Lugar aos Outros 91
Pacheco Eduardo
Pacheco Eduardo
MÚSICA
Pacheco Eduardo chegou ao Estúdio Raposa por recomendação de um autor que já aqui ouvimos, José António Batista. Não sei se por descuido meu se por esquecimento do Pacheco Eduardo, nunca chegou ao Estúdio Raposa uma nota biográfica. Pelo que, sobre Pacheco Eduardo, nenhuma informação, o que não é caso único. Mas como sempre tenho dito, nada melhor para conhecer um autor, do que ler a sua obra.
À laia de biografia vou ler um texto de Pacheco Eduardo que intitulou 360 graus e que de certa forma podemos considerar com uma nota biográfica.
MÚSICA
Atrevimento para esculpir vocábulos delicados, atrevimento para pintar fábulas vertiginosas calcadas por uma sólida crença de esperar por mim, retalhos que mordem as linhas tortas incertas por verdades que só Deus me pode revelar, ilustrações polvilhadas com pólvora verbal, episódios poéticos ainda que imperfeitos e descartáveis como uma verdade que amanha será outra coisa, fábulas paridas de uma inspiração febril e desobediente, fulgurante e impaciente...
Enquanto espero…
Não me falte nunca atrevimento e ousadia
Não me falte nunca atrevimento e ousadia
para cuspir palavras ásperas e incorrigíveis.
Não me falte nunca um farol
para me manter bem acordado,
bem ancorado na realidade.
Que não me falte nunca um poema
na linha da frente do meu combate.
Que não me falte nunca a tua ausência
nem as partes íntimas
de um pecado qualquer sem piri-piri.
Nunca me faltem as noites
em que empresto bocadinhos de mim
ao exercício maternal de dar à luz
360 graus de silêncio..
Mesmo que um dia
cometam o delito de chegar tarde
ao meu enterro ainda me encontrarão em vida.
Interminavelmente próspero!!
MÚSICA
Pacheco Eduardo
Pacheco Eduardo
não escreve poesia no seu formato habitual.
Porém escreve textos que, para mim,
são gritos de autêntica poesia.
Vamos ouvir um texto que intitula
Vamos ouvir um texto que intitula
“Hipérbole” e onde cabem uma “Nego”,
um “Levem-me”, um “Rápido” e,
finalmente um
“Não nego que me levem...mas…”
MÚSICA
Apaguem as minhas impressões digitais
Apaguem as minhas impressões digitais
no corpo desta idosa meretriz
com a qual entretenho a insónia
nas noites em que nego a aceitação
de mais uma negação.
Arranquem-me das mãos o papel e a caneta
e as emoções e eu calar-me-ei.
Prendam-me a língua
e as cordas vocais e as veias e os lábios
e os dentes para não trincar nem mais uma palavra.
Assaltem-me a inocência.
Prendam-me que não sei o que falo.
Nego...
Nego o teu castelo
com arame farpado à volta das muralhas
para que depois do arrepio
mais ninguém se atreva a te fazer salivar os olhos.
Amarrem-me ao amor
e soltem os vossos beijos
e saltem e sintam como sou frágil
como uma rocha pois cansei-me
de te lançar disparates agora simplesmente
pretendo disparar um beijo à distância
tendo como alvo a tua boca.
Falem-me que não sei
o que prendo no coração que nego.
Levem daqui o papel e a caneta
que eu me calo.
Calem-me as mãos e os dedos
que ainda assim vou gritar
que não quero acabar aqui.
Que não estou fora do prazo de validade
para me amares aqui.
Que aqui o olhar é negro
quando o adeus marca a hora que nego.
Levem-me...
Prendam-me
Prendam-me
que não sei quem me ama.
Beijem-me.
Arranquem-me daqui.
Nego quebrar outra vez o espelho
em estilhaços mil de ternura.
Chorem-me com gargalhadas
de entusiasmo se me quiserem acordar.
Chorem-me às escondidas.
Entre quatro paredes.
Quando mais ninguém existir
ao teu redor além de ti e do teu travesseiro.
Quando não mais precisares de sorrir
apenas para fazer ginástica facial.
Ressuscitem-me.
Não tenho por quem esperar.
Espero por mim.
Ninguém vai bater à porta.
Batam a porta em mim.
Irei abrir mesmo sem nada
para dar em troca ao silêncio.
Deixem-me entrar ao menos para procurar
o juízo que perdi nas reticências
da tua loucura.
Para te salvar dos lapsos da minha memória
e do tal romance que atirámos pela janela
connosco lá dentro trajados de amantes à paisana.
Negro o teu semblante dinamitado
com algodão doce.
As palavras que lanço
no fundo negro desta página.
Nego a lâmpada fundida
das mentiras de ontem visíveis
na verdade de hoje.
Rápido...
Prendam-me
que não sei quem amo. Prendam-me.
Virei a página mas o livro é o mesmo.
Mudei o amor que não o lugar do coração.
Prendam-me cá fora.
Não quero acabar dentro
sem engolir por fora a revelação do que fui.
Tranquiliza-te mesmo que não compreendas
por que razão deixei as minhas impressões
digitais na tua língua.
Ninguém me vai bater à porta.
Ninguém vai perguntar
a data de nascimento da tua solidão.
O número de identificação dos teus sonhos.
A matrícula de teu passado.
O nome completo do teu coração.
O estado civil dos tendões
do teu pensamento.
Ninguém vai.
Enquanto me entreter a fazer festinhas
ao tempo à paulada.
Porque o tempo que engoliste
sem saborear as horas e os minutos
e os segundos mais ninguém vai usá-lo.
Nem para pano de limpar o chão.
Não nego que me levem... Mas...
Prendam-me
que não sei quem me chama.
Amarrem-me ao amor e soltem aplausos.
Soltem cânticos de esperança.
Da maresia das falésias.
Dos murmúrios dos rios.
Do aroma das frutas que desfrutas.
Das florestas e bosques
onde há pássaros soltos em voos
de nunca mais voltar pois há febre
nas palavras mas é liberdade
este amarrar de vida com cordas vocais.
Mesmo que não concordes comigo.
É livre este amar de não saber.
MÚSICA
INDICATIVO
Por motivos insignificantes que não vale a pena referir, o Lugar aos Outros fez gazeta desde que programa foi dedicado ao 3º aniversário de Estúdio Raposa. Hoje, ele regressa com o trabalho de Pacheco Eduardo.
Por motivos insignificantes que não vale a pena referir, o Lugar aos Outros fez gazeta desde que programa foi dedicado ao 3º aniversário de Estúdio Raposa. Hoje, ele regressa com o trabalho de Pacheco Eduardo.
Ouvimos no Lugar aos Outros de hoje, textos de Pacheco Eduardo.
Até ao próximo programa onde vamos escutar trabalhos de Luís Mendes.
Até ao próximo programa onde vamos escutar trabalhos de Luís Mendes.
Fonte
Estúdio Raposa
http://www.truca.pt/raposa_textos/lugar_91_pacheco_eduardo.html
Um comentário:
A gentil resposta do Poeta Angolano em Lisboa - Eduardo Pacheco:
Prezado amigo,
que surpresa boa é essa‼ sinceramente não estava à espera, confesso para mim é um honra saber que pessoas tão inteligentes e com tamanha sensibilidade reconhecem algum valor poético ao que humildemente transporto para o papel.
Perante a tua surpresa só tenho a agradecer-te pela oportunidade!
Que a poesia esteja contigo!
Um forte abraço escrito!
Heduardo Kiesse
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