesse traçado e dele não se propusesse escapar, pois havia sido, também, uma escolha e um ato de fé.

Expressionista inconfundível, tanto na fatura como no imaginário, Goeldi tem como tema constante a condição humana, que ele revela por meio de imagens densamente embebidas no assombro e na perplexidade.
Nos seus desenhos e gravuras não há redundâncias. A escassez parece as~umir quase que um sentido ideológico. Na obra e na vida. Certa vez disse a RacheI de Queiroz que a pobreza era a sua liberdade. Frase que se ajusta perfeitamente à postura do expressionista que se deixou tocar por um certo sentimento romântico, ao menos no que se refere ao gosto pelo dramático.

Goeldi viveu na Suíça dos seis aos vinte e quatro anos e, evidentemente, o peso de sua formação repousa em padrões europeus, com repercussão evidente em sua obra artística. Serviu como soldado na guerra 1914/1918, o que o obrigou a interromper seus estudos politécnicos em Zurique. Ao voltar das trincheiras não retomou a politécnica, preferiu ingressar na École des Arts et Métiers, em Genebra. Nesta época, 1917, freqüentou também o atelier de Serge Pahnke e Henri van Muyden.

1919, regressou ao Brasil e sua adaptação foi penosa. Não era o filho pródigo que à casa tornara. Os 18 anos vividos fora do país faziam dele quase um estrangeiro. Tanto assim que seu trabalho despertou interesse somente em um grupo de intelectuais e artistas atentos, como Álvaro Moreyra, Manuel Bandeira, Aníbal Machado, Di Cavalcanti, entre outros. Deles recebeu estímulo e respeito. 1

Goeldi expôs pela primeira vez no Brasil, em 1921, no Liceu de Artes e Oficios do Rio de Janeiro. Seu trabalho rico de recursos gráficos e pobre de apelos visuais fáceis não encontrou por parte do público e da imprensa especializada a acolhida merecida. Um clima de abandono e desamparo abrigava uma mensagem de ternura pelo mundo e pelos seus sofridos habitantes. Os temas para seus desenhos e gravuras eram densos e tristes. Temas de aceitação dificil. O fato de a arte sobre papel não gozar de muito prestígio, constituiu agravante para a pouca circulação e divulgação de seu trabalho.

Não se deixava afetar por gostos ou preferências estilísticas orientadas pelo mercado de arte. Pagou caro por esta indiferença. Foram necessários muitos anos para que o padrão de qualidade do seu trabalho fosse reconhecido como sendo de primeira linha. Em compensação, sua intransigência era tida como modelo de firmeza e liberdade pelos jovens artistas da década de 40/50.

A sua sobrevivência cotidiana foi assegurada pelas ilustrações para jornais, revistas e uma vintena de livros. Não havia perda de qualidade das gravuras e desenhos pelo fato de serem destinados a ilustrações para reprodução. A autonomia do processo de criação sempre foi resguardada e defendida, mesmo nas obras realizadas para atender encomenda. Suas gravuras originais, de tiragem 1pouco numerosa, tiveram alguns colecionadores, raros, que, como Mendes Caldeira, se anteciparam ao reconhecimento histórico da importância de Goeldi. !

Em 1951, o artista foi convidado para participar da primeira Bienal de São Paulo,quando ganhou o 1. Prêmio de gravura para artistas brasileiros.
Sobre o prêmio, Goeldi comentpu: "que surpresa a minha ao receber a notícia de tão alta distinção - com 65 anos, fora da moda e ainda premiado. Parece sonho. É verdade que sempre acreditei em conto de fadas". Não era falsa modéstia ou subestimação. Acreditava finnemente na validade do seu trabalho, mas não fez dele trampolim para o sucesso, não era essa a sua aptidão.
Gravava e desenhava como se fosse uma missão que deveria ser cumprida com rigor e beleza. E assim foi.

Renina Katz

Goeldi por Grassmann
Oswaldo Goeldi tinha um lado extremamente romântico, era o cara de olhar a tempestade. Uma vez saímos e ele disse: "puxa, eu te procurei; tentei te localizar lá na casa de um amigo que tinha telefone". Mas ninguém tinha telefone; ele também não tinha, mas tentou me localizar porque ele disse que tinha uma nuvem em cima da lua que dava um bicho tão maluco que eu te procurei, desesperado para que você visse que eu estava vendo o bicho na lua. Bom,
c; claro: Ele era uma pessoa... mas ele era absolutamente violento com as convicções dele. Eu vou
contar uma história que é divertida. Alguém, de safadeza, acho que o Darel, levou para ele um livro de desenhos de Picasso, parodiando o Cranach. O Goeldi começou: " isto é um desenhista. Você vê,
'" um Cranach é um Cranach". Daí o Darel falou: " Goeldi, mas este é um Picasso". Ele disse: " este
homem é diabólico". Ele ficou louco de ser ludibriado pelo Picasso e, de fato, ele não perdoava o
Picasso '" disse que o Van Gogh era um vagabond sentimental.
Então ele disse que essa frase do Picasso o opôs a ele para a eternidade.


" Nunca mais quis aceitar a opinião de Picasso a respeito de coisa alguma" .

Marcelo Grassmann


"Que estranho homem será esse que resolve as nossas emoções mais subterrâneas com figuras de pavor, de solidão e tristeza. Que sortilégio especial emana daqueles quadrados escuros saídos da madeira e que nos gritam um apelo tão profundo e dramático, despertando inesperadas ressonâncias? "

Raquel de Queiroz
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"Resolvi trabalhar com Goeldi, um homem que dava liberdade, dizia como fazer, que a gente realizasse aquilo que vinha de dentro, aquilo sim!
Fiz planos para no ano seguinte me matricular em gravura com Goeldi. (...) fui à Escola na Quarta-Feira de Cinzas, para realizar a matrícula. Para minha triste surpresa, d. Alda, funcionária da Escola, me avisou da morte de Goeldi e do seu enterro, naquele dia, às 16 horas.
Fiz um desenho do enterro de Goeldi. Estava chovendo nesse dia e fiz figuras com guarda-chuvas. Sendo assim, fui ser aluna de Adir Botelho. Comecei a gravar, gravar, gravar com toda a vontade. Mas não mostrava tudo o que fazia ao Adir, pois nunca considerava como pronta a minha gravura. Nem sempre eu conseguia o que queria! Gostava tanto da gravura do Goeldi, com aqueles pretos todos! Comecei, então, a sonhar com o Goeldi, que me disse para colocar uma certa gravura no Salão. Não falei nada para o Adir. Fiquei quieta. Assim, com dois meses de aula de gravura, eu já estava no Salão de Arte Moderna. O Adir reclamou de eu não lhe ter mostrado a gravura, mas expliquei o que se passara.
Fiz o curso em três anos e me diplomei. Nessa época, a Laís Aderne, minha irmã, ia para a Europa e me indicou para substituí-la na Escolinha de Arte do Brasil.

Isa Aderne - Sesc Tijuca, 27 de fevereiro de 1986

Quando perdemos um amigo, ficamos mais pobres. Essa verdade sinto hoje com o desaparecimento de Oswaldo Goeldi. Essa pobreza não é só minha, mas também da gravura brasileira que perde nele o seu mais alto expoente. Recordando o amigo, vejo-o na obra que nos deixa e que é uma sincera resposta à vida que o rodeava. O tema constante de sua obra é o homem na sua fadiga de viver. As cenas que lhe serviam de motivo, ele as colheu nos aspectos quotidianos da vida; são gestos simples, gestos que se repetem indefinidamente. Mestre Goeldi, velho artesão, simples de coração e de meios, inscreveu na pele dura da madeira de fio todas as nuanças de seu temperamento de artista dotado, dono de uma visão trágica e silenciosa dos homens e das coisas. Sua obra é amor. Os pequenos lenhos gravados – sempre gravados com a simplicidade do velho artesão – nos revelam o silêncio recolhido do mar, toda aquela imensidão contida.

Nas praias a figura isolada do pescador corta o horizonte tranqüilo do mar. Figura taciturna, paralisada no gesto comum do trabalho comum. No negro profundo das suas estampas, acende-se um grande sol vermelho ou um peixe enorme arqueja aos pés também salgados do pescador. O seu tema constante é o homem, ente humilde dentro de uma paisagem também pobre. Às vezes, ele nos dá o sortilégio dos pátios abandonados e das ruas desertas. Ele ama as ruas solitárias, onde cruzam personagens tão sós que não lhes quebram o silêncio. Outras vezes seus personagens contorcem-se, caricaturais. Eles não brotam da ironia, da mordacidade, mas de um grande amor com qual procura redimi-las. Creio que por isso ele foi o magistral ilustrador de Dostoievski. No aspecto formal de sua xilografia corresponde integralmente ao mundo que expressou. Grandes superfícies planas, raramente coloridas, onde a linha nervosa, incisiva e esquemática, quase bárbara, cria as figuras que pertenceram ao seu mundo próprio. A sua força expressiva está em permanecer autêntico, fiel a si mesmo, indiferente à crítica que largo tempo relegou.

Considero que o estudo a sua obra é da máxima importância. Ela mostra que a singeleza do meio é força. Esta meditação se impõe no momento em que a força expressiva da gravura se dilui no truque que falseia o meio e o fim.

Não pretendo fazer um estudo crítico da obra de Oswaldo Goeldi, quero apenas render minha homenagem ao querido amigo e grande artista que foi e que todos perdemos.

Iberê Camargo

Depoimentos de Oswaldo Goeldi
"Eu moro aqui, ao lado do mar, na baía mais afastada do Rio, 
'Praia de Ipanema-Leblon'. Das poucas casas que de vez em quando 
aparecem neste deserto de areia, pode-se ver quase que só os telhados. 
Ventos fortíssimos, chegando do mar, varrem estes desertos imensos
e vazios, uivando e empurrando com força enormes nuvens de areia.
Rangendo, lanternas dependuradas no alto dos postes são jogadas
para lá e para cá, e os fios da rede elétrica, tensos até arrebentar, 
fazem um ruído ameaçador - o tilintar de vidros quebrados aumenta
assustadoramente esta barulheira diabólica.

As gaivotas lutam, com toda a força de suas asas, 
contra estes ventos ferozes de tempestade 
- apesar do forte bater das asas não conseguem avançar 
nem um centímetro. Pegas pelo vento, numa evolução lateral,
são atiradas como flechas por cima de uma superfície de mar revolto 
- as pontas das asas quase tocando as espumas das ondas.

Um lugar assim, caro Sr. Kubin, certamente iria lhe agradar. 
O mar é tão lindo na luz do sol, tão cristalino, 
que a gente sente o coração mais puro.

O quarto que aluguei tem uma porta e uma janela 
- a largura dele é a largura da casa. À noite, abrindo tudo, 
tenho a sensação de estar deitado debaixo de céu aberto."

Oswaldo Goeldi
Rio, 16 de dezembro de 1930
GOELDI, Oswaldo. Correspondência a Alfred Kubin (Rio, 16 / 12 / 1930). In: RIBEIRO, Noemi Silva (Org.). Oswaldo Goeldi:um auto-retrato. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1995. p.166.

"Os horizontes infinitos que se abriram para mim ao contemplar a abundância dos seus [Kubin] trabalhos - 1930 na minha tão curta visitinha a Wernstein - e as palavras bondosas que o senhor me dirigiu obrigam-me a ser-lhe eternamente grato. O que na ocasião me pareceu novo, nos seus trabalhos, era o comovente - a emoção que transmitem, ao contrário de outras criações, que nos agradam mais pelo seu alcance. Não sei se consegui me fazer entender. Foi uma experiência fortíssima para mim. Alguns dos trabalhos de Munch, e, principalmente, os desenhos de Van Gogh me falam intimamente. Nos trabalhos de Van Gogh sente-se o nervo exposto, dolorido, mas me agradam muito. Porém, ninguém tem como o senhor esta envergadura, esta riqueza; ninguém exprimiu tão fortemente o seu eu mais íntimo - isto eu digo sem entusiasmo cego."

Oswaldo Goeldi
Rio, 8 de maio de 1933
GOELDI, Oswaldo. Correspondência a Alfred Kubin (Rio, 8 / 05 / 1933). In: RIBEIRO, Noemi Silva (Org.). Oswaldo Goeldi:um auto-retrato. Organizacao Sérgio Laks. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1995. p.170.

"Só Deus sabe quantas vezes eu pensei no que será o 'dia-a-dia de Goeldi'. Que me contou do clima, do mato verde, das andanças noturnas, do vaguear diurno, de excitantes verduras e frutas tropicais, etc. Mas, na pequena folha que mostra uma mesinha na beira-mar, o senhor realizou uma coisa até agora nunca vista - está vindo 'aquilo' - a noite profunda - foi 'uma vida realizada'."

Última carta de Alfred Kubin a Oswaldo Goeldi
7 de janeiro de 1951
in Carta de Alfred Kubin a Oswaldo Goeldi, 7. jan.1951. in ZILIO,
Carlos (org.). Oswaldo Goeldi: Rio de Janeiro: Solar Grandjean Montigny, [s.d.]. p.28.

 
Origem: 
Wikipédia, a enciclopédia livre.
http://www.oswaldogoeldi.org.br/ 
 

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