CAPÍTULO 4
SÃO PAULO 2009
ALBERTO SIUFI JUNIOR
É a grande Katharsis pela arte,
de acordo com o filósofo brasileiro Huberto
Rohden24.
Se o universo (todo) é puro e belo,
como pode o homem (uno)
ser impur ou feio?
“Este aliás, é também o conceito ético de bom ou mau. Bom é aquilo que harmoniza com o Todo; mau é aquilo que desarmoniza. Em inglês, ‘holy’ (santo) é aquilo que esta afinado pelo ‘whole’ (todo, inteiro); em alemão, ‘heilig’ (santo) é aquilo que é ‘heil’ (todo, inteiro).” (Huberto Rohden, 2007, p. 38)
Se Deus é a perfeição, segundo Santo Agostinho, como podemos mesmo sendo sua imagem e semelhança sermos feios, assim como, naturalmente somos? Afinal, não somos o que vestimos. A arte então passa a justificar o que é errado? Pergunta o critico inglês Kenneth Clark25 .
A nudez é vista como imoral pela Biblia Sagrada e mesmo assim dentro de suas igrejas existem obras de arte, sejam em telas ou esculturas que mostram o nu em detalhes. Como é possível? Os olhos que vêem a nudez na arte e a nudez fora dela não são os mesmos? Os moralistas dizem que as sensações são diferentes, contrariando Sigmund Freud, que definia a arte também como uma sublimação da libido sexual do ser humano.
24 ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte – A metafísica da verdade revelada na estética da beleza, São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 37 25 CLARK, Kenneth apud BORTOLONI, Marcelo. Puritanismo envergonhado. Revista Veja. São Paulo, Ano 41, Ed. 2090, Dez. 2008.
Freud diz ainda que a libido a mola real da vida humana e que essa força, quando recalcada, se manifesta como neurose doentia. Quando não canalizada, a libido se transforma em outras formas de atividade, seja a filosofia, a arte, a ciência, a filantropia e até a religião. É o conhecido “pansexualismo” do mestre vienense Freud26 . O substantivo latino “libido” continua Rohden, é derivado do verbo libere, que significa “gozar”, “ter prazer”.
Libido é uma sensação de prazer.
“O gozoso está a serviço do necessário.
O gozoso ou agradável é a última e suprema
garantia do necessário.”
(Huberto Rohden, 2007, p. 76)
Voltamos então ao que citei na primeira parte do trabalho, quando a Dra. Carmita
H.N. Abdo afirma que a nudez é satanizada, combatida e proibida a mesma medida que é consumida.
Miguelangelo – Juizo Final – Museu do Vaticano
E continua: A libido é do anér e da gyné27 , enquanto Eros é do ánthropos, como os gregos apelidaram o ser humano como tal. Sem conotação sexual. O filósofo lamenta que o que nossa linguagem comum chama de “erótico” devia se chamar “libidinoso”.
“Sendo o ser humano, completo,
uma entidade vital-mentalracional,
é certo que Eros inclui a libido; mas esta não inclui aquele.
No mais está o menos,
mas no menos não está o mais,
pelo menos não totalmente.”
(Rohden, 2007, p.77)
Platão28, séculos antes da era cristã, desenvolveu magistralmente este tema do Eros no ánthropos. Rohden mostra que a filosofia da Grécia aparece nas páginas do Genesis de Moisés, assim como no Evangelho do Cristo.
A Tentação, Masolino da Panicale.
Capela Brancacci, Florença
No Genesis a serpente
tirou o homem primitivo do Éden,
ou seja, do subconsciente da natureza
e lançou-o no meio de um mundo cheio de espinhos,
ou seja, na zona do ego consciente,
onde começaram todos os problemas e sofrimentos.
“Até o presente dia se acha o homem
nessa zona da serpente rastejante”.
(Rohden, 2007, p.78)
E Rohden vai além quando fala que Moisés insinua uma futura verticalização do ego horizontal, quando afirma que um poder maior nascerá dentro do homem e “esmagara a cabeça da serpente”29, ou seja, o homem-Eu superará o homem-ego. Lembrando muito outros filósofos como Schopenhauer30 quando afirma que a mola
27 Palavras gregas para macho e fêmea. 28 Platão apud ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte – A metafísica da verdade revelada na estética da beleza, São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 75 29 Moisés apud ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte – A metafísica da verdade revelada na estética da beleza, São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 79 30 Schopenhauer apud ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte – A metafísica da verdade revelada na estética da beleza, São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 79
mestra do homem é viver em seu “A vontade de viver” e a psicologia de Alfred Adler31, discípulo de Freud, quando afirma que o homem não está contente com um simples viver horizontal (Se inspirando claramente em Nietzsche).
É preciso que nos libertemos de padrões estabelecidos e nisso a arte é a grande responsável pela aceitação do que era antes chamado de imoral. É a Katharsis purificadora de nossos tempos. É ainda, segundo Rohden o homem esmagando a cabeça da serpente.
31 ADLER, Alfred apud ROHDEN, Huberto. Filosofia da Arte – A metafísica da verdade revelada na estética da beleza, São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 79
CONCLUSÃO
Sempre que falarmos em nudez, temos que ter a consciência que estamos pisando num campo perigoso, onde ninguém fica sem dar opinião. É um assunto que mexe com todos. É um tema que até para um trabalho de conclusão em um curso de filosofia acaba gerando certa polêmica. Há quem diga, inclusive, que o assunto não é filosófico.
A revista VEJA abordou este tema na edição de 10 de dezembro de 2008 e mostrou que mesmo hoje e no meio artístico, que é tido como liberal, ainda existe muita discussão em torno deste tema. A revista o intitulou como: “Puritanismo envergonhado”32 . O ator Pedro Cardoso chama de “pornografia disfarçada” a nudez, que em sua análise é forçada, vendida como um produto (indispensável) da mídia. O autor da reportagem, Marcelo Bortolini, faz algumas indagações:
Quando a nudez é aceitável?
Quando é ofensiva?
E quem decide isto?
São perguntas difíceis de serem respondidas. Aristóteles simplifica dizendo que “é nos olhos que vive o pudor”. Percebemos que a noção de certo e errado está dentro de nós, arraigada. Temos já definidas o que Nietzsche afirma ser sua principal preocupação (Zaratustra), nossas virtudes. Quem nos libertará de nossas virtudes? Pergunta o filósofo33 . Se formos analisar a televisão, perceberemos que é uma mídia “viva”, rápida, onde a principal função é entreter. Quem faz esta mídia já aprendeu o que procuramos
32 BORTOLONI, Marcelo. Puritanismo envergonhado. Revista Veja. São Paulo, Ano 41, Ed. 2090, Dez. 2008. 33
“Detesto os vossos vícios
e mais ainda vossas virtudes,
pois dos vícios você se liberará um dia”
falou Zaratustra.
como entretenimento. E a nudez, sem dúvida, é uma de nossas necessidades. Exatamente aquilo que escondemos e repudiamos. A nudez está sendo usada como forma de protesto ou de propaganda. Temos calendários de vovozinhas nuas com a renda para a pesquisa de leucemia, tiram a roupa em campanha pelo vegetarianismo ou contra o aquecimento global.
Esta cada vez mais comum ver o nu.
E a grande responsável por esta mudança de paradigma é a arte que aos poucos, com seus gênios renascentistas, pularam os muros das igrejas e se propagaram pelo mundo. Precisamos esquecer o caráter erótico da nudez, relembrar que somos esta carne que está à mostra. A outra opção é a censura. Alguém que decidiria o que devemos ver.
Um poder como o da igreja, que por muito tempo, nos dita, em nome de Deus o que é certo e errado. Nosso corpo, ao contrário do que nos foi ensinado, não é o instrumento do pecado. Temos que enxergar a nudez desvinculada do sexo.
Desta maneira, quando precisarmos estar em uma UTI, não nos preocuparmos por estarmos “naturalmente” nus.
*
Fonte:
CONSCIÊNCIA:.ORG
http://www.consciencia.org/nudez-e-vergonha
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