quarta-feira, 28 de setembro de 2011

RUI CHAFES - EXPOSIÇÃO EM LISBOA - Setembro 2011




Exposição


Rui Chafes: 
Inferno (A minha fraqueza é muito forte)


A Galeria João Esteves de Oliveira, em Lisboa, inaugura esta quinta-feira, pelas 19h00, a exposição “Inferno (A minha fraqueza é muito forte)”, trabalhos sobre papel do escultor Rui Chafes. 

«Avesso a modas, 
criando a sua obra ancorado plástica 
e conceptualmente no gótico tardio
e no romantismo alemão, 
Rui Chafes é um artista peculiar.

É visto, consensualmente, como um dos maiores entre os contemporâneos portugueses», refere a nota de imprensa da galeria.

Os desenhos de Rui Chafes podem ser apreciados até 17 de novembro na Rua Ivens, 38, ao Chiado, no seguinte horário: segunda-feira, das 15h00 às 19h30; terça-feira a sábado: das 11h00 às 19h30 (ao sábado encerra das 13h30 às 15h00).

Do texto do catálogo, 
assinado por Paulo Pires do Vale:

«O que fere aquele que desenha?

O livro do Eclesiastes,
na sua sabedoria prática, afirma: 

“Quem cava um buraco, nele cairá. 
Quem escava um muro, uma cobra o morderá. 
O que transporta pedras, aleija-se nelas. 
O que racha lenha, fere-se nas lascas” 
(Ecl 10, 9). 

Aquele que desenha 
também não pode deixar de se ferir 
com o que trabalha: a sua própria ferida.

O que assalta aquele que desenha,
o objeto que se transforma em arma 
virada contra si, é o si-mesmo. 
Não o eu (ego), mas um si (ipse) por vir. 
E isso há de feri-lo até que venha. 

O artista aleija-se nessa violência 
que é a origem da obra - e que lhe é íntima,
transporta-a em si.
Em vez de esconder essa violência, usa-a. 

Mesmo que não a exponha. 
Ele sabe dar um bom uso à morte (1).
E nisso há uma dimensão profética. 

Aquilo que outros não querem ver,
ele não pode recusar. 
Afinal, aquilo onde cada um de nós 
se pode ferir é sempre na própria ferida.

Flor que nunca fecha.
No seu modo próprio e radical 
de abertura ao mundo. 

Esta ferida, como a metáfora indica, não é fechamento solipsista, mas abertura que conduz ao exterior, para fora de si - “talvez para fora de tudo”, julgava Blanchot (2). 

Essa forma de êxtase 
é modo de tocar o caos, 
a obscuridade, a violência, a noite. 

O artista tem de perder a luta contra o anjo,
tem de sentir o nada (3), para que, então, 
a sua fraqueza seja muito forte.
Para que possa vencer. 

O artista tem de assumir e alimentar a sua vulnerabilidade, ser capaz de se ferir, de se abrir: como dar atenção de outro modo? É dessa fraqueza que receberá a força. 

A fragilidade é a sua verdade – e por isso é a única força que o pode libertar. Simone Weil dizia que “quando um aprendiz se fere ou se queixa de cansaço, os operários, os camponeses, têm estas belas palavras:

“É o ofício que entra no corpo”. 
De cada vez que suportamos uma dor, 
podemos dizer-nos, com verdade, 
que é o universo, a ordem do mundo, 
a beleza do mundo, a obediência da criação a Deus 
que nos entram no corpo” (4).

A fragilidade é o nosso modo 
de abertura à verdade do mundo.

As feridas são um dom. 
É delas que surge a obra, porque é delas 
que se alimenta o artista. 
Desse perigo, que é também oportunidade
de se elevar do mais baixo para o mais alto.

O que faz o artista 
senão procurar no débil e fragmentário
a força do máximo? 

Nos seus gestos e obras 
não quer acrescentar mais objetos ao mundo, 
mas abrir nele fissuras.

A arte surge então como objeto sub specie aeternitatis (Wittgenstein). Essa sombra da eternidade sobre o tempo, permitirá o olhar do estrangeiro. A estranheza necessária à revolução. Coloca-nos no deserto, faz-nos atravessar as chamas. 

O que faz o artista
senão oferecer uma nova forma 
de presença do mundo? 
Uma vertigem inesperada.

Nesta ontologia quebrada, sustento frágil, quer do homem, quer das suas obras, que poder tem o desenho? 


O “pequeno intervalo” que é a vida de cada um, encontra um eco estranho nesse “pequeno intervalo” que é a obra de arte no mundo. 

O que a distingue das outras coisas é o estremecimento que pode causar por ser excecional. É o seu caráter de exceção (5), de estrangeira ao mundo mortal, que obriga a projetar um olhar novo sobre todos os outros intervalos. É a exceção injustificada que, no abalo que cria, justifica a regra, o geral, o mundo, a repetição mortal. Como poderia ser exceção se não assegurasse o geral? Mas fá-lo em luta. 

A exceção examina e interroga o geral, ao mesmo tempo que se pensa a si própria , mas o geral, o mundo, não quer ser posto em causa. Por isso, como as exceções, a obra tem de fracassar. Não seria uma exceção se não falhasse. 

Não salvará o mundo, 
mas pode mostrar-lhe o que ele é. 

Há na obra de arte a potência
de um inferno incendiário: 
o poder destruidor do fogo 
e dos líquidos corrosivos. 

É essa inquietação corrosiva que devemos esperar deste Desenho. Ele deita fogo ao que somos. É o ordálio que nos põe à prova. E aquele que atravessar este deserto com chuva de fogo sem se magoar, não está já vivo. 

É preciso amar o deserto,
a ausência, a ferida, 
para manter o amor à vida. 

Cuidar da escuridão,
para poder ver os mais brilhantes clarões. 
As altas estrelas, desejadas por Dante, 
só se veem de noite. 

O sofrimento aparece ao lado da beleza. 

Ele é o intensificador, que predispõe a olhar a vida com outros olhos. E por isso alegra-se e rejubila, como Constantin Constantius, pseudónimo de Kierkegaard: 

“viva o movimento das vagas
que me atiram no abismo, 
viva o movimento das vagas 
que me projetam até às estrelas!”

Quando olhamos para este Desenho de Rui Chafes, encontramo-nos a nós próprios, como estranhos, no inferno. E espantados, nesse estremecimento, sem armadura que nos proteja das feridas, chamamos por nós, como Dante ao ver incrédulo o filósofo e mestre amado que lhe ensinou “como o homem se eterna” : 

“Vós aqui, Senhor Brunneto?”» .

(1) A morte, como ensinou Weil, “é o que de mais precioso foi dado ao homem. É por isso que a impiedade suprema é usa-la mal.” (Weil, La pesanteur..., p.101).




 
Li

Fonte:
Portal da Cultura
http://www.snpcultura.org/rui_chafes_inferno_a_minha_fraqueza_e_muito_forte.html
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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