Artista plastica Beatriz Milhazes
Beatriz Milhazes volta a ser
a artista plástica brasileira mais valorizada
- Apesar de ter uma pintura vendida por US$ 2,1 milhões num leilão em NY, semana passada, ela gosta mesmo é de ‘ser tia’ e colecionar papéis de bala
RIO - Em pé ao lado do jardim de inverno, Beatriz Milhazes toma uma
xícara de café ao som de Vanessa da Mata. A dez passos dali, Marcos
Serrano, assistente dela desde 1994, está sentado com o corpo curvado
sobre um dos projetos da artista. Ele usa um pincel fino e tons de ouro
para pintar formas curvilíneas. No mural acima da cabeça dele, estão
incontáveis convites de exposições que Beatriz recebe e uma réplica do
cartaz de Shepard Fairey com a imagem de Barack Obama e a palavra “hope”
(esperança).
Ela comprou a casa, no número 15 de uma rua charmosa no Horto, em 2005. É a segunda propriedade dela naquela rua — a primeira, de número 5, Beatriz arrematou no final dos anos 1980, quando acabara de concluir o curso de pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Tudo quando o bairro ainda era “nada”, e ela não conhecia Marcantonio Vilaça, o marchand que a inseriu no mercado internacional, na década de 1990, e que, reza a lenda, teria orientado a artista para que mantivesse uma produção tímida em termos de quantidade (este ano, por exemplo, ela trabalhou em apenas cinco pinturas).
Verdade ou lenda de mercado, a produção contida surtiu efeito entre os consumidores de arte. Na semana passada, aos 30 anos de carreira e 52 de idade, ela obteve pela segunda vez o título de artista brasileira viva mais cara da História, quando a tela “Meu limão”, de 2000, foi arrematada em Nova York por US$ 2,1 milhões (mais de R$ 4 milhões). Superou o recorde anterior, da também carioca Adriana Varejão, que em 2010 viu sua “Parede com incisões à Fontana II” ser vendida por US$ 1,52 milhão. Adriana, por sua vez, ultrapassara então outro recorde, de 2008, de Beatriz (sua tela “O mágico”, de 2001, fora arrematada por US$ 1,05 milhão naquele ano). Ela mesma não acha os valores altos demais?
— Esse é o preço. Em termos internacionais, não é caro. O inglês Peter Doig vende esse valor logo no mercado primário (vendas diretas do ateliê do artista ao primeiro comprador). Ele é da mesma geração que eu, temos carreiras muito similares. Com a diferença de que ele é inglês, homem, e eu sou mulher e latino-americana — defende.
Revezamento com Adriana Varejão
Soma-se ao recorde da semana passada o fato de Beatriz ter vendido neste ano, ao todo, cinco telas com valores acima de US$ 1 milhão. A badalada editora Taschen prepara um extenso livro sobre sua obra para 2013. Também no ano que vem, ela voltará a expor no Rio depois de dez anos de intervalo: fará uma retrospectiva no Paço Imperial em agosto. Em novembro, o foco será sua galeria em São Paulo, a Fortes Vilaça. Lá, segundo a galerista Márcia Fortes, há cem colecionadores na fila para comprar cinco ou seis telas de Beatriz.
— Minha produção é pequena e vai continuar sendo — afirma a artista, para em seguida defender que não se trata de estratégia de mercado. — Não tenho uma média de produção por ano. Isso é uma coisa que saiu não sei de onde. Primeiro, porque eu não faço só pintura, faço colagem. Em 2009, por exemplo, não produzi nenhuma pintura. Em 2011, só comecei pinturas que vou terminar agora, neste ano. Não adianta, meu ritmo de produção é o de sempre. O que aumentou foram os interessados. Isso é o que faz a diferença, o que cria expectativa nos compradores.
O crítico Frederico Morais, que conhece a artista desde criança (ele deu aula de História da Arte para a mãe de Beatriz, professora da Uerj) e acompanhou sua trajetória no Parque Lage, diz que ela está “gozando do sucesso comercial” e que sua obra é “coerente nos desdobramentos e no processo”, usando de “elementos decorativos no sentido formal e preciso”.
Entre os mecanismos estão os leilões internacionais. Eles funcionam como uma espécie de passarela da moda no mundo da arte. A compra milionária acaba por legitimar e valorizar um artista. Não é à toa que Beatriz e Adriana Varejão se revezam no ranking dos brasileiros contemporâneos mais caros. Outros artistas da mesma Geração 80, embora tenham prestígio, estão distante das cifras astronômicas. Ernesto Neto, por exemplo, teve uma instalação vendida por US$ 24 mil em leilão no mês passado, na Christie’s. Já uma pintura de Daniel Senise, outro consagrado nome da Geração 80, saiu por US$ 20 mil na última quarta-feira, em outro leilão da mesma casa, em Nova York.
— As pessoas acham que tudo aconteceu do nada. Mas já havia expectativa de que trabalhos meus alcançariam preços altos, porque há muito tempo eu já vinha conseguindo bons valores nos leilões de arte latino-americana — diz Beatriz, que, agora, não recebeu seu percentual da venda milionária de “Meu limão”. — Só recebo pelas vendas feitas em Londres, e o percentual é quase fixo, de 1% do valor da venda quando ela ultrapassa US$ 1 milhão.
Sendo assim, neste ano, Beatriz recebeu cerca de US$ 24 mil pelas vendas de “Madame Caduvel” (1996) e “A dança dos reis” (1998), em Londres. No Brasil, a venda de “O desfile” (2003-2004) por R$ 2,140 milhões, em outubro passado, no leilão que Soraia Cals fez das obras da marchande Anna Maria Niemeyer, não lhe rendeu um tostão. Em leilões brasileiros, a obra mais barata de Beatriz neste ano saiu por US$ 189 mil, na Bolsa de Arte, em abril.
Os compradores são, na maioria, estrangeiros, como o alemão Benedikt Taschen, dono da Taschen. No Brasil, há os empresários Alfredo Setúbal, Julio Bozano, Ricardo Steinbruch, Mara e Marcio Fainziliber, entre outros.
Em Beatriz, há poucos reflexos dos milhões. Se a poderosa diretora da Christie’s Amy Cappellazzo visse a artista em seu ateliê quando recebeu o GLOBO na última quarta-feira — calça bege, camisa do mesmo tom com flores em marrom, sandália rasteirinha com fivela dourada, escapulário no pescoço, o rádio ligado e o cabelo preso com uma piranha de plástico — talvez revisse a palavra “superstar” que colou ao nome dela quando, a um dia do leilão em que quebrou recorde, a artista ganhou longo perfil no site especializado “Artinfo”.
— Adoro ser tia. Por que é que todo mundo tem que ter filho? — pergunta ela, que se vale da alegria descompromissada de ter um sobrinho, Tomás, 12 anos, filho de sua única irmã, a coreógrafa Márcia Milhazes. — Hoje em dia até tenho vontade de ser dona de casa, mas fico feliz porque sou uma pessoa que pode ser sozinha. O ser humano é só, afinal. Mas penso em me casar de novo (Beatriz foi casada com o artista Chico Cunha durante dez anos), não fechei essa porta.
Programa de Milhazes
Ela passa em média quatro meses por ano fora do país. Costuma ficar em Paris (a cidade é bem localizada com relação às galerias europeias que a representam, uma em Londres, a outra em Berlim). Mas ela quase não produz fora do ateliê do Horto, exceto quando vai à Pensilvânia, nos EUA, para fazer gravuras no estúdio da Durham Press. Diz que precisa do Brasil e da natureza do Rio para pintar com as cores que o curador Adriano Pedrosa já definiu como “alegres e jubilosas”. Críticos à sua obra apontam que suas criações são repetitivas: a técnica da colagem é usada para criar mandalas hipercoloridas, que reforçam um estereótipo de “brasilidade” em telas muito parecidas. Ela discorda:
— Meu trabalho mudou muito e vem mudando mais ainda. Para ver, você precisa prestar muita atenção. De 2006 para cá, tem uma evolução mais clara. A questão do uso da cor é infinita. Posso trabalhar com cor a vida inteira, como fez Matisse, e nunca esgotar isso.
Recentemente, ela comprou livros sobre arte cinética em Buenos Aires. Já é possível ver em obras da artista referências mais claras ao movimento. Além dos livros de arte, ela prefere os de não ficção (“Gosto de ler sobre comida, por exemplo”, diz). O apartamento onde mora, no Leblon, tem obras de Angelo Venosa, Daniel Senise, Adriana Varejão e Cristina Canale. Mas coleção mesmo ela só tem uma: de papéis de bala.
Ela comprou a casa, no número 15 de uma rua charmosa no Horto, em 2005. É a segunda propriedade dela naquela rua — a primeira, de número 5, Beatriz arrematou no final dos anos 1980, quando acabara de concluir o curso de pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Tudo quando o bairro ainda era “nada”, e ela não conhecia Marcantonio Vilaça, o marchand que a inseriu no mercado internacional, na década de 1990, e que, reza a lenda, teria orientado a artista para que mantivesse uma produção tímida em termos de quantidade (este ano, por exemplo, ela trabalhou em apenas cinco pinturas).
Assim,
Beatriz
faria uso da boa e velha lei da oferta e da procura
— com
poucas obras, mantém uma fila
de colecionadores à espera de uma tela
sua.
Verdade ou lenda de mercado, a produção contida surtiu efeito entre os consumidores de arte. Na semana passada, aos 30 anos de carreira e 52 de idade, ela obteve pela segunda vez o título de artista brasileira viva mais cara da História, quando a tela “Meu limão”, de 2000, foi arrematada em Nova York por US$ 2,1 milhões (mais de R$ 4 milhões). Superou o recorde anterior, da também carioca Adriana Varejão, que em 2010 viu sua “Parede com incisões à Fontana II” ser vendida por US$ 1,52 milhão. Adriana, por sua vez, ultrapassara então outro recorde, de 2008, de Beatriz (sua tela “O mágico”, de 2001, fora arrematada por US$ 1,05 milhão naquele ano). Ela mesma não acha os valores altos demais?
— Esse é o preço. Em termos internacionais, não é caro. O inglês Peter Doig vende esse valor logo no mercado primário (vendas diretas do ateliê do artista ao primeiro comprador). Ele é da mesma geração que eu, temos carreiras muito similares. Com a diferença de que ele é inglês, homem, e eu sou mulher e latino-americana — defende.
Revezamento com Adriana Varejão
Soma-se ao recorde da semana passada o fato de Beatriz ter vendido neste ano, ao todo, cinco telas com valores acima de US$ 1 milhão. A badalada editora Taschen prepara um extenso livro sobre sua obra para 2013. Também no ano que vem, ela voltará a expor no Rio depois de dez anos de intervalo: fará uma retrospectiva no Paço Imperial em agosto. Em novembro, o foco será sua galeria em São Paulo, a Fortes Vilaça. Lá, segundo a galerista Márcia Fortes, há cem colecionadores na fila para comprar cinco ou seis telas de Beatriz.
— Minha produção é pequena e vai continuar sendo — afirma a artista, para em seguida defender que não se trata de estratégia de mercado. — Não tenho uma média de produção por ano. Isso é uma coisa que saiu não sei de onde. Primeiro, porque eu não faço só pintura, faço colagem. Em 2009, por exemplo, não produzi nenhuma pintura. Em 2011, só comecei pinturas que vou terminar agora, neste ano. Não adianta, meu ritmo de produção é o de sempre. O que aumentou foram os interessados. Isso é o que faz a diferença, o que cria expectativa nos compradores.
O crítico Frederico Morais, que conhece a artista desde criança (ele deu aula de História da Arte para a mãe de Beatriz, professora da Uerj) e acompanhou sua trajetória no Parque Lage, diz que ela está “gozando do sucesso comercial” e que sua obra é “coerente nos desdobramentos e no processo”, usando de “elementos decorativos no sentido formal e preciso”.
— Agora: o mercado é
outra questão.
Nem sempre a qualidade de uma obra
tem valorização igual
no mercado.
Há outros mecanismos que interferem
— diz o crítico.
Entre os mecanismos estão os leilões internacionais. Eles funcionam como uma espécie de passarela da moda no mundo da arte. A compra milionária acaba por legitimar e valorizar um artista. Não é à toa que Beatriz e Adriana Varejão se revezam no ranking dos brasileiros contemporâneos mais caros. Outros artistas da mesma Geração 80, embora tenham prestígio, estão distante das cifras astronômicas. Ernesto Neto, por exemplo, teve uma instalação vendida por US$ 24 mil em leilão no mês passado, na Christie’s. Já uma pintura de Daniel Senise, outro consagrado nome da Geração 80, saiu por US$ 20 mil na última quarta-feira, em outro leilão da mesma casa, em Nova York.
— As pessoas acham que tudo aconteceu do nada. Mas já havia expectativa de que trabalhos meus alcançariam preços altos, porque há muito tempo eu já vinha conseguindo bons valores nos leilões de arte latino-americana — diz Beatriz, que, agora, não recebeu seu percentual da venda milionária de “Meu limão”. — Só recebo pelas vendas feitas em Londres, e o percentual é quase fixo, de 1% do valor da venda quando ela ultrapassa US$ 1 milhão.
Sendo assim, neste ano, Beatriz recebeu cerca de US$ 24 mil pelas vendas de “Madame Caduvel” (1996) e “A dança dos reis” (1998), em Londres. No Brasil, a venda de “O desfile” (2003-2004) por R$ 2,140 milhões, em outubro passado, no leilão que Soraia Cals fez das obras da marchande Anna Maria Niemeyer, não lhe rendeu um tostão. Em leilões brasileiros, a obra mais barata de Beatriz neste ano saiu por US$ 189 mil, na Bolsa de Arte, em abril.
Os compradores são, na maioria, estrangeiros, como o alemão Benedikt Taschen, dono da Taschen. No Brasil, há os empresários Alfredo Setúbal, Julio Bozano, Ricardo Steinbruch, Mara e Marcio Fainziliber, entre outros.
Em Beatriz, há poucos reflexos dos milhões. Se a poderosa diretora da Christie’s Amy Cappellazzo visse a artista em seu ateliê quando recebeu o GLOBO na última quarta-feira — calça bege, camisa do mesmo tom com flores em marrom, sandália rasteirinha com fivela dourada, escapulário no pescoço, o rádio ligado e o cabelo preso com uma piranha de plástico — talvez revisse a palavra “superstar” que colou ao nome dela quando, a um dia do leilão em que quebrou recorde, a artista ganhou longo perfil no site especializado “Artinfo”.
— Adoro ser tia. Por que é que todo mundo tem que ter filho? — pergunta ela, que se vale da alegria descompromissada de ter um sobrinho, Tomás, 12 anos, filho de sua única irmã, a coreógrafa Márcia Milhazes. — Hoje em dia até tenho vontade de ser dona de casa, mas fico feliz porque sou uma pessoa que pode ser sozinha. O ser humano é só, afinal. Mas penso em me casar de novo (Beatriz foi casada com o artista Chico Cunha durante dez anos), não fechei essa porta.
Programa de Milhazes
Ela passa em média quatro meses por ano fora do país. Costuma ficar em Paris (a cidade é bem localizada com relação às galerias europeias que a representam, uma em Londres, a outra em Berlim). Mas ela quase não produz fora do ateliê do Horto, exceto quando vai à Pensilvânia, nos EUA, para fazer gravuras no estúdio da Durham Press. Diz que precisa do Brasil e da natureza do Rio para pintar com as cores que o curador Adriano Pedrosa já definiu como “alegres e jubilosas”. Críticos à sua obra apontam que suas criações são repetitivas: a técnica da colagem é usada para criar mandalas hipercoloridas, que reforçam um estereótipo de “brasilidade” em telas muito parecidas. Ela discorda:
— Meu trabalho mudou muito e vem mudando mais ainda. Para ver, você precisa prestar muita atenção. De 2006 para cá, tem uma evolução mais clara. A questão do uso da cor é infinita. Posso trabalhar com cor a vida inteira, como fez Matisse, e nunca esgotar isso.
Recentemente, ela comprou livros sobre arte cinética em Buenos Aires. Já é possível ver em obras da artista referências mais claras ao movimento. Além dos livros de arte, ela prefere os de não ficção (“Gosto de ler sobre comida, por exemplo”, diz). O apartamento onde mora, no Leblon, tem obras de Angelo Venosa, Daniel Senise, Adriana Varejão e Cristina Canale. Mas coleção mesmo ela só tem uma: de papéis de bala.
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