Artistas Plásticos do Brasil- Aguilar -12min
Cores do Brasil - Convite 4min.
Expedição Sul 27 - Brasificação do Mundo - 25min.
Galeria de Arte Celma Albuquerque
O marchand, o artista e o mercado, por Celso Fioravante
Publicado no catálogo da mostra "Arco
das Rosas - O Marchand como Curador", na Casa das Rosas (São Paulo), em
março de 2001, mostra concebida e realizada por José Roberto Aguilar.
O papel do marchand na criação e na sedimentação do mercado
brasileiro de arte tem sido encarado como um assunto pouco nobre para
ser tratado em livros, teses ou catálogos. Essa injustiça está sendo
corrigida agora pela Casa das Rosas, que organiza a exposição “Arco das
Rosas: O Marchand como Curador”, concebida pelo artista plástico José Roberto Aguilar, diretor da instituição.
Presente no mercado desde o ínício dos anos 60 (sua primeira individual foi em 1964, na Galeria São Luís), Aguilar conhece a importância do marchand. Sabe que ele não é apenas um intermediário entre o artista e o comprador, mas sim um sujeito visionário que se coloca à frente do mercado.
O marchand, no entanto, tem sido visto como um ser intruso, uma “persona non grata” que macula a aura do objeto artístico ao abordá-lo como um bem de consumo, suscetível às regras mais básicas de mercado, como a lei da oferta e da procura.
Trata-se de uma visão limitada, que se pauta por preconceitos. Ela enxerga o marchand como um pária do circuito de arte e se nega a vê-lo também como o primeiro investidor, aquele que acompanha o olhar do artista e, assim como ele, geralmente está adiante de seu tempo.
Alguns reconhecimentos ao trabalho individual de marchands e galeristas vêm sendo feitos no Brasil nos últimos 15 anos. Em 1988, por ocasião do encerramento das atividades da Petite Galerie, o marchand Franco Terranova foi homenageado com uma grande mostra no Paço Imperial, no Rio.
Em 1994, por ocasião de seus 20 anos de atividade, a Galeria Luisa Strina ganhou uma mostra comemorativa no Masp. Em texto presente no catálogo, o curador Agnaldo Farias abordou a necessidade de valorização do trabalho dos marchands.
“Essa exposição tem como significado adicional o fato de ser um reconhecimento inédito feito a uma galeria comercial. A rigor ela merece ser interpretada como um marco nas relações entre marchands e museus. Uma prova de maturidade de um segmento que até bem pouco tempo enxergava em todos aqueles que se ocupam da comercialização de arte legítimos filisteus da cultura”, escreveu Agnaldo Farias.(1)
No ano seguinte, foi a vez da Casa Triângulo ter seus sete anos de atividades homenageados com mostra na Faap, intitulada “Amanhã, Hoje”. Sobre a exposição, o crítico Tadeu Chiarelli escreveu: “Vários bolsões artístico-culturais ainda torcem o nariz frente à importância crescente que, de uns tempos para cá, o mercado de arte vem assumindo no circuito. Sentem-se ameaçados pela suposta influência dos ‘vendilhões’ e desejariam expulsá-los, impedi-los, _se pudessem_, de permanecerem nos ‘templos sagrados da arte’... A hipocrisia ou ignorância desses setores não deixa vir à tona um fato fundamental: a profissionalização de qualquer circuito de arte passa necessariamente pelo mercado. Apenas o amadorismo pode prescindir dele”.(2)
As declarações de Agnaldo Farias e Tadeu Chiarelli ratificam a importância do galerista no mercado de arte, que só se configura a partir do esforço conjunto de artistas, marchands, curadores, diretores de museus, críticos, editores e colecionadores, além de instituições e políticas culturais.
Construído a partir de depoimentos de seus protagonistas e do reduzido material bibliográfico disponível sobre o tema, este painel histórico do mercado de arte no país pretende abrir caminhos para discussões e fazer justiça ao importante papel que iniciativas individuais representaram para a formação do mercado brasileiro de arte contemporânea.
A arte chega ao Brasil
O cenário das artes plásticas no Brasil só começou a se configurar no país a partir do século 19, com o surgimento de academias, museus, salões e o ensino institucionalizado de artes, aproximando assim o país dos padrões culturais europeus, principalmente franceses. (3)
Em 1808, a chegada da família real ao Brasil introduziu no país um sistema capitalista moderno, que proporcionou condições para o aumento de demanda no campo das artes. Surgiu assim a necessidade do ensino de técnicas para aprimoramento da produção artística.
A institucionalização do ensino das artes no Brasil deu-se, a partir de 1816, com a chegada da Missão Artística Francesa, a convite de D. João VI, tendo como principais membros Debret, Taunay e Lebreton.
Documentos de época, no entanto, identificam a existência do primeiro exemplar da categoria “artista” em meados de 1630, quando se fixou no Rio de Janeiro o primeiro pintor brasileiro nato: frei Agostinho de Jesus.
Dez anos depois da chegada dos artistas franceses, em 1826, foi fundada no Rio a Academia Imperial de Belas-Artes (Escola Nacional de Belas-Artes, a partir de 1890). A implantação da Academia marcou o início do ensino de artes no país(4), embora, também nesse caso, tenha-se notícias anteriores de ensino das artes, mais precisamente em 1800, quando, por carta régia, Manuel Dias de Oliveira foi nomeado professor de desenho e figura humana no Rio de Janeiro.
O primeiro salão de artes plásticas realizado no Brasil, pela Academia Imperial de Belas Artes, data de 1829, sendo aberto apenas a alunos e professores da Academia. Em 1840, o salão aceitou também não-alunos. O gosto dos habitantes locais pelas artes plásticas também se disseminou. Em 1879, a Exposição Geral de Belas Artes, no Rio de Janeiro, recebeu cerca de 30 mil visitantes.
O interesse pela produção artística e o sucesso das exposições criou a necessidade de uma comercialização mais eficaz dessa produção nativa. Surgiram então os primeiros negócios para a venda de quadros e antiguidades.
Uma das primeiras galerias de que se tem notícia é a Jorge, na rua do Rosário, no Rio de Janeiro. Fundada em 1907, por Jorge de Souza Freitas, a galeria logo se tornou um ponto de encontro da cidade, frequentado por artistas e intelectuais.
Seu sucesso comercial é notório. Em 1917, instituiu um prêmio a ser outorgado nos salões da Escola Nacional de Belas Artes. Também abriu filiais no Rio e em São Paulo.
O volume “Galeria Histórica dos Pintores no Brasil”, editado em 1914 por Laudelino Freire, traz uma página inteira de propaganda desta galeria, que oferecia, então, “quadros a óleo de grandes autores nacionais e estrangeiros”. (5)
A Galeria Jorge atuou até meados dos anos 40.
No início do século, São Paulo ainda não acompanhava os passos do Rio de Janeiro. Em 1910, a cidade não passava de uma província bastante atrasada culturalmente, com uma população de cerca de 240 mil habitantes. O fluxo crescente de imigrantes fez com que ela rapidamente ganhasse ares cosmopolitas e tivesse um aumento substancial em seu contingente. Em 1920, São Paulo contabilizava 500 mil habitantes.
A inauguração do Teatro Municipal, em 1911, com projeto do arquiteto Ramos de Azevedo, foi um marco no desenvolvimento cultural da cidade, que, naquele mesmo ano, realizou o 1º Salão de Belas-Artes, semelhante ao do Rio de Janeiro.
As mostras privadas de arte também se sucediam com alguma regularidade, geralmente em espaços improvisados no centro da cidade, muitas vezes alugados pelos próprios expositores.(6)
Este é o caso de Lasar Segall (1891-1957), que, em março de 1913, vindo da Alemanha, expôs pela primeira vez no Brasil em espaço alugado no centro de São Paulo. Em julho, realizou outra mostra, no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. No final do mesmo ano, retornou a Dresden, deixando para trás algumas obras vendidas ou como presente para amigos e familiares.
No Rio de Janeiro dos anos 20 as artes plásticas possuíam um espaço de exposições alternativo, mas bastante eficaz: os salões do Palace Hotel, local que abrigou mostras de Portinari, Ismael Nery, Guignard, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall e outros.
Também as livrarias logo perceberam o potencial das artes e passaram a dividir seus espaços entre a comercialização dos livros e da produção artística, desempenhando assim um importante papel no desenvolvimento do gosto e da cultura estética do país, principalmente na provinciana São Paulo.
O artista pernambucano Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), por exemplo, realizou, em maio de 1920, uma mostra na livraria Moderna, de Jacinto Silva, à rua 15 de Novembro, em que apresentava 43 aquarelas e desenhos de temática indígena. No ano seguinte, foi a vez de Di Cavalcanti expor ali seus trabalhos. (7)
O Palácio das Indústrias, atual sede da Prefeitura de São Paulo, também abrigou exposições. Foi em uma coletiva no local, em 1925, que o pintor Volpi (1896-1988) vendeu seu primeiro trabalho: o retrato “Minha Irmã Costurando” (hoje na coleção de Rodolpho Ortenbrad Filho).
Nos anos 30, em São Paulo, já era grande a movimentação artística, graças às iniciativas da burguesia emergente e de artistas emergentes, que passaram a se reunir em agremiações, como a Sociedade Pró-Arte Moderna (Spam), o Clube dos Artistas Modernos, a Família Artística Paulista, o Grupo Santa Helena (formado basicamente por imigrantes italianos) e o Grupo Seibi-Kai (de imigrantes japoneses). Esses grupos foram responsáveis por iniciativas como o Salão Paulista e o Salão de Maio, muitas vezes em espaços adaptados ou nas poucas galerias do centro.
Em junho de 1934, por exemplo, Flávio de Carvalho (fundador do Clube dos Artistas Modernos, em 1931), realizou sua primeira individual, em um espaço alugado, no centro da cidade. A mostra teve uma grande visitação do público, mas também da polícia, que a fechou arbitrariamente.(8)
A última edição do paulistano Salão de Maio aconteceu em 1939, já em uma galeria privada, a Itá, que ficava na rua Barão de Itapetininga, uma importante artéria cultural da cidade na época. Muito ativa nos anos 40, a Itá realizou, em 1944, as individuais de estréia de Volpi (abril) e de Pennacchi (setembro).
A mostra de Volpi ganhou texto de Mário Schenberg, recebeu críticas positivas e teve todas as obras vendidas. Foi lá, por exemplo, que Mário de Andrade comprou uma marinha que hoje está no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
No Rio, os grupos de artistas também se mobilizavam, mas visando uma política de inserção no circuito e, posteriormente, no mercado. É o caso do Núcleo Bernardelli, que, no início da década de 30, reuniu artistas oriundos da classe média baixa carioca com o objetivo de democratizar o ensino de arte da Escola Nacional de Belas-Artes e incentivar a participação de novos artistas no Salão Nacional. Fundado em 1931, o Núcleo Bernardelli era formado por Pancetti, Milton Dacosta, Quirino Campofiorito, Rescala, Joaquim Tenreiro e outros.
A Segunda Guerra e o início do mercado
A eclosão da Segunda Guerra forçou o início da profissionalização do mercado de arte no Brasil. A Europa estava sendo destruída pela guerra (e com ela boa parte de seu mercado de arte e de seu acervo artístico) e isso proporcionou a busca de novos campos de trabalho. O Brasil foi um dos países que recebeu parte da nova leva de imigrantes. Os marchands e colecionadores Giuseppe Baccaro, Arturo Profili, Franco Terranova, Jean Boghici, Pietro Maria e sua mulher Lina Bo Bardi estavam entre eles. “Esses imigrantes deram uma altivez ao mercado que não era comum entre os brasileiros daquela época”, diz o marchand Antonio Maluf.(9)
No Rio, a galeria que mais se destacou nesses primórdios de mercado foi a Askanazy, considerada a primeira galeria de arte moderna do país. Inaugurada em 1945, a Askanazy entrou em evidência naquele mesmo ano, ao realizar uma mostra com obras vetadas pelo Terceiro Reich, de artistas como Kandinsky, Klee, Chagall, Kokoschka e Feininger.
Na mesma década, instituições como o IAB-Rio (Instituto dos Arquitetos do Brasil) também se tornaram ponto de referência para os artistas. Inaugurado em 1944, com uma mostra de Athos Bulcão (convidado por Oscar Niemeyer), o IAB-Rio realizou também a primeira individual do artista plástico e designer de móveis Joaquim Tenreiro, em 1946, um ano antes de ele abrir sua própria loja de móveis e galeria de arte: a Galeria Tenreiro, na rua Barata Ribeiro, no Rio.
Em São Paulo, a galeria de maior destaque neste momento seminal foi a Domus, de Pasquale e Ana Maria Fiocca. Importante reduto paulistano de artistas modernos, a Domus foi inaugurada em fevereiro de 1947, na rua Vieira de Carvalho, e realizou mostras individuais de Victor Brecheret (1948), Joaquim Tenreiro (1949), Flávio de Carvalho (1951) e Oswaldo Goeldi (1951).
Quando de seu fechamento, em 1952, o jornal “O Estado de São Paulo” publicou um artigo, no dia 3 de fevereiro, em que tratava do encerramento de suas atividades e fazia uma análise dos problemas do mercado na época, muitos dos quais se perpetuam até hoje.
Intitulado “Um problema”, o texto dizia: “Em São Paulo, nos três últimos anos, chegaram a existir, num certo momento, três ou quatro galerias de arte moderna. Pouco a pouco foram desaparecendo e somente a Domus se manteve por mais tempo, resistindo corajosamente a todas as dificuldades. Agora a simpática pequena galeria da Praça da República também se fecha, não encontrando meios materiais de subsistir aos problemas relacionados com as artes plásticas locais”.(10)
Em seguida, o texto (um editorial anônimo) sentencia que a crise nas artes plásticas se deve à falta de um verdadeiro “marchand”.(11)
Ao comentar a existência de “três ou quatro galerias de arte moderna” na cidade, o jornalista pode estar se referindo a estabelecimentos como Brasiliense, Ipiranga, Benedetti e Itapetininga.
A galeria da livraria Brasiliense, por exemplo, foi uma das mais ativas nos anos 40. Apenas em 1944, expôs Mário Zanini (maio), Aldo Bonadei (julho), Rebolo (agosto) e Renée Lefèvre (novembro).
A Galeria Ipiranga , na avenida homônima, promoveu, em 1945, quatro bailes carnavalescos com decoração de Volpi, Rebolo, Paulo Rossi Osir, Mário Zanini e Quirino da Silva para levantar fundos para o Clube dos Artistas e Amigos da Arte, o Clubinho, que foi ativo de 1945 a 1952, e abrigava mostras de pintores modernistas.
Em março de 1945, foi fundada a Galeria Benedetti, na rua Barão de Itapetininga, com uma mostra do Grupo Santa Helena. No mês seguinte, foi inaugurada a galeria Itapetininga, com obras de modernos e santelenistas (em 1950, realizou individual de Milton Dacosta).(12)
Arte e poder
Nos anos 50, várias iniciativas políticas e econômicas estimularam o desenvolvimento do país e, consequentemente, do mercado de arte, entre elas o Programa de Metas de Juscelino Kubitschek (“50 anos em 5”), a criação da Petrobras, em 1954, e o início da construção de Brasília, em 1956.
Naquele momento, São Paulo vivia um período de ebulição econômica e cultural. Surgiram as primeiras iniciativas institucionais direcionadas para a arte moderna, como a criação do MASP (1947), do Museu de Arte Moderna de São Paulo (1948) e da 1ª Bienal de São Paulo, por Ciccillo Matarazzo, em 1951, que colocaram a cidade na vanguarda da produção artística e ampliaram o campo já aberto pelas galerias profissionais.
O cenário artístico na época, no entanto, ainda era bastante precário. MASP e MAM-SP, por exemplo, funcionavam no mesmo endereço, à rua Sete de Abril, em um prédio dos “Diários Associados” adaptado pelo arquiteto Vilanova Artigas.
As duas instituições eram as fomentadoras do circuito das artes no período. Capitaneado por Pietro Maria Bardi (também dono da Galeria Mirante das Artes), o Masp construía seu acervo (o mais importante da América Latina) e dava passos na área de arte-educação (cursos de história da arte e de formação de monitores). O MAM-SP se fortaleceria no circuito a partir de 1951, como organizador da Bienal.
Apesar de a 1ª Bienal Internacional, em 1951, ter privilegiado artistas alinhados com as escolas européias de pintura (surrealismo, art nouveau, expressionismo etc.) ao convidar Brecheret, Segall, Maria Martins, Di Cavalcanti, Portinari, Guignard, Bruno Giorgi e Lívio Abramo, também abriu espaço para novas propostas artísticas, ainda não estabelecidas no mercado.
A 1ª Bienal foi a primeira oportunidade para os artistas concretistas paulistas exibirem suas propostas, entre eles Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luís Sacilotto, Abraham Palatnik, Lothar Charoux e Antônio Maluf (autor do cartaz do evento). Cordeiro era o grande teórico do movimento e já defendia a arte abstrata em críticas no jornal Folha de S. Paulo no final dos anos 40.
O mesmo MAM-SP abrigou, em 1952, a Mostra Manifesto do Grupo Ruptura, com os artistas Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e Lothar Charoux e os poetas Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Esta mostra veio a desencadear o movimento concreto em São Paulo.
A efervescência das artes plásticas na época era motivada ainda pela movimentação cultural na cidade, capitaneada por áreas como teatro (Teatro Brasileiro de Comédia) e cinema (Companhia Cinematográfica Vera Cruz e Clube do Cinema, no MAM-SP, o embrião da Cinemateca Brasileira).
O circuito das artes no Rio seguia ligado às lições acadêmicas da Escola Nacional de Belas-Artes, mas já dispunha de instituições de vanguarda, como o MAM-RJ, e os artistas cariocas contaram com o apoio quase incondicional da mídia, representada principalmente pelo crítico Mário Pedrosa (1900-1981).
Jornalista e ativista artístico desde 1946, quando criou a seção de artes plásticas no jornal carioca Correio da Manhã, Pedrosa foi um grande incentivador do Grupo Frente, uma iniciativa do pintor Ivan Serpa, que, a partir de 1954, reuniu a vanguarda artística do Rio de Janeiro e se colocou como a resposta carioca aos concretistas paulistanos.(13)
Mário Pedrosa é o autor do artigo “Paulistas e Cariocas” (Jornal do Brasil, 19 de fevereiro de 1957), que escreveu motivado pela 1ª Exposição de Arte Concreta. O artigo marca o início da cisão entre os concretistas paulistas e os neoconcretistas cariocas.(14)
Em 1959, o MAM-RJ inaugurou a 1ª Exposição de Arte Neoconcreta e o manifesto do Movimento Neoconcreto foi publicado no “Jornal do Brasil”, em 22 de março, assinado por Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Pape, Amílcar de Castro, Lygia Clark, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis.
Os concretistas paulistas Hércules Barsotti e Willys de Castro não romperam com os neoconcretistas e logo se incorporaram ao círculo carioca.
Willys é figura frequente nos principais momentos da arte brasileira contemporânea e do mercado, tendo sido mencionado como influência pelos galeristas Luisa Strina, Mônica Filgueiras, Raquel Arnaud e Fábio Cimino. Willys é um dos criadores da Associação de Artes Visuais Novas Tendências, em 1963, na Galeria NT, que comercializava obras de artistas concretistas.
Assim como no Rio, a imprensa paulista também se posicionou em relação ao mercado e às disputas artísticas do período. Em 1957, o Grupo Folha criou _numa iniciativa do industrial Isaí Leirner, então diretor do MAM-SP_ a Galeria de Artes das Folhas.
O novo espaço foi motivado por um protesto do artista plástico e arquiteto Flávio de Carvalho (1899-1973), que acusou a comissão organizadora da 4ª Bienal de São Paulo de privilegiar os concretistas.
A galeria foi inaugurada com a mostra “12 Artistas de São Paulo”, no saguão do edifício do jornal Folha de S. Paulo, na alameda Barão de Limeira, e instituiu um prêmio-aquisição anual, que gerou acervo para diversos museus brasileiros. Estavam na mostra de inauguração os artistas Moussia Pinto Alves, Felícia Leirner, Bela Karawaeva, Flávio de Carvalho, Mauro Francini, Bonadei, Odetto Guersoni, Jacques Douchez, Darci Penteado, José Antonio da Silva, Fracarolli e Samson Flexor. A galeria, ativa até 1961, acabou revelando nomes como Franz Weissmann, Nelson Leirner e Regina Silveira.
Outros nomes relacionados ao MAM-SP e à Bienal também se envolveram com o mercado de arte, como Arturo Profili, Giuseppe Baccaro e Biaggio Motta.
Profili foi o primeiro deles. Em 1958, então secretário-geral da Bienal, abriu sua Galeria Sistina.(15)
O empreendimento teve grande sucesso comercial, mas recebeu críticas de parte da classe artística, que se colocou contra o fato de um homem da Bienal ter negócios relacionados com as artes plásticas.
“Desde a primeira Bienal, os interesses comerciais dos marchands já se manifestavam. Diziam que eles determinavam os prêmios da Bienal e manipulavam os preços das obras. Quando Profili abriu sua Galeria Sistina, provocou uma marcha de protesto dos artistas na frente da galeria, que era no Conjunto Nacional. Ainda hoje existe uma aversão ao marchand, mas sem a agressividade daquele tempo”, contou o marchand e artista plástico Antonio Maluf. As relações entre marchands e Bienal também foram criticadas por Mário Pedrosa em 1970.(16)
O relacionamento entre galerias e Bienal era tão intenso nos anos 60 que, em 1967, chegou-se a instituir prêmios com os nomes de galerias como Cosme Velho (São Paulo) e Petite Galerie (Rio), concedidos na 9ª edição do evento. A artista Amélia Toledo ganhou os dois. “Um prêmio era julgado por uma comissão de São Paulo e o outro, pelo júri internacional. Naquele tempo não havia curador ainda e a organizadora da Bienal era a Radha Abramo. Foi uma ótima Bienal, com uma sala do Le Parc, as caixas do Gerchman...”, lembra Amélia Toledo.
O mercado de arte se intensificou ainda mais em 1959, quando a galerista Ana Maria Fiocca voltou ao mercado e inaugurou a Galeria São Luís, ali expondo, entre outros, Flávio de Carvalho em 1960, De Fiori em 1961 e Mira Schendel em 1963 (com texto de Mário Pedrosa). Em 1959 também foi inaugurada, em São Paulo, a Galeria de Arte André, ainda em atividade, mas que se dedica apenas à comercialização de seu acervo.
“Até hoje não existe uma galeria com o charme da São Luís. Ali vi grandes exposições de Sérgio Camargo ”, diz o marchand Ralph Camargo.
Uma nova figuração
Uma opção aos concretistas e neoconcretistas começou a se configurar a partir de 1964, com o Brasil já sob a ditadura militar. A crise provocada pela premiação de Robert Rauschenberg na Bienal de Veneza de 1963 e o desenvolvimento das pesquisas da arte pop fez com que os artistas do país procurassem novas formas de representação, permeadas de conotações políticas e sociais. Carlos Zílio, Arthur Barrio, Antonio Manuel, Carlos Vergara, Rubens Gerchman, Antonio Dias, Waldemar Cordeiro, Wesley Duke Lee e Nelson Leirner são alguns dos nomes mais atuantes nesse período.
Essa nova produção foi apresentada em exposições históricas, como Opinião 65, Opinião 66, Nova Objetividade Brasileira (1967) e 1º Salão da Bússola (1969), todas no MAM-RJ. A contrapartida paulistana se deu com as mostras Jovem Arte Contemporânea (JAC), no MAC-USP (de 1967 a 1974), e com o Panorama, no MAM-SP, exposição bienal criada em 1969 por Diná Lopes Coelho, ex-diretora do museu.
Hélio Oiticica participou da mostra Opinião 65 com o happening “Inauguração de Parangolé”. Em 1979, no texto “Situação da Vanguarda Brasileira”, editado no primeiro número da publicação Arte em Revista, Hélio abordou a questão ao dizer que a contribuição da vanguarda brasileira ao contexto internacional deveria ser por meio do experimentalismo, para que não parecesse cópia do pop americano ou do novo realismo francês. A movimentação cultural nos anos 60 era intensa, com manifestações em diversas áreas, como teatro (Oficina e Opinião), cinema (cinema novo) e música (tropicalismo).
Uma das personalidades mais atuantes nos anos 60, no Rio de Janeiro, é o marchand e poeta Franco Terranova, que se destacou no mercado a partir de 1954, ao adquirir a Petite Galerie, que pertencia ao escultor peruano Mário Agostinelli.(17)
Terranova nasceu em Nápoles, em 1923, e chegou ao Brasil em 1947, mas não como Pietro Maria Bardi, que veio apoiado por um magnata da mídia do calibre de Assis Chateaubriand (dono dos Diários Associados e criador do Masp). A história de conquistas de Terranova é citada num artigo de 1954 no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, que diz: “De 47 até hoje a história é recente: trabalhou como vendedor de balas e de materiais elétricos, como sacristão, por fome, numa igreja de uma cidadezinha do interior, e vendendo quadros no norte do Paraná”.(18)
Sua Petite Galerie era uma pequena loja na Avenida Atlântica, com 5 m x 4 m, onde o visitante tinha que baixar a cabeça para poder entrar. Ali expôs Volpi, Dacosta, Maria Leontina, Krajcberg, Pancetti e outros. “A Petite Galerie não tinha uma linha apenas. Eu tinha simpatia pelos neoconcretos, mas expus arte popular, como carrancas do rio São Francisco e ex-votos”, contou Terranova.
A galeria, no entanto, se mantinha graças à dedicação incondicional do marchand, que, para pagar o aluguel do espaço, trabalhou como estilista no departamento de “moda relax” das lojas Ducal.
O departamento foi criado por José de Carvalho, dono da Ducal, que acabou tornando-se sócio de Terranova na Petite Galerie e depois fundou a Bolsa de Artes do Rio de Janeiro, em 1971.
Em artigo datado de 1954, Terranova declarou: “Ainda acredito no Rio como um campo imenso a ser explorado para as galerias de arte moderna (...). E porquanto não seja ainda um ótimo negócio comercial (...) dá prazer mostrar ao povo obras de artistas que eles nunca teriam a oportunidade de conhecer”.(19)
O “marquês Terranova”, como o chama carinhosamente o colecionador Gilberto Chateaubriand, é considerado um dos criadores do mercado de arte carioca e se manteve em atividade até os anos 80. “Foi um período heróico entre 1954 e 1960. Só malucos faziam o que nós fazíamos”, diz Terranova.
Descobridor de jovens talentos, como Jac Leirner e Ernesto Neto (artista que Terranova indicou para fazer a cenografia do monólogo “Nijinsky”, em 1998, com Luis Mello), o marchand foi homenageado em 1988 com uma grande mostra no Paço Imperial, no Rio, por ocasião do encerramento de suas atividades.
Foi na Petite Galerie que Jean Boghici, outro artífice dos primórdios do mercado, estreou como galerista, ao realizar, em 1956, uma mostra do pintor primitivo Pedro Paulo Leal (1894-1968).
Boghici chegou ao Rio, vindo da Romênia, em 1949. Sem dinheiro ou documentos, passou as primeiras noites na praia de Copacabana. Para fugir da fiscalização, refugiou-se em Belo Horizonte, onde trabalhou como eletricista. De volta ao Rio, trabalhou como vitrinista nas lojas Ducal, de José de Carvalho.
Em 1958, começou a ficar famoso, mas ainda não como marchand. Ao deixar sua barba crescer, ficou parecido com Kirk Douglas no filme “Van Gogh”. A semelhança e o gosto pela arte fizeram com que fosse convidado para responder sobre a vida do artista holandês no programa de TV “O Céu é o Limite”, na extinta TV Tupi. Chegou perto do céu, pois ganhou cerca de US$ 200 mil, com os quais comprou um apartamento em Copacabana, um carro e pôde se dedicar exclusivamente às artes plásticas.
Abriu a Galeria Relevo em 1960 com uma mostra do romeno Emeric Marcier, seu conterrâneo. Naquele momento, já namorava com Lygia Clark, romance que ajudou-o a estreitar relações com os neoconcretistas e com toda uma nova geração de artistas.
Boghici entrou para a história em 1965, ao conceber com a galerista Ceres Franco a mostra Opinião 65. O evento reuniu artistas franceses da Escola de Paris e uma nova geração de artistas brasileiros que rompia com o abstracionismo de concretistas e neoconcretistas e propunha uma nova figuração. Entre os brasileiros estavam Rubens Gerchman, Antonio Dias, Hélio Oiticica, Wesley Duke Lee, José Roberto Aguilar, Flávio Império, Waldemar Cordeiro, Roberto Magalhães e outros. Segundo Boghici, a escolha do nome Opinião 65 foi inspirada em um samba de Zé Keti.(20)
Em 1969, desiludido com a perseguição política sofrida por seus amigos artistas, que deixavam o país, Boghici fechou a galeria (a última mostra foi de Wanda Pimentel) e partiu para a Europa, onde adquiriu obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Torres-García e uma enorme coleção de Debret. Com esse rico acervo nas mãos, voltou ao Brasil em 1976 e se estabeleceu novamente como marchand. “Era um verdadeiro caçador de quadros”, definiu a galerista carioca Anna Maria Niemeyer.(21)
Em 1979, retomou o trabalho como marchand e inaugurou a Galeria Jean Boghici, em Ipanema, com uma mostra de Joaquím Torres-García. Atua no mesmo local até hoje.
O terceiro vértice do triângulo das artes no Rio nos anos 60 era a galeria Bonino, de Giovanna e Alfredo Bonino. Inaugurada com uma coletiva, em 1960, naquele mesmo ano realizou a primeira individual de Lygia Clark em galeria comercial. Ficou conhecida pela voracidade com que se impunha no mercado.
“A Bonino tinha contratos com artistas como Portinari, Bandeira, Djanira e Lygia Clark. Ela comprava pintura ainda molhada... A Petite representava Dacosta, Guignard, Scliar, Rubem Valentim... Eu, que não tinha como disputar artistas, representava Marcier, que era romeno como eu, e comprava obras antigas de artistas importantes, que vendia como acervo”, diz Jean Boghici.
O artista goiano Siron Franco, que expôs na Bonino em 1978, conta que realizar uma mostra na galeria dava muito prestígio: “A Bonino exibia grandes nomes nos anos 60, como Di Cavalcanti e Portinari. Quem expunha lá estava feito. Eu saía de Goiás para ver as mostras da Bonino, no Rio”.
Convém ainda lembrar o trabalho de vanguarda realizado por espaços alternativos, como a Galeria G4, que, em abril de 1966, montou a coletiva “Pare”, com obras de Antonio Dias, Pedro Escoteguy, Rubens Gerchman, Roberto Magalhães e Carlos Vergara. Dirigida pelo fotógrafo David Drew Zingg, a G4 apresentou, naquele mesmo ano, “Manifestação Ambiental nº 1”, mostra de Hélio Oiticica.
Em São Paulo, nos anos 60, outro imigrante se destacou no mercado de arte: Giuseppe Baccaro, que havia chegado ao país em 1956, proveniente da minúscula cidade de Rocca Mandolfi, na Itália.
“Eu queria ir para um lugar selvagem, mas cheguei aqui e já estava tudo desmatado. Tinha algum dinheiro, mas gastei tudo na noite. É fácil gastar dinheiro aqui no Brasil”, lembrou Baccaro, que hoje vive em Olinda.
Seu primeiro negócio no país foi um jornal dedicado à colônia italiana. Chamava-se Progresso Ítalo-Brasileiro e tinha uma sessão de arte, assunto que logo interessou Baccaro.
“Passei a ter contato com os artistas. Fui ver Flávio de Carvalho na fazenda dele em Valinhos. Conheci Tarsila do Amaral, que estava sozinha e esquecida em seu apartamento. Encontrei a Anita Malfatti largada em uma casinha em Diadema.”
Baccaro abriu sua primeira galeria, a Selearte (nome de uma revista italiana de arte), na rua Augusta, em 1962, com uma exposição de Heitor dos Prazeres. No mesmo ano, realizou individual de Mira Schendel e, em 1964, uma retrospectiva de Paulo Rossi Osir.
Em 1965, Baccaro ampliou seu campo de atuação ao fundar a Casa de Leilões, iniciativa que monopolizou o mercado paulistano na época. “Ninguém conhecia nada naquele tempo. Um dia eu vi umas aquarelas com a assinatura IN, de Ismael Nery, e me apaixonei. Comprei centenas de trabalhos dele.”
Os leilões haviam se tornado uma febre na cidade de São Paulo a partir de 1961. Em 17 de novembro daquele ano, o jornal O Estado de São Paulo publicou a seguinte manchete: “O maior evento em artes plásticas depois da Bienal Internacional”, referindo-se ao Primeiro Grande Leilão Beneficiente, empreendimento da comunidade judaica de São Paulo pró construção do Hospital Albert Einstein.
“O mercado de arte era dominado pelos leilões beneficentes do Hospital Albert Einstein e pelos leilões comerciais do Giuseppe Baccaro. Ele foi o responsável pela verticalização do mercado”, diz o marchand Antonio Maluf.
Entre os méritos de Baccaro está também o fato de ter redescoberto e divulgado a obra de Ismael Nery (1900-1934). Sobre ele, escreveu um artigo no primeiro e único número da revista surrealista A Phala, em 1965, quando cinco telas suas foram incluídas na sala especial Surrealismo e Arte Fantástica, na 8ª Bienal de São Paulo. Em 1974, Baccaro curou a mostra “Ismael Nery - 1900-1934”, no Masp, com 104 desenhos, guaches e aquarelas do artista.
Bardi, presidente do Masp, e Baccaro se conheciam bem. Em 1966, tornaram-se sócios na Galeria Mirante das Artes, que Bardi mantinha na esquina da rua Estados Unidos com a rua Augusta. Naquele mesmo ano, Baccaro fundou a Galeria Art Art, que logo passaria para Ralph Camargo.
Em 1970, o marchand trocou São Paulo por Olinda. “Eu estava cansado de vender obras caras para colecionadores ricos. Não é possível que 90% dos acervos no Brasil estejam em mãos de colecionadores particulares enquanto os museus estão à mingua”, diz Baccaro.
Na cidade pernambucana de Olinda, Baccaro fundou uma instituição direcionada às crianças carentes, a Casa das Crianças de Olinda, que já atendeu cerca de 21 mil crianças. Para criá-la, desfez-se de quase todo seu acervo. Conserva, no entanto, sua biblioteca com cerca de 30 mil volumes de livros, mapas e gravuras raras, além de cartas e autógrafos ilustres.
“Baccaro é o marchand que eu mais respeitei, pela sua originalidade, força e conhecimento. Ele foi o inventor do mercado de arte no Brasil”, diz Ralph Camargo.
Os serviços prestados por Baccaro ao mercado de arte, no entanto, também foram alvo de críticas. Um artigo no jornal Folha da Tarde, em 1974, caracterizou o reinado de Baccaro como um período de “muito abuso”.(22)
Entre o moderno e a vanguarda
Foi pelas mãos de Giuseppe Baccaro que Ralph Camargo iniciou sua carreira profissional de galerista, em 1966, como sócio _e depois proprietário_ da Galeria Art Art, em São Paulo.
Ralph já tinha envolvimento com o mercado. Desde 1963, com apenas 20 anos de idade, mantinha um escritório de arte na rua Nestor Pestana (transferiu-se depois para a rua José Clemente).
O galerista superou sua precocidade no mercado com uma boa idéia. Anunciou a venda de obras de arte na seção Negócios e Oportunidades do jornal O Estado de São Paulo. “Era algo inédito e me deu um grande retorno. Eu trabalhava basicamente com modernos, mas alguns contemporâneos, como o Wesley Duke Lee, já me interessavam.”
Em 1966, foi trabalhar com Baccaro na Art Art. “O Baccaro logo saiu. Em menos de seis meses eu era o único dono. Criei então a primeira galeria de arte contemporânea deste país, onde mostrei Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, José Roberto Aguilar, Carlos Vergara e Hélio Oiticica.” A Art Art expôs ainda os quatro artistas que viriam a formar a Escola Brasil: Frederico Nasser, Luís Paulo Baravelli, Carlos Fajardo e José Resende.
As galeristas Luisa Strina e Mônica Filgueiras acreditam que Ralph Camargo tenha sido o primeiro galerista de arte contemporânea da cidade. “A Art Art revolucionou a maneira de fazer exposições. Tocávamos rock e dançávamos nos vernissages. A Rita Lee não saia de lá”, conta Mônica, que trabalhou na galeria e se casou com Ralph.
Depois da Art Art, fechada em 1969, Ralph fundou ainda duas outras galerias: a Ralph Camargo (1970-1973) e a R e R (1975-1978), em sociedade com seu irmão Ricardo Camargo, que mantém hoje uma galeria que leva seu nome em São Paulo. A R e R, no entanto, não trabalhou com arte contemporânea, mas apenas com obras históricas e até mesmo arqueológicas.
“Chega de vanguardinhas, de coisas comuns, efêmeras. Agora só acredito na arte que sobreviveu ao tempo e às paixões. Não suporto mais arte de vanguarda, de pesquisa, experimental. Não quero nem saber de arte intelectualizada do tipo da Arte Global. É um horror!”, declarou Ralph ao abrir a R e R.(23)
O marchand se referia à Galeria de Arte Global, um braço artístico da Rede Globo idealizado por Walter Clark e que era dirigida, em São Paulo, por Raquel Arnaud e, no Rio, por Franco Terranova. A galeria marcou época por produzir e comercializar gravuras a preços muito reduzidos, sempre com publicidade na TV Globo.
Ralph revê hoje aquela sua postura anti-arte de vanguarda. “A Lygia Clark e o Hélio Oiticica são hoje grandes valores econômicos, mas, naquela época, eles só representavam despesas. Pagava-se tudo e ainda comprava-se boa parte das obras expostas. Eu tive um trauma e não queria mais ver aquilo pela frente. Eu paguei o preço por vir antes de todo mundo.”
Com o fim da R e R, o galerista se transferiu para o Rio, onde abriu uma galeria com seu nome. Atualmente atua com seu escritório de arte, mas, de olho no mercado emergente da Barra da Tijuca, pretende abrir nova galeria, no promontório da Joatinga, em uma casa projetada por Zanine Caldas.
Junto com a Art Art, pelo menos outras quatro galerias paulistanas tiveram papel relevante no mercado dos anos 60: Astréia, Atrium, Cosme Velho e Seta.
A Cosme Velho surgiu da união de forças de três proeminentes profissionais liberais: o arquiteto Cesar Luis Pires de Mello, o advogado Arthur Octavio Camargo Pacheco e o economista Flávio de Almeida Prado.
Foi inaugurada em 16 de março de 1966, numa “noite inesquecível, com bastante amizade, alegria, beleza e muito _mas muito_ champanhe mesmo! A Alameda Lorena foi fechada. Os capôs dos carros serviam de bandejas para os comes e bebes”, declarou o marchand Cesar Luis Pires de Mello.(24)
Foi a primeira galeria de São Paulo a programar suas exposições com um ano de antecedência, publicando calendários-agenda muito disputados pelo público, pois traziam reproduções coloridas das obras de seus artistas. Com isso, corria certo risco pois a representação de artistas não era seguida com muita rigidez. Mira Schendel, por exemplo, realizou uma individual na Selearte em 1962, uma outra na São Luís em 1963 e uma terceira, na Astréia, em 1964.
A Cosme Velho foi responsável por grande parte da agitação cultural dos Jardins nas décadas de 60 e 70. Possuía auditório, biblioteca e bar (o Bar Bitúrico) em suas dependências e recebia, além de artistas plásticos, cantores, poetas, escritores e políticos. “Lá o Roberto Carlos comprou um lindo quadro de Tomie Ohtake”, acrescentou Pires de Mello.(25)
A Cosme Velho também causou uma reviravolta na vida do artista plástico Antonio Maluf (autor do cartaz da 1ª Bienal de São Paulo) que, depois do grande sucesso em uma mostra ali realizada, resolveu se tornar marchand e comprou a Galeria Seta.
A Seta foi fundada por Pedro Manuel Gismondi e Maria Cecília Gismondi em 1962. Realizou grandes mostras, como a de José Roberto Aguilar (com texto de Jorge Mautner), em 1966, e a de Nelson Leirner, em 1967, quando o artista mostrou ali seus múltiplos “Homenagem a Fontana”, vendendo-os pelo preço de custo: 112 cruzeiros novos.(26)
No ano seguinte, a Seta foi comprada por Antonio Maluf. “O Cesar Luis Pires de Mello havia organizado uma mostra de trabalhos meus. Eu nem fui ao vernissage, pois estava trabalhando na Seta, que já estava à venda. Na saída, por volta de meia-noite, passei na frente da Cosme Velho e encontrei o Flávio de Almeida Prado na porta, que me disse que tinham vendido todos os meus trabalhos. Com aquele dinheiro acabei comprando a Seta. Aprendi logo que era mais fácil vender as obras dos outros que as minhas”, conta Antonio Maluf, hoje artista e marchand, que realizou ali mostras importantes, como “Surrealismo e Arte Fantástica”, em 1970, com obras de Ismael Nery, Walter Levi e Siron Franco, entre outros.
A Galeria Seta ficou aberta ao público até 1986, quando Maluf a transformou em escritório de arte, ainda em atividade.
Outro trio de peso inaugurou a Galeria Atrium, em 1962: Tito Zarvos, Clóvis Graciano e Paulo Bonfim. A galeria funcionou em dois andares, no edifício Zarvos, na avenida São Luís. No ano seguinte, passou para as mãos de Emy Bonfim.
A Atrium prestigiou a arte de vanguarda e os emergentes da época. Foi lá que Waldemar Cordeiro expôs pela primeira vez, em 1964, seus “popcretos” (obras em que procurava conciliar as propostas da nova figuração pop e do concretismo). Nelson Leirner causou furor e polêmica em 1965 ao apresentar ratos em vidros de formol. A galeria expôs ainda Amélia Toledo, Mário Gruber (primeira individual) e Hélio Oiticica (com texto de Mário Schenberg). Fechou em 1970.(27)
A Galeria Astréia surgiu de uma sociedade entre livreiros _Carlos Rizinni e Stephan Geyerhan_ e foi inaugurada em agosto de 1961, na praça Ramos de Azevedo. Mais afeito às pinturas acadêmicas, Rizinni logo desistiu da sociedade.
A galeria se destacou por trabalhar com nomes estabelecidos da arte moderna, como Portinari, Di Cavalcanti, Bonadei e outros. “Guardadas as devidas proporções, a Astréia era a Camargo Vilaça da época”, diz o marchand Antonio Maluf. “Todo o giro intelectual, artístico e cultural estava entre a avenida São Luís e a praça Ramos de Azevedo, na Galeria Astréia. Foi ela que lançou o Raimundo de Oliveira em São Paulo e isso já é um grande mérito”, acrescentou Ralph Camargo. A galeria se transferiu para a rua Padre João Manoel em 1970, passou a trabalhar apenas com acervo em 1974 e fechou definitivamente em 1980.
Todo o desenvolvimento do mercado de arte nos anos 60 foi também motivado pela eficiente presença da crítica nos principais jornais do Brasil, que publicavam textos de Mário Pedrosa, Frederico Morais, Mario Barata, Walter Zanini, Ferreira Gullar, Antonio Bento e Mário Schenberg, entre outros (alguns desses críticos também não se privavam de escrever textos entusiasmados para os catálogos de seus prediletos).
A Rex Gallery e os anos rebeldes
O momento aparentemente dinâmico e harmonioso do mercado, no entanto, não satisfazia a todos e motivou novas atitudes estéticas que questionavam os mecanismos de comercialização e o mercantilismo da arte contemporânea.
Uma das figuras mais atuantes e contestadoras do período foi o artista plástico Wesley Duke Lee. Em 1963, Wesley comandou um histórico happening no João Sebastião Bar, no centro de São Paulo, próximo ao Mackenzie.
“Eu havia desenhado uma série de mulheres com cinta-liga. Não havia nada de pornográfico, mas ninguém queria expor. Decidi então mostrá-los no João Sebastião Bar, que era uma boate no centro da cidade. Como lá era tudo escuro, eu emprestava lanternas para as pessoas verem os desenhos. Só não foi o primeiro happening do Brasil pois antes já havia aparecido o ‘grande chefe’ Flávio de Carvalho”, diz Wesley.
O artista se refere ao happening que Flávio de Carvalho realizou em 1956, quando desfilou no vale do Anhangabaú o seu “New Look”, proposta de traje de verão para homens composto por sandálias de couro, meias-arrastão, saiote com pregas e blusa de náilon.
“Wesley Duke Lee dividiu a cena contemporânea nos anos 60, com seu happening no João Sebastião Bar. O movimento artístico paulistano até então era muito interiorizado. Os artistas viram então que podiam sair de seus ateliês”, diz Mônica Filgueiras.
Três anos depois, em junho de 1966, Wesley foi um dos mentores intelectuais e criadores da Rex Gallery, junto com Geraldo de Barros, Carlos Fajardo, José Resende, Frederico Nasser, Thomaz Souto Corrêa e Nelson Leirner. (28)
A Rex era uma espécie de cooperativa de artistas, criada para questionar em bases irreverentes o sistema de comercialização, a crítica de arte, o incipiente mercado editorial e a falta de espaços alternativos para experiências de vanguarda. Possuía seu próprio espaço expositivo e um veículo de informação, o Rex Time, que veiculava as contestadoras idéias do grupo.
“A Rex também foi uma espécie de protesto, mas na forma de uma cooperativa. Queríamos mais espaço para a arte de vanguarda e experimental. A crítica era muito conservadora naquela época e nossa reação acabou funcionando. Ela iluminou aquele momento e nos fez ver tudo o que estava acontecendo à nossa volta”, diz Wesley Duke Lee.
A Rex Gallery durou apenas até 1967 e encerrou as atividades com a mostra “Exposição Não-Exposição”, de Nelson Leirner, em que o espectador podia levar para casa as obras expostas, se conseguisse, uma vez que estavam todas presas (com correntes ou chumbadas na parede). Para isso, os organizadores forneciam serras, serrotes e martelos.(29)
Em 1972, Wesley publicou um protesto contra as galerias e o mercado de arte no jornal O Estado de São Paulo: “Wesley Duke Lee, artista pintor, discordando do sistema atual de especulação irreal com obras de arte; com a irresponsabilidade, leviandade e irreverência de galerias, leilões, vendedores, etc; percebendo que os comerciantes de arte estimulam a confusão e o amadorismo com fins meramente comerciais, decide que de ora pra frente exporá somente em Museus ou Salas Públicas, atenderá, mostrará e venderá seus trabalhos diretamente aos interessados em seu atelier. Marcar hora com Dona Ana pelo telefone 269-4859, em Santo Amaro, na Avenida João Dias, 480”.(30)
“Estava havendo uma farra na Bolsa de Valores de São Paulo, na época do Delfim Netto. Foi naquele momento que apareceu o Paolo Businco, da Collectio. Ele começou a fazer leilões e as galerias simplesmente pararam de trabalhar, pois levavam tudo para ele. Ele desorganizou o mercado, mas teve vida curta. Era tudo muito arbitrário e perverso. Ele colocava tudo em uma imensa fogueira. Só depois que terminou essa fraude é que as galerias se tornaram conscientes de seu trabalho”, diz Wesley.
O escândalo da Collectio
Em 1969, a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) não provocou apenas o fim das liberdades democráticas do país. Naquele momento iniciou-se também a regulamentação do mercado de capitais, coordenada por Delfim Netto. As novas leis da economia transformaram a obra de arte em opção de investimento e em bom item para financiamento dos bancos. Isso motivou um novo desenvolvimento do mercado, mas também provocou o maior escândalo de que se tem notícia no meio das artes: a Galeria Collectio.
Tudo começou no final de 1969. Um certo José Paulo Domingues da Silva publicou um anúncio na imprensa em que se mostrava interessado em comprar “obras de artistas modernos brasileiros”. O anúncio interessou ao galerista Ralph Camargo, que entrou em contato.
“Fizemos alguns negócios, mas nunca fomos sócios. Cheguei a vender algumas obras para ele. Ele me pedia conselhos, diretrizes do mercado e sugestões. Eu colaborei com ele, mas nem fui ao vernissage de inauguração da galeria. Ele era escorregadio e eu percebi que ali tinha areia movediça. Havia uma atração, mas senti também que havia algum problema”, diz Ralph Camargo.
Os problemas eram vários. José Paulo Domingues da Silva, na verdade, era Paolo Businco, um italiano nascido em Cagliari, em 1929, que estava foragido de seu país e já vinha sendo perseguido pela Interpol por estelionato. Chegou ao Brasil com a mulher e quatro filhos em 1966 e inicialmente se dedicou a trabalhos menos glamourosos, como uma doceria na rua Estados Unidos e o comércio de sapatos finos desenhados por sua mulher.
Esses negócios não estavam, no entanto, à altura da ambição de Businco, que logo viu no mercado de arte um bom campo de trabalho.
Ele dispunha de um capital de Cr$ 550 mil (cerca de US$ 130 mil, uma verdadeira fortuna para a época). O dinheiro era financiado por um cidadão não identificado e foi aplicado na compra de obras de arte moderna.
Em 20 de novembro de 1969, Businco inaugurou a Collectio, com cerca de 50 obras de alta qualidade. Segundo artigo publicado no Jornal da Tarde, a Collectio vendeu sua primeira obra em dezembro daquele mesmo ano: o quadro “O Morro de Santo Antonio”, de Cândido Portinari.(31)
“Comprei a obra na própria galeria. Minha mulher queria comprar um quadro realmente bom, um Portinari, e amigos me disseram que ali eu poderia encontrar alguma coisa”, diz o colecionador Michel Amin Jereissati.
As vendas, no entanto, não saíram como planejado e isso forçou Businco a mudar de estratégia. Assessorado pela galerista Mônica Filgueiras, então sua funcionária, comprou mais obras e passou a promover grandes leilões, que chegavam a receber cerca de mil pessoas, atraídas por anúncios de página inteira no jornal O Estado de São Paulo. Businco propunha a venda das obras já com financiamento garantido por bancos da época.
Um dos momentos históricos dos leilões foi a venda, em 1972, de uma tela de Ismael Nery por US$ 50 mil, valor que na época era o recorde para uma obra de um artista brasileiro.
“Lembro quando o colecionador Domingos Giobbi comprou um Ismael Nery no leilão da Collectio por Cr$ 276 mil. Em valores de hoje, seria algo como um milhão de dólares... Se não de fato, pelo menos na sonoridade”, diz o marchand Ralph Camargo.
O clima era de entusiasmo. As vendas se sucediam, a produção circulava e o mercado parecia estar sedimentado. Ninguém poderia imaginar que tudo não passava de uma farsa. Muitas das vendas eram fictícias, os empréstimos eram feitos com base em falsa documentação, a mesma obra servia de garantia de empréstimo para várias instituições. Era um mercado forjado pela falta de escrúpulos de Paolo Businco (ou José Paulo Domingues da Silva, como dizia sua carteira de identidade de Itapecerica da Serra).
O fim da Collectio se anunciou no final de 1973. As dívidas de Domingues com financeiras se acumularam e ele teve que dar as obras como garantia de pagamento a instituições como Finansul Industrial, Áurea e Crecif.
No dia 26 de dezembro de 1973, Businco passou a noite inventariando as obras do acervo da Collectio. Na manhã do dia seguinte, morreu vítima de um enfarto fulminante. O folclore e as falcatruas em torno de seu nome eram tão grandes que se chegou a cogitar que o cadáver enterrado não era o verdadeiro.
“O José Paulo Domingues entrou no mercado de forma avassaladora e insuflou uma nova energia no circuito, mas agiu como um banco e valorizou o mercado de forma artificial. A Collectio causou um grande mal. Seus leilões eram ficção pura. Só tinha laranja comprando. O mercado ainda era incipiente e ficou abalado por uns dois anos. Foi uma decepção muito grande, um momento negro”, declara Ralph Camargo.
“Ele implantou no país a idéia de arte como investimento. Depois que ele quebrou, criou-se um vazio enorme no mercado”, complementa Antonio Maluf.
A morte de Businco provocou uma séria retração no mercado de arte, que viu exposta toda a sua fragilidade.(32)
Com o fim da Collectio, a galerista Mônica Filgueiras, então assistente na galeria, associou-se a Raquel Arnaud na criação do Gabinete de Artes Gráficas, galeria dedicada exclusivamente a trabalhos em papel e que funcionou entre 1974 e 1980 no endereço ocupado anteriormente pelo braço paulistano da carioca Petite Galerie, na rua Haddock Lobo.(33)
Multiplicidade de formas e conceitos
O escândalo da Collectio deu um susto no mercado, que se recuperou graças a iniciativas institucionais, ao desenvolvimento econômico e cultural do país e a uma nova percepção do objeto artístico por parte de artistas, galeristas, curadores e espectadores.
Nos anos 70, o Brasil atravessava o “milagre econômico”, o que gerou um novo surto desenvolvimentista e uma idéia de integração nacional, também conectada à euforia nacionalista gerada pela conquista do tricampeonato mundial de futebol.
Novas formas de manifestação artística também começaram a ser prestigiadas, como arte afro-brasileira e arte popular (em 1969, Lina Bo Bardi organizou a mostra “A Mão do Povo Brasileiro”, no Masp).
O mercado estava motivado e se expandiu para centros fora do eixo Rio-São Paulo, como Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Blumenau e Campina Grande.
O mercado editorial também acompanhou esse crescimento e viu proliferar diversas publicações especializadas, embora de curta duração, como Arte em Revista, Forma, Artes: Hoje, Mirante das Artes, Malasartes, Revista GAM (Galeria de Arte Moderna), Vida das Artes e outras.
No domínio estético, os anos 70 foram marcados pelo desenvolvimento da arte conceitual no país e pela introdução de novas mídias e linguagens (fotografia, vídeo, arte ambiental, arte-xerox, arte em computador, super-8, mail-arte, cadernos, livros de artista, artes gráficas, performances e intervenções urbanas), passando assim a atuar sobre diferentes focos de percepção.(34)
Uma das intervenções noticiadas pela imprensa foi a “Operação X-Galeria”, em 2 de julho de 1979, protagonizada pelo grupo 3NÓS3, formado por Rafael França (1957-1991), Hudinilson Jr. e Mário Ramiro.(35)
As novas intervenções e obras ambientais (depois chamadas instalações) reuniam diversos tipos de linguagem em um único trabalho e produziam novas experiências e formas de percepção da obra de arte e do espaço. Nesse momento, se destacaram nomes como Wesley Duke Lee, Waltercio Caldas, Cildo Meireles, Tunga e José Resende, artistas que romperam com as definições clássicas de escultura.
Wesley novamente se apresentou como vanguarda, por trabalhos como “O Helicóptero” (1967-1969) e toda a mostra “Iconografias Botânicas”, realizada na Galeria Ralph Camargo, em 1970, com 21 obras ambientais. “Eram retratos em que o Wesley transportava personagens importantes para um universo particular e os representava com vários materiais, inclusive um vaso com planta”, lembra o galerista Ralph Camargo.
Toda essa produção exigiu novos espaços expositivos (privados e institucionais), novas políticas culturais e uma nova relação com o público. Um reflexo desse movimento foi a criação de instituições culturais, como a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (iniciativa do artista plástico Rubens Gerchman em substitução ao antigo Instituto de Belas Artes) e a Funarte, ambas em 1975. Espaços como MIS-RJ (1965), MIS-SP (1969) e Paço das Artes (1969) também se adequaram às novas propostas.
Foi também um período de desenvolvimento na área de arte e educação. Grande parte das escolas particulares incluiu cursos em seus currículos, surgiram escolas especializadas em arte e os museus estimularam seus serviços ao público. Em 1971, o MAM-RJ implantou os Domingos de Criação, workshops criados por Frederico Morais. O Parque Lage concebeu, em 1975, sua Oficina do Cotidiano (cursos com professores artistas).
Em 1970, os artistas José Resende, Carlos Fajardo, Luís Paulo Baravelli e Frederico Nasser criaram em São Paulo a Escola Brasil. “O projeto da Escola, no meu entender, era viabilizar uma discussão inexistente no meio como forma de abrir espaço para novas produções e, com isso, realimentar nosso trabalho como artistas plásticos”, disse José Resende.(36)
A Escola Brasil serviu para a formação de importantes galeristas, como Luisa Strina e Regina Boni, da Galeria São Paulo, que viriam a comandar grandes espaços expositivos para a vanguarda artística brasileira e internacional.
Os anos 70 marcaram a entrada no mercado de Fernando Millan (1924-1998). Ex-diretor da mostra do 4º Centenário de São Paulo (1954), Millan dividiu inicialmente seus interesses entre as artes plásticas e o antiquário que manteve na rua Augusta, ainda nos anos 60. “Ele era muito amigo de artistas como Flávio de Carvalho, Milton Dacosta e Bonadei, que deixavam seus trabalhos lá para o meu pai vender”, conta seu filho Joca Millan.
As artes plásticas começaram a falar mais alto a partir de 1970, quando Millan inaugurou a Arte Exposições Edições Fernando Millan. A galeria ficava na avenida Europa, em uma casa projetada pelo arquiteto modernista russo Gregori Warchavchik e adaptada por Paulo Mendes da Rocha (no mesmo endereço onde hoje funciona a Galeria Thomas Cohn).
Transferiu-se para a alameda Gabriel Monteiro da Silva em 1986 e ali atuou até 1991, ao lado dos filhos André e Joca, revelando nomes como Tunga, Jac Leirner, Flávia Ribeiro e Ernesto Neto.
O boom dos anos 80
O galerista Paulo Figueiredo se destacou no mercado paulistano a partir do final dos anos 70. Seu envolvimento com arte começou por intermédio de dois outros galeristas: Giuseppe Baccaro e Emy Bonfim.
De Baccaro, Paulo Figueiredo comprou, em um leilão na avenida Paulista, em 1963, sua primeira obra de arte: uma gravura de Mira Schendel. “Acabei conhecendo-a e ela se tornou a artista da minha vida”, conta Figueiredo.
De Emy Bonfim, comprou a galeria.
“Eu sempre passava na galeria da Emy Bonfim, na rua Bela Cintra, para bater um papo e tomar um drinque no final da tarde. Comprava muita coisa lá. Em 1978, eu comentei que havia comprado uma coleção de desenhos de Anita Malfatti e ela perguntou se eu não queria comprar a galeria dela. Comprei e expus os desenhos, sem nem saber o que exporia depois”, relata Paulo Figueiredo.
Emy Bonfim havia sido proprietária da Galeria Atrium, na avenida São Luís, nos anos 60. Estava na rua Bela Cintra desde 1975.
Em 1982, Paulo Figueiredo se transferiu para um espaço de 800 metros quadrados na rua Mello Alves. Mudou-se para a rua Fernão Cardim em 1992 e ali ficou até 1995, quando fechou sua galeria. Figueiredo foi um dos responsáveis pelo boom do mercado nos anos 80 em São Paulo, ao lado de galerias como Subdistrito, Luisa Strina e São Paulo. O galerista continua envolvido com arte, como diretor do MAM-SP e representante da Christie’s no Brasil.
O Rio de Janeiro viveu nos anos 80 um de seus períodos áureos nas artes plásticas, com o surgimento da Geração 80 e de dezenas de galerias e marchands (poucas ainda em atividade).
Entre os galeristas, destacaram-se Thomas Cohn (hoje em São Paulo), César Aché, Paulo Roberto e Victor Arruda (Saramenha), Paulo Bittencourt e Luiz Buarque de Holanda, Paulo Klabin, José Otávio Montesanti e Anna Maria Niemeyer.
Naquele momento, o Rio de Janeiro ainda estava superando o trauma pelo incêndio do MAM-RJ, em 7 de julho de 1978, que destruiu 80% de seu acervo. O novo ponto de referência para a arte contemporânea era a Escola de Artes Visuais do Parque Laje, que, em 14 de julho de 1984, inaugurou a exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, reunindo 123 artistas emergentes de todo o país. A curadoria foi de Marcos Lontra, Paulo Roberto Leal (1946-1991) e Sandra Magger. O mercado também estava aquecido devido ao Plano Cruzado.
“Como havia muita divulgação na imprensa, muita gente quis abrir galeria, mas não seguiu adiante”, lembra Marcos Lontra. Segundo ele, os galeristas que se destacaram dentro da Geração 80 foram Thomas Cohn, César Aché e Rubem Breitman, este último já como sócio da Subdistrito, em São Paulo.
As galerias que mais se impuseram no mercado no período foram Thomas Cohn e Saramenha. A primeira trabalhou bastante a Geração 80, expondo artistas como Leonilson (1957-1993), Adriana Varejão, Leda Catunda, Sérgio Romagnolo, Luiz Zerbini e Daniel Senise. A Saramenha se destacou com os artistas dos anos 70, como Cildo Meireles, Antonio Dias, Tunga, Antonio Manuel (que lançou ali uma monografia homônima, em 1985, junto com uma individual).
A falta de distanciamento histórico em relação à Geração 80 fez com que cada colecionador, galerista ou artista elejesse seus próprios destaques da época.
O colecionador Gilberto Chateaubriand ressaltou o trabalho das galerias Thomas Cohn, Saramenha, Anna Maria Niemeyer e Petite Galerie. O ex-galerista Rubem Breitman (Subdistrito) acrescentou ainda Ipanema e Paulo Klabin. Paulo Fernandes, que entrou para o mercado em 1988, priorizou apenas três delas: Saramenha, Paulo Klabin e Thomas Cohn. O artista plástico Charles Watson, atualmente diretor do Centro de Arte Hélio Oiticica e professor no Parque Laje desde 1979, foi mais preciso: “Eu ía muito à Thomas Cohn, pois era onde os meus alunos expunham”.
Em São Paulo, a galeria que mais bem representava os cariocas era a Subdistrito, que surgiu de uma sociedade entre Rubem Breitman, João Sattamini, Felipe Crescenti e Carlos Zicardi (o Paraná).
Arquiteto e artista plástico, Rubem Breitman decorava as paredes de seu escritório com obras de arte. Junto com João Sattamini, abriu no início dos anos 70, no Rio, a Galeria Grupo B, que logo venderia para Luiz Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt (os dois marchands realizariam as primeiras individuais de Waltercio Caldas, em 1974, e de Carlos Zílio, em 1975). “Tiveram uma vida curta, mas intensa”, lembra o galerista Paulo Fernandes.
Depois de dirigir o Parque Laje (entre 1979 e 1983), Breitman aceitou convite de João Sattamini e se transferiu para São Paulo, onde inauguraram a Galeria Subdistrito, em 20 de maio de 1985, em espaço hoje ocupado pelo Gabinete de Arte Raquel Arnaud.
“Um dia, João Sattamini me ligou no Rio e disse que tinha mandado uma passagem para mim. Quando cheguei a São Paulo, vi o espaço que eles haviam comprado para abrir a Subdistrito Comercial de Arte. Não havia nada do gênero na cidade”, conta Rubem Breitman
“A Subdistrito representou um grande avanço nos anos 80 ao investir no artista jovem. Vendia-se muito naqueles anos. Era uma época de muito glamour pois as artes plásticas estavam na moda. No Rio, a Saramenha se destacava, com mostras de Tunga, Antonio Dias e José Roberto Aguilar”, lembra Joca Millan
A Subdistrito revelou nomes como Carlito Carvalhosa, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Luiz Zerbini, Marianita Luzzati, Niura Belavinha, Ana Horta e outros. “Tínhamos um grande espaço e era disso que a Geração 80 e os meninos da Casa 7 precisavam”, diz Rubem Breitman. A morte de João Sattamini e de Carlos Zicardi obrigou o encerramento das atividades da Subdistrito, em 1990.
Todo esse percurso descrito acima mais o fato de reunir em um mesmo espaço 15 galerias paulistanas de arte contemporânea faz crer que o mercado de arte no Brasil é viável e digno do investimento de todos os protagonistas dessa história, que ainda está sendo escrita.
Notas:
Presente no mercado desde o ínício dos anos 60 (sua primeira individual foi em 1964, na Galeria São Luís), Aguilar conhece a importância do marchand. Sabe que ele não é apenas um intermediário entre o artista e o comprador, mas sim um sujeito visionário que se coloca à frente do mercado.
O marchand, no entanto, tem sido visto como um ser intruso, uma “persona non grata” que macula a aura do objeto artístico ao abordá-lo como um bem de consumo, suscetível às regras mais básicas de mercado, como a lei da oferta e da procura.
Trata-se de uma visão limitada, que se pauta por preconceitos. Ela enxerga o marchand como um pária do circuito de arte e se nega a vê-lo também como o primeiro investidor, aquele que acompanha o olhar do artista e, assim como ele, geralmente está adiante de seu tempo.
Alguns reconhecimentos ao trabalho individual de marchands e galeristas vêm sendo feitos no Brasil nos últimos 15 anos. Em 1988, por ocasião do encerramento das atividades da Petite Galerie, o marchand Franco Terranova foi homenageado com uma grande mostra no Paço Imperial, no Rio.
Em 1994, por ocasião de seus 20 anos de atividade, a Galeria Luisa Strina ganhou uma mostra comemorativa no Masp. Em texto presente no catálogo, o curador Agnaldo Farias abordou a necessidade de valorização do trabalho dos marchands.
“Essa exposição tem como significado adicional o fato de ser um reconhecimento inédito feito a uma galeria comercial. A rigor ela merece ser interpretada como um marco nas relações entre marchands e museus. Uma prova de maturidade de um segmento que até bem pouco tempo enxergava em todos aqueles que se ocupam da comercialização de arte legítimos filisteus da cultura”, escreveu Agnaldo Farias.(1)
No ano seguinte, foi a vez da Casa Triângulo ter seus sete anos de atividades homenageados com mostra na Faap, intitulada “Amanhã, Hoje”. Sobre a exposição, o crítico Tadeu Chiarelli escreveu: “Vários bolsões artístico-culturais ainda torcem o nariz frente à importância crescente que, de uns tempos para cá, o mercado de arte vem assumindo no circuito. Sentem-se ameaçados pela suposta influência dos ‘vendilhões’ e desejariam expulsá-los, impedi-los, _se pudessem_, de permanecerem nos ‘templos sagrados da arte’... A hipocrisia ou ignorância desses setores não deixa vir à tona um fato fundamental: a profissionalização de qualquer circuito de arte passa necessariamente pelo mercado. Apenas o amadorismo pode prescindir dele”.(2)
As declarações de Agnaldo Farias e Tadeu Chiarelli ratificam a importância do galerista no mercado de arte, que só se configura a partir do esforço conjunto de artistas, marchands, curadores, diretores de museus, críticos, editores e colecionadores, além de instituições e políticas culturais.
Construído a partir de depoimentos de seus protagonistas e do reduzido material bibliográfico disponível sobre o tema, este painel histórico do mercado de arte no país pretende abrir caminhos para discussões e fazer justiça ao importante papel que iniciativas individuais representaram para a formação do mercado brasileiro de arte contemporânea.
A arte chega ao Brasil
O cenário das artes plásticas no Brasil só começou a se configurar no país a partir do século 19, com o surgimento de academias, museus, salões e o ensino institucionalizado de artes, aproximando assim o país dos padrões culturais europeus, principalmente franceses. (3)
Em 1808, a chegada da família real ao Brasil introduziu no país um sistema capitalista moderno, que proporcionou condições para o aumento de demanda no campo das artes. Surgiu assim a necessidade do ensino de técnicas para aprimoramento da produção artística.
A institucionalização do ensino das artes no Brasil deu-se, a partir de 1816, com a chegada da Missão Artística Francesa, a convite de D. João VI, tendo como principais membros Debret, Taunay e Lebreton.
Documentos de época, no entanto, identificam a existência do primeiro exemplar da categoria “artista” em meados de 1630, quando se fixou no Rio de Janeiro o primeiro pintor brasileiro nato: frei Agostinho de Jesus.
Dez anos depois da chegada dos artistas franceses, em 1826, foi fundada no Rio a Academia Imperial de Belas-Artes (Escola Nacional de Belas-Artes, a partir de 1890). A implantação da Academia marcou o início do ensino de artes no país(4), embora, também nesse caso, tenha-se notícias anteriores de ensino das artes, mais precisamente em 1800, quando, por carta régia, Manuel Dias de Oliveira foi nomeado professor de desenho e figura humana no Rio de Janeiro.
O primeiro salão de artes plásticas realizado no Brasil, pela Academia Imperial de Belas Artes, data de 1829, sendo aberto apenas a alunos e professores da Academia. Em 1840, o salão aceitou também não-alunos. O gosto dos habitantes locais pelas artes plásticas também se disseminou. Em 1879, a Exposição Geral de Belas Artes, no Rio de Janeiro, recebeu cerca de 30 mil visitantes.
O interesse pela produção artística e o sucesso das exposições criou a necessidade de uma comercialização mais eficaz dessa produção nativa. Surgiram então os primeiros negócios para a venda de quadros e antiguidades.
Uma das primeiras galerias de que se tem notícia é a Jorge, na rua do Rosário, no Rio de Janeiro. Fundada em 1907, por Jorge de Souza Freitas, a galeria logo se tornou um ponto de encontro da cidade, frequentado por artistas e intelectuais.
Seu sucesso comercial é notório. Em 1917, instituiu um prêmio a ser outorgado nos salões da Escola Nacional de Belas Artes. Também abriu filiais no Rio e em São Paulo.
O volume “Galeria Histórica dos Pintores no Brasil”, editado em 1914 por Laudelino Freire, traz uma página inteira de propaganda desta galeria, que oferecia, então, “quadros a óleo de grandes autores nacionais e estrangeiros”. (5)
A Galeria Jorge atuou até meados dos anos 40.
No início do século, São Paulo ainda não acompanhava os passos do Rio de Janeiro. Em 1910, a cidade não passava de uma província bastante atrasada culturalmente, com uma população de cerca de 240 mil habitantes. O fluxo crescente de imigrantes fez com que ela rapidamente ganhasse ares cosmopolitas e tivesse um aumento substancial em seu contingente. Em 1920, São Paulo contabilizava 500 mil habitantes.
A inauguração do Teatro Municipal, em 1911, com projeto do arquiteto Ramos de Azevedo, foi um marco no desenvolvimento cultural da cidade, que, naquele mesmo ano, realizou o 1º Salão de Belas-Artes, semelhante ao do Rio de Janeiro.
As mostras privadas de arte também se sucediam com alguma regularidade, geralmente em espaços improvisados no centro da cidade, muitas vezes alugados pelos próprios expositores.(6)
Este é o caso de Lasar Segall (1891-1957), que, em março de 1913, vindo da Alemanha, expôs pela primeira vez no Brasil em espaço alugado no centro de São Paulo. Em julho, realizou outra mostra, no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas. No final do mesmo ano, retornou a Dresden, deixando para trás algumas obras vendidas ou como presente para amigos e familiares.
No Rio de Janeiro dos anos 20 as artes plásticas possuíam um espaço de exposições alternativo, mas bastante eficaz: os salões do Palace Hotel, local que abrigou mostras de Portinari, Ismael Nery, Guignard, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Lasar Segall e outros.
Também as livrarias logo perceberam o potencial das artes e passaram a dividir seus espaços entre a comercialização dos livros e da produção artística, desempenhando assim um importante papel no desenvolvimento do gosto e da cultura estética do país, principalmente na provinciana São Paulo.
O artista pernambucano Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), por exemplo, realizou, em maio de 1920, uma mostra na livraria Moderna, de Jacinto Silva, à rua 15 de Novembro, em que apresentava 43 aquarelas e desenhos de temática indígena. No ano seguinte, foi a vez de Di Cavalcanti expor ali seus trabalhos. (7)
O Palácio das Indústrias, atual sede da Prefeitura de São Paulo, também abrigou exposições. Foi em uma coletiva no local, em 1925, que o pintor Volpi (1896-1988) vendeu seu primeiro trabalho: o retrato “Minha Irmã Costurando” (hoje na coleção de Rodolpho Ortenbrad Filho).
Nos anos 30, em São Paulo, já era grande a movimentação artística, graças às iniciativas da burguesia emergente e de artistas emergentes, que passaram a se reunir em agremiações, como a Sociedade Pró-Arte Moderna (Spam), o Clube dos Artistas Modernos, a Família Artística Paulista, o Grupo Santa Helena (formado basicamente por imigrantes italianos) e o Grupo Seibi-Kai (de imigrantes japoneses). Esses grupos foram responsáveis por iniciativas como o Salão Paulista e o Salão de Maio, muitas vezes em espaços adaptados ou nas poucas galerias do centro.
Em junho de 1934, por exemplo, Flávio de Carvalho (fundador do Clube dos Artistas Modernos, em 1931), realizou sua primeira individual, em um espaço alugado, no centro da cidade. A mostra teve uma grande visitação do público, mas também da polícia, que a fechou arbitrariamente.(8)
A última edição do paulistano Salão de Maio aconteceu em 1939, já em uma galeria privada, a Itá, que ficava na rua Barão de Itapetininga, uma importante artéria cultural da cidade na época. Muito ativa nos anos 40, a Itá realizou, em 1944, as individuais de estréia de Volpi (abril) e de Pennacchi (setembro).
A mostra de Volpi ganhou texto de Mário Schenberg, recebeu críticas positivas e teve todas as obras vendidas. Foi lá, por exemplo, que Mário de Andrade comprou uma marinha que hoje está no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
No Rio, os grupos de artistas também se mobilizavam, mas visando uma política de inserção no circuito e, posteriormente, no mercado. É o caso do Núcleo Bernardelli, que, no início da década de 30, reuniu artistas oriundos da classe média baixa carioca com o objetivo de democratizar o ensino de arte da Escola Nacional de Belas-Artes e incentivar a participação de novos artistas no Salão Nacional. Fundado em 1931, o Núcleo Bernardelli era formado por Pancetti, Milton Dacosta, Quirino Campofiorito, Rescala, Joaquim Tenreiro e outros.
A Segunda Guerra e o início do mercado
A eclosão da Segunda Guerra forçou o início da profissionalização do mercado de arte no Brasil. A Europa estava sendo destruída pela guerra (e com ela boa parte de seu mercado de arte e de seu acervo artístico) e isso proporcionou a busca de novos campos de trabalho. O Brasil foi um dos países que recebeu parte da nova leva de imigrantes. Os marchands e colecionadores Giuseppe Baccaro, Arturo Profili, Franco Terranova, Jean Boghici, Pietro Maria e sua mulher Lina Bo Bardi estavam entre eles. “Esses imigrantes deram uma altivez ao mercado que não era comum entre os brasileiros daquela época”, diz o marchand Antonio Maluf.(9)
No Rio, a galeria que mais se destacou nesses primórdios de mercado foi a Askanazy, considerada a primeira galeria de arte moderna do país. Inaugurada em 1945, a Askanazy entrou em evidência naquele mesmo ano, ao realizar uma mostra com obras vetadas pelo Terceiro Reich, de artistas como Kandinsky, Klee, Chagall, Kokoschka e Feininger.
Na mesma década, instituições como o IAB-Rio (Instituto dos Arquitetos do Brasil) também se tornaram ponto de referência para os artistas. Inaugurado em 1944, com uma mostra de Athos Bulcão (convidado por Oscar Niemeyer), o IAB-Rio realizou também a primeira individual do artista plástico e designer de móveis Joaquim Tenreiro, em 1946, um ano antes de ele abrir sua própria loja de móveis e galeria de arte: a Galeria Tenreiro, na rua Barata Ribeiro, no Rio.
Em São Paulo, a galeria de maior destaque neste momento seminal foi a Domus, de Pasquale e Ana Maria Fiocca. Importante reduto paulistano de artistas modernos, a Domus foi inaugurada em fevereiro de 1947, na rua Vieira de Carvalho, e realizou mostras individuais de Victor Brecheret (1948), Joaquim Tenreiro (1949), Flávio de Carvalho (1951) e Oswaldo Goeldi (1951).
Quando de seu fechamento, em 1952, o jornal “O Estado de São Paulo” publicou um artigo, no dia 3 de fevereiro, em que tratava do encerramento de suas atividades e fazia uma análise dos problemas do mercado na época, muitos dos quais se perpetuam até hoje.
Intitulado “Um problema”, o texto dizia: “Em São Paulo, nos três últimos anos, chegaram a existir, num certo momento, três ou quatro galerias de arte moderna. Pouco a pouco foram desaparecendo e somente a Domus se manteve por mais tempo, resistindo corajosamente a todas as dificuldades. Agora a simpática pequena galeria da Praça da República também se fecha, não encontrando meios materiais de subsistir aos problemas relacionados com as artes plásticas locais”.(10)
Em seguida, o texto (um editorial anônimo) sentencia que a crise nas artes plásticas se deve à falta de um verdadeiro “marchand”.(11)
Ao comentar a existência de “três ou quatro galerias de arte moderna” na cidade, o jornalista pode estar se referindo a estabelecimentos como Brasiliense, Ipiranga, Benedetti e Itapetininga.
A galeria da livraria Brasiliense, por exemplo, foi uma das mais ativas nos anos 40. Apenas em 1944, expôs Mário Zanini (maio), Aldo Bonadei (julho), Rebolo (agosto) e Renée Lefèvre (novembro).
A Galeria Ipiranga , na avenida homônima, promoveu, em 1945, quatro bailes carnavalescos com decoração de Volpi, Rebolo, Paulo Rossi Osir, Mário Zanini e Quirino da Silva para levantar fundos para o Clube dos Artistas e Amigos da Arte, o Clubinho, que foi ativo de 1945 a 1952, e abrigava mostras de pintores modernistas.
Em março de 1945, foi fundada a Galeria Benedetti, na rua Barão de Itapetininga, com uma mostra do Grupo Santa Helena. No mês seguinte, foi inaugurada a galeria Itapetininga, com obras de modernos e santelenistas (em 1950, realizou individual de Milton Dacosta).(12)
Arte e poder
Nos anos 50, várias iniciativas políticas e econômicas estimularam o desenvolvimento do país e, consequentemente, do mercado de arte, entre elas o Programa de Metas de Juscelino Kubitschek (“50 anos em 5”), a criação da Petrobras, em 1954, e o início da construção de Brasília, em 1956.
Naquele momento, São Paulo vivia um período de ebulição econômica e cultural. Surgiram as primeiras iniciativas institucionais direcionadas para a arte moderna, como a criação do MASP (1947), do Museu de Arte Moderna de São Paulo (1948) e da 1ª Bienal de São Paulo, por Ciccillo Matarazzo, em 1951, que colocaram a cidade na vanguarda da produção artística e ampliaram o campo já aberto pelas galerias profissionais.
O cenário artístico na época, no entanto, ainda era bastante precário. MASP e MAM-SP, por exemplo, funcionavam no mesmo endereço, à rua Sete de Abril, em um prédio dos “Diários Associados” adaptado pelo arquiteto Vilanova Artigas.
As duas instituições eram as fomentadoras do circuito das artes no período. Capitaneado por Pietro Maria Bardi (também dono da Galeria Mirante das Artes), o Masp construía seu acervo (o mais importante da América Latina) e dava passos na área de arte-educação (cursos de história da arte e de formação de monitores). O MAM-SP se fortaleceria no circuito a partir de 1951, como organizador da Bienal.
Apesar de a 1ª Bienal Internacional, em 1951, ter privilegiado artistas alinhados com as escolas européias de pintura (surrealismo, art nouveau, expressionismo etc.) ao convidar Brecheret, Segall, Maria Martins, Di Cavalcanti, Portinari, Guignard, Bruno Giorgi e Lívio Abramo, também abriu espaço para novas propostas artísticas, ainda não estabelecidas no mercado.
A 1ª Bienal foi a primeira oportunidade para os artistas concretistas paulistas exibirem suas propostas, entre eles Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luís Sacilotto, Abraham Palatnik, Lothar Charoux e Antônio Maluf (autor do cartaz do evento). Cordeiro era o grande teórico do movimento e já defendia a arte abstrata em críticas no jornal Folha de S. Paulo no final dos anos 40.
O mesmo MAM-SP abrigou, em 1952, a Mostra Manifesto do Grupo Ruptura, com os artistas Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e Lothar Charoux e os poetas Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Esta mostra veio a desencadear o movimento concreto em São Paulo.
A efervescência das artes plásticas na época era motivada ainda pela movimentação cultural na cidade, capitaneada por áreas como teatro (Teatro Brasileiro de Comédia) e cinema (Companhia Cinematográfica Vera Cruz e Clube do Cinema, no MAM-SP, o embrião da Cinemateca Brasileira).
O circuito das artes no Rio seguia ligado às lições acadêmicas da Escola Nacional de Belas-Artes, mas já dispunha de instituições de vanguarda, como o MAM-RJ, e os artistas cariocas contaram com o apoio quase incondicional da mídia, representada principalmente pelo crítico Mário Pedrosa (1900-1981).
Jornalista e ativista artístico desde 1946, quando criou a seção de artes plásticas no jornal carioca Correio da Manhã, Pedrosa foi um grande incentivador do Grupo Frente, uma iniciativa do pintor Ivan Serpa, que, a partir de 1954, reuniu a vanguarda artística do Rio de Janeiro e se colocou como a resposta carioca aos concretistas paulistanos.(13)
Mário Pedrosa é o autor do artigo “Paulistas e Cariocas” (Jornal do Brasil, 19 de fevereiro de 1957), que escreveu motivado pela 1ª Exposição de Arte Concreta. O artigo marca o início da cisão entre os concretistas paulistas e os neoconcretistas cariocas.(14)
Em 1959, o MAM-RJ inaugurou a 1ª Exposição de Arte Neoconcreta e o manifesto do Movimento Neoconcreto foi publicado no “Jornal do Brasil”, em 22 de março, assinado por Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Pape, Amílcar de Castro, Lygia Clark, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis.
Os concretistas paulistas Hércules Barsotti e Willys de Castro não romperam com os neoconcretistas e logo se incorporaram ao círculo carioca.
Willys é figura frequente nos principais momentos da arte brasileira contemporânea e do mercado, tendo sido mencionado como influência pelos galeristas Luisa Strina, Mônica Filgueiras, Raquel Arnaud e Fábio Cimino. Willys é um dos criadores da Associação de Artes Visuais Novas Tendências, em 1963, na Galeria NT, que comercializava obras de artistas concretistas.
Assim como no Rio, a imprensa paulista também se posicionou em relação ao mercado e às disputas artísticas do período. Em 1957, o Grupo Folha criou _numa iniciativa do industrial Isaí Leirner, então diretor do MAM-SP_ a Galeria de Artes das Folhas.
O novo espaço foi motivado por um protesto do artista plástico e arquiteto Flávio de Carvalho (1899-1973), que acusou a comissão organizadora da 4ª Bienal de São Paulo de privilegiar os concretistas.
A galeria foi inaugurada com a mostra “12 Artistas de São Paulo”, no saguão do edifício do jornal Folha de S. Paulo, na alameda Barão de Limeira, e instituiu um prêmio-aquisição anual, que gerou acervo para diversos museus brasileiros. Estavam na mostra de inauguração os artistas Moussia Pinto Alves, Felícia Leirner, Bela Karawaeva, Flávio de Carvalho, Mauro Francini, Bonadei, Odetto Guersoni, Jacques Douchez, Darci Penteado, José Antonio da Silva, Fracarolli e Samson Flexor. A galeria, ativa até 1961, acabou revelando nomes como Franz Weissmann, Nelson Leirner e Regina Silveira.
Outros nomes relacionados ao MAM-SP e à Bienal também se envolveram com o mercado de arte, como Arturo Profili, Giuseppe Baccaro e Biaggio Motta.
Profili foi o primeiro deles. Em 1958, então secretário-geral da Bienal, abriu sua Galeria Sistina.(15)
O empreendimento teve grande sucesso comercial, mas recebeu críticas de parte da classe artística, que se colocou contra o fato de um homem da Bienal ter negócios relacionados com as artes plásticas.
“Desde a primeira Bienal, os interesses comerciais dos marchands já se manifestavam. Diziam que eles determinavam os prêmios da Bienal e manipulavam os preços das obras. Quando Profili abriu sua Galeria Sistina, provocou uma marcha de protesto dos artistas na frente da galeria, que era no Conjunto Nacional. Ainda hoje existe uma aversão ao marchand, mas sem a agressividade daquele tempo”, contou o marchand e artista plástico Antonio Maluf. As relações entre marchands e Bienal também foram criticadas por Mário Pedrosa em 1970.(16)
O relacionamento entre galerias e Bienal era tão intenso nos anos 60 que, em 1967, chegou-se a instituir prêmios com os nomes de galerias como Cosme Velho (São Paulo) e Petite Galerie (Rio), concedidos na 9ª edição do evento. A artista Amélia Toledo ganhou os dois. “Um prêmio era julgado por uma comissão de São Paulo e o outro, pelo júri internacional. Naquele tempo não havia curador ainda e a organizadora da Bienal era a Radha Abramo. Foi uma ótima Bienal, com uma sala do Le Parc, as caixas do Gerchman...”, lembra Amélia Toledo.
O mercado de arte se intensificou ainda mais em 1959, quando a galerista Ana Maria Fiocca voltou ao mercado e inaugurou a Galeria São Luís, ali expondo, entre outros, Flávio de Carvalho em 1960, De Fiori em 1961 e Mira Schendel em 1963 (com texto de Mário Pedrosa). Em 1959 também foi inaugurada, em São Paulo, a Galeria de Arte André, ainda em atividade, mas que se dedica apenas à comercialização de seu acervo.
“Até hoje não existe uma galeria com o charme da São Luís. Ali vi grandes exposições de Sérgio Camargo ”, diz o marchand Ralph Camargo.
Uma nova figuração
Uma opção aos concretistas e neoconcretistas começou a se configurar a partir de 1964, com o Brasil já sob a ditadura militar. A crise provocada pela premiação de Robert Rauschenberg na Bienal de Veneza de 1963 e o desenvolvimento das pesquisas da arte pop fez com que os artistas do país procurassem novas formas de representação, permeadas de conotações políticas e sociais. Carlos Zílio, Arthur Barrio, Antonio Manuel, Carlos Vergara, Rubens Gerchman, Antonio Dias, Waldemar Cordeiro, Wesley Duke Lee e Nelson Leirner são alguns dos nomes mais atuantes nesse período.
Essa nova produção foi apresentada em exposições históricas, como Opinião 65, Opinião 66, Nova Objetividade Brasileira (1967) e 1º Salão da Bússola (1969), todas no MAM-RJ. A contrapartida paulistana se deu com as mostras Jovem Arte Contemporânea (JAC), no MAC-USP (de 1967 a 1974), e com o Panorama, no MAM-SP, exposição bienal criada em 1969 por Diná Lopes Coelho, ex-diretora do museu.
Hélio Oiticica participou da mostra Opinião 65 com o happening “Inauguração de Parangolé”. Em 1979, no texto “Situação da Vanguarda Brasileira”, editado no primeiro número da publicação Arte em Revista, Hélio abordou a questão ao dizer que a contribuição da vanguarda brasileira ao contexto internacional deveria ser por meio do experimentalismo, para que não parecesse cópia do pop americano ou do novo realismo francês. A movimentação cultural nos anos 60 era intensa, com manifestações em diversas áreas, como teatro (Oficina e Opinião), cinema (cinema novo) e música (tropicalismo).
Uma das personalidades mais atuantes nos anos 60, no Rio de Janeiro, é o marchand e poeta Franco Terranova, que se destacou no mercado a partir de 1954, ao adquirir a Petite Galerie, que pertencia ao escultor peruano Mário Agostinelli.(17)
Terranova nasceu em Nápoles, em 1923, e chegou ao Brasil em 1947, mas não como Pietro Maria Bardi, que veio apoiado por um magnata da mídia do calibre de Assis Chateaubriand (dono dos Diários Associados e criador do Masp). A história de conquistas de Terranova é citada num artigo de 1954 no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, que diz: “De 47 até hoje a história é recente: trabalhou como vendedor de balas e de materiais elétricos, como sacristão, por fome, numa igreja de uma cidadezinha do interior, e vendendo quadros no norte do Paraná”.(18)
Sua Petite Galerie era uma pequena loja na Avenida Atlântica, com 5 m x 4 m, onde o visitante tinha que baixar a cabeça para poder entrar. Ali expôs Volpi, Dacosta, Maria Leontina, Krajcberg, Pancetti e outros. “A Petite Galerie não tinha uma linha apenas. Eu tinha simpatia pelos neoconcretos, mas expus arte popular, como carrancas do rio São Francisco e ex-votos”, contou Terranova.
A galeria, no entanto, se mantinha graças à dedicação incondicional do marchand, que, para pagar o aluguel do espaço, trabalhou como estilista no departamento de “moda relax” das lojas Ducal.
O departamento foi criado por José de Carvalho, dono da Ducal, que acabou tornando-se sócio de Terranova na Petite Galerie e depois fundou a Bolsa de Artes do Rio de Janeiro, em 1971.
Em artigo datado de 1954, Terranova declarou: “Ainda acredito no Rio como um campo imenso a ser explorado para as galerias de arte moderna (...). E porquanto não seja ainda um ótimo negócio comercial (...) dá prazer mostrar ao povo obras de artistas que eles nunca teriam a oportunidade de conhecer”.(19)
O “marquês Terranova”, como o chama carinhosamente o colecionador Gilberto Chateaubriand, é considerado um dos criadores do mercado de arte carioca e se manteve em atividade até os anos 80. “Foi um período heróico entre 1954 e 1960. Só malucos faziam o que nós fazíamos”, diz Terranova.
Descobridor de jovens talentos, como Jac Leirner e Ernesto Neto (artista que Terranova indicou para fazer a cenografia do monólogo “Nijinsky”, em 1998, com Luis Mello), o marchand foi homenageado em 1988 com uma grande mostra no Paço Imperial, no Rio, por ocasião do encerramento de suas atividades.
Foi na Petite Galerie que Jean Boghici, outro artífice dos primórdios do mercado, estreou como galerista, ao realizar, em 1956, uma mostra do pintor primitivo Pedro Paulo Leal (1894-1968).
Boghici chegou ao Rio, vindo da Romênia, em 1949. Sem dinheiro ou documentos, passou as primeiras noites na praia de Copacabana. Para fugir da fiscalização, refugiou-se em Belo Horizonte, onde trabalhou como eletricista. De volta ao Rio, trabalhou como vitrinista nas lojas Ducal, de José de Carvalho.
Em 1958, começou a ficar famoso, mas ainda não como marchand. Ao deixar sua barba crescer, ficou parecido com Kirk Douglas no filme “Van Gogh”. A semelhança e o gosto pela arte fizeram com que fosse convidado para responder sobre a vida do artista holandês no programa de TV “O Céu é o Limite”, na extinta TV Tupi. Chegou perto do céu, pois ganhou cerca de US$ 200 mil, com os quais comprou um apartamento em Copacabana, um carro e pôde se dedicar exclusivamente às artes plásticas.
Abriu a Galeria Relevo em 1960 com uma mostra do romeno Emeric Marcier, seu conterrâneo. Naquele momento, já namorava com Lygia Clark, romance que ajudou-o a estreitar relações com os neoconcretistas e com toda uma nova geração de artistas.
Boghici entrou para a história em 1965, ao conceber com a galerista Ceres Franco a mostra Opinião 65. O evento reuniu artistas franceses da Escola de Paris e uma nova geração de artistas brasileiros que rompia com o abstracionismo de concretistas e neoconcretistas e propunha uma nova figuração. Entre os brasileiros estavam Rubens Gerchman, Antonio Dias, Hélio Oiticica, Wesley Duke Lee, José Roberto Aguilar, Flávio Império, Waldemar Cordeiro, Roberto Magalhães e outros. Segundo Boghici, a escolha do nome Opinião 65 foi inspirada em um samba de Zé Keti.(20)
Em 1969, desiludido com a perseguição política sofrida por seus amigos artistas, que deixavam o país, Boghici fechou a galeria (a última mostra foi de Wanda Pimentel) e partiu para a Europa, onde adquiriu obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Torres-García e uma enorme coleção de Debret. Com esse rico acervo nas mãos, voltou ao Brasil em 1976 e se estabeleceu novamente como marchand. “Era um verdadeiro caçador de quadros”, definiu a galerista carioca Anna Maria Niemeyer.(21)
Em 1979, retomou o trabalho como marchand e inaugurou a Galeria Jean Boghici, em Ipanema, com uma mostra de Joaquím Torres-García. Atua no mesmo local até hoje.
O terceiro vértice do triângulo das artes no Rio nos anos 60 era a galeria Bonino, de Giovanna e Alfredo Bonino. Inaugurada com uma coletiva, em 1960, naquele mesmo ano realizou a primeira individual de Lygia Clark em galeria comercial. Ficou conhecida pela voracidade com que se impunha no mercado.
“A Bonino tinha contratos com artistas como Portinari, Bandeira, Djanira e Lygia Clark. Ela comprava pintura ainda molhada... A Petite representava Dacosta, Guignard, Scliar, Rubem Valentim... Eu, que não tinha como disputar artistas, representava Marcier, que era romeno como eu, e comprava obras antigas de artistas importantes, que vendia como acervo”, diz Jean Boghici.
O artista goiano Siron Franco, que expôs na Bonino em 1978, conta que realizar uma mostra na galeria dava muito prestígio: “A Bonino exibia grandes nomes nos anos 60, como Di Cavalcanti e Portinari. Quem expunha lá estava feito. Eu saía de Goiás para ver as mostras da Bonino, no Rio”.
Convém ainda lembrar o trabalho de vanguarda realizado por espaços alternativos, como a Galeria G4, que, em abril de 1966, montou a coletiva “Pare”, com obras de Antonio Dias, Pedro Escoteguy, Rubens Gerchman, Roberto Magalhães e Carlos Vergara. Dirigida pelo fotógrafo David Drew Zingg, a G4 apresentou, naquele mesmo ano, “Manifestação Ambiental nº 1”, mostra de Hélio Oiticica.
Em São Paulo, nos anos 60, outro imigrante se destacou no mercado de arte: Giuseppe Baccaro, que havia chegado ao país em 1956, proveniente da minúscula cidade de Rocca Mandolfi, na Itália.
“Eu queria ir para um lugar selvagem, mas cheguei aqui e já estava tudo desmatado. Tinha algum dinheiro, mas gastei tudo na noite. É fácil gastar dinheiro aqui no Brasil”, lembrou Baccaro, que hoje vive em Olinda.
Seu primeiro negócio no país foi um jornal dedicado à colônia italiana. Chamava-se Progresso Ítalo-Brasileiro e tinha uma sessão de arte, assunto que logo interessou Baccaro.
“Passei a ter contato com os artistas. Fui ver Flávio de Carvalho na fazenda dele em Valinhos. Conheci Tarsila do Amaral, que estava sozinha e esquecida em seu apartamento. Encontrei a Anita Malfatti largada em uma casinha em Diadema.”
Baccaro abriu sua primeira galeria, a Selearte (nome de uma revista italiana de arte), na rua Augusta, em 1962, com uma exposição de Heitor dos Prazeres. No mesmo ano, realizou individual de Mira Schendel e, em 1964, uma retrospectiva de Paulo Rossi Osir.
Em 1965, Baccaro ampliou seu campo de atuação ao fundar a Casa de Leilões, iniciativa que monopolizou o mercado paulistano na época. “Ninguém conhecia nada naquele tempo. Um dia eu vi umas aquarelas com a assinatura IN, de Ismael Nery, e me apaixonei. Comprei centenas de trabalhos dele.”
Os leilões haviam se tornado uma febre na cidade de São Paulo a partir de 1961. Em 17 de novembro daquele ano, o jornal O Estado de São Paulo publicou a seguinte manchete: “O maior evento em artes plásticas depois da Bienal Internacional”, referindo-se ao Primeiro Grande Leilão Beneficiente, empreendimento da comunidade judaica de São Paulo pró construção do Hospital Albert Einstein.
“O mercado de arte era dominado pelos leilões beneficentes do Hospital Albert Einstein e pelos leilões comerciais do Giuseppe Baccaro. Ele foi o responsável pela verticalização do mercado”, diz o marchand Antonio Maluf.
Entre os méritos de Baccaro está também o fato de ter redescoberto e divulgado a obra de Ismael Nery (1900-1934). Sobre ele, escreveu um artigo no primeiro e único número da revista surrealista A Phala, em 1965, quando cinco telas suas foram incluídas na sala especial Surrealismo e Arte Fantástica, na 8ª Bienal de São Paulo. Em 1974, Baccaro curou a mostra “Ismael Nery - 1900-1934”, no Masp, com 104 desenhos, guaches e aquarelas do artista.
Bardi, presidente do Masp, e Baccaro se conheciam bem. Em 1966, tornaram-se sócios na Galeria Mirante das Artes, que Bardi mantinha na esquina da rua Estados Unidos com a rua Augusta. Naquele mesmo ano, Baccaro fundou a Galeria Art Art, que logo passaria para Ralph Camargo.
Em 1970, o marchand trocou São Paulo por Olinda. “Eu estava cansado de vender obras caras para colecionadores ricos. Não é possível que 90% dos acervos no Brasil estejam em mãos de colecionadores particulares enquanto os museus estão à mingua”, diz Baccaro.
Na cidade pernambucana de Olinda, Baccaro fundou uma instituição direcionada às crianças carentes, a Casa das Crianças de Olinda, que já atendeu cerca de 21 mil crianças. Para criá-la, desfez-se de quase todo seu acervo. Conserva, no entanto, sua biblioteca com cerca de 30 mil volumes de livros, mapas e gravuras raras, além de cartas e autógrafos ilustres.
“Baccaro é o marchand que eu mais respeitei, pela sua originalidade, força e conhecimento. Ele foi o inventor do mercado de arte no Brasil”, diz Ralph Camargo.
Os serviços prestados por Baccaro ao mercado de arte, no entanto, também foram alvo de críticas. Um artigo no jornal Folha da Tarde, em 1974, caracterizou o reinado de Baccaro como um período de “muito abuso”.(22)
Entre o moderno e a vanguarda
Foi pelas mãos de Giuseppe Baccaro que Ralph Camargo iniciou sua carreira profissional de galerista, em 1966, como sócio _e depois proprietário_ da Galeria Art Art, em São Paulo.
Ralph já tinha envolvimento com o mercado. Desde 1963, com apenas 20 anos de idade, mantinha um escritório de arte na rua Nestor Pestana (transferiu-se depois para a rua José Clemente).
O galerista superou sua precocidade no mercado com uma boa idéia. Anunciou a venda de obras de arte na seção Negócios e Oportunidades do jornal O Estado de São Paulo. “Era algo inédito e me deu um grande retorno. Eu trabalhava basicamente com modernos, mas alguns contemporâneos, como o Wesley Duke Lee, já me interessavam.”
Em 1966, foi trabalhar com Baccaro na Art Art. “O Baccaro logo saiu. Em menos de seis meses eu era o único dono. Criei então a primeira galeria de arte contemporânea deste país, onde mostrei Rubens Gerchman, Wesley Duke Lee, José Roberto Aguilar, Carlos Vergara e Hélio Oiticica.” A Art Art expôs ainda os quatro artistas que viriam a formar a Escola Brasil: Frederico Nasser, Luís Paulo Baravelli, Carlos Fajardo e José Resende.
As galeristas Luisa Strina e Mônica Filgueiras acreditam que Ralph Camargo tenha sido o primeiro galerista de arte contemporânea da cidade. “A Art Art revolucionou a maneira de fazer exposições. Tocávamos rock e dançávamos nos vernissages. A Rita Lee não saia de lá”, conta Mônica, que trabalhou na galeria e se casou com Ralph.
Depois da Art Art, fechada em 1969, Ralph fundou ainda duas outras galerias: a Ralph Camargo (1970-1973) e a R e R (1975-1978), em sociedade com seu irmão Ricardo Camargo, que mantém hoje uma galeria que leva seu nome em São Paulo. A R e R, no entanto, não trabalhou com arte contemporânea, mas apenas com obras históricas e até mesmo arqueológicas.
“Chega de vanguardinhas, de coisas comuns, efêmeras. Agora só acredito na arte que sobreviveu ao tempo e às paixões. Não suporto mais arte de vanguarda, de pesquisa, experimental. Não quero nem saber de arte intelectualizada do tipo da Arte Global. É um horror!”, declarou Ralph ao abrir a R e R.(23)
O marchand se referia à Galeria de Arte Global, um braço artístico da Rede Globo idealizado por Walter Clark e que era dirigida, em São Paulo, por Raquel Arnaud e, no Rio, por Franco Terranova. A galeria marcou época por produzir e comercializar gravuras a preços muito reduzidos, sempre com publicidade na TV Globo.
Ralph revê hoje aquela sua postura anti-arte de vanguarda. “A Lygia Clark e o Hélio Oiticica são hoje grandes valores econômicos, mas, naquela época, eles só representavam despesas. Pagava-se tudo e ainda comprava-se boa parte das obras expostas. Eu tive um trauma e não queria mais ver aquilo pela frente. Eu paguei o preço por vir antes de todo mundo.”
Com o fim da R e R, o galerista se transferiu para o Rio, onde abriu uma galeria com seu nome. Atualmente atua com seu escritório de arte, mas, de olho no mercado emergente da Barra da Tijuca, pretende abrir nova galeria, no promontório da Joatinga, em uma casa projetada por Zanine Caldas.
Junto com a Art Art, pelo menos outras quatro galerias paulistanas tiveram papel relevante no mercado dos anos 60: Astréia, Atrium, Cosme Velho e Seta.
A Cosme Velho surgiu da união de forças de três proeminentes profissionais liberais: o arquiteto Cesar Luis Pires de Mello, o advogado Arthur Octavio Camargo Pacheco e o economista Flávio de Almeida Prado.
Foi inaugurada em 16 de março de 1966, numa “noite inesquecível, com bastante amizade, alegria, beleza e muito _mas muito_ champanhe mesmo! A Alameda Lorena foi fechada. Os capôs dos carros serviam de bandejas para os comes e bebes”, declarou o marchand Cesar Luis Pires de Mello.(24)
Foi a primeira galeria de São Paulo a programar suas exposições com um ano de antecedência, publicando calendários-agenda muito disputados pelo público, pois traziam reproduções coloridas das obras de seus artistas. Com isso, corria certo risco pois a representação de artistas não era seguida com muita rigidez. Mira Schendel, por exemplo, realizou uma individual na Selearte em 1962, uma outra na São Luís em 1963 e uma terceira, na Astréia, em 1964.
A Cosme Velho foi responsável por grande parte da agitação cultural dos Jardins nas décadas de 60 e 70. Possuía auditório, biblioteca e bar (o Bar Bitúrico) em suas dependências e recebia, além de artistas plásticos, cantores, poetas, escritores e políticos. “Lá o Roberto Carlos comprou um lindo quadro de Tomie Ohtake”, acrescentou Pires de Mello.(25)
A Cosme Velho também causou uma reviravolta na vida do artista plástico Antonio Maluf (autor do cartaz da 1ª Bienal de São Paulo) que, depois do grande sucesso em uma mostra ali realizada, resolveu se tornar marchand e comprou a Galeria Seta.
A Seta foi fundada por Pedro Manuel Gismondi e Maria Cecília Gismondi em 1962. Realizou grandes mostras, como a de José Roberto Aguilar (com texto de Jorge Mautner), em 1966, e a de Nelson Leirner, em 1967, quando o artista mostrou ali seus múltiplos “Homenagem a Fontana”, vendendo-os pelo preço de custo: 112 cruzeiros novos.(26)
No ano seguinte, a Seta foi comprada por Antonio Maluf. “O Cesar Luis Pires de Mello havia organizado uma mostra de trabalhos meus. Eu nem fui ao vernissage, pois estava trabalhando na Seta, que já estava à venda. Na saída, por volta de meia-noite, passei na frente da Cosme Velho e encontrei o Flávio de Almeida Prado na porta, que me disse que tinham vendido todos os meus trabalhos. Com aquele dinheiro acabei comprando a Seta. Aprendi logo que era mais fácil vender as obras dos outros que as minhas”, conta Antonio Maluf, hoje artista e marchand, que realizou ali mostras importantes, como “Surrealismo e Arte Fantástica”, em 1970, com obras de Ismael Nery, Walter Levi e Siron Franco, entre outros.
A Galeria Seta ficou aberta ao público até 1986, quando Maluf a transformou em escritório de arte, ainda em atividade.
Outro trio de peso inaugurou a Galeria Atrium, em 1962: Tito Zarvos, Clóvis Graciano e Paulo Bonfim. A galeria funcionou em dois andares, no edifício Zarvos, na avenida São Luís. No ano seguinte, passou para as mãos de Emy Bonfim.
A Atrium prestigiou a arte de vanguarda e os emergentes da época. Foi lá que Waldemar Cordeiro expôs pela primeira vez, em 1964, seus “popcretos” (obras em que procurava conciliar as propostas da nova figuração pop e do concretismo). Nelson Leirner causou furor e polêmica em 1965 ao apresentar ratos em vidros de formol. A galeria expôs ainda Amélia Toledo, Mário Gruber (primeira individual) e Hélio Oiticica (com texto de Mário Schenberg). Fechou em 1970.(27)
A Galeria Astréia surgiu de uma sociedade entre livreiros _Carlos Rizinni e Stephan Geyerhan_ e foi inaugurada em agosto de 1961, na praça Ramos de Azevedo. Mais afeito às pinturas acadêmicas, Rizinni logo desistiu da sociedade.
A galeria se destacou por trabalhar com nomes estabelecidos da arte moderna, como Portinari, Di Cavalcanti, Bonadei e outros. “Guardadas as devidas proporções, a Astréia era a Camargo Vilaça da época”, diz o marchand Antonio Maluf. “Todo o giro intelectual, artístico e cultural estava entre a avenida São Luís e a praça Ramos de Azevedo, na Galeria Astréia. Foi ela que lançou o Raimundo de Oliveira em São Paulo e isso já é um grande mérito”, acrescentou Ralph Camargo. A galeria se transferiu para a rua Padre João Manoel em 1970, passou a trabalhar apenas com acervo em 1974 e fechou definitivamente em 1980.
Todo o desenvolvimento do mercado de arte nos anos 60 foi também motivado pela eficiente presença da crítica nos principais jornais do Brasil, que publicavam textos de Mário Pedrosa, Frederico Morais, Mario Barata, Walter Zanini, Ferreira Gullar, Antonio Bento e Mário Schenberg, entre outros (alguns desses críticos também não se privavam de escrever textos entusiasmados para os catálogos de seus prediletos).
A Rex Gallery e os anos rebeldes
O momento aparentemente dinâmico e harmonioso do mercado, no entanto, não satisfazia a todos e motivou novas atitudes estéticas que questionavam os mecanismos de comercialização e o mercantilismo da arte contemporânea.
Uma das figuras mais atuantes e contestadoras do período foi o artista plástico Wesley Duke Lee. Em 1963, Wesley comandou um histórico happening no João Sebastião Bar, no centro de São Paulo, próximo ao Mackenzie.
“Eu havia desenhado uma série de mulheres com cinta-liga. Não havia nada de pornográfico, mas ninguém queria expor. Decidi então mostrá-los no João Sebastião Bar, que era uma boate no centro da cidade. Como lá era tudo escuro, eu emprestava lanternas para as pessoas verem os desenhos. Só não foi o primeiro happening do Brasil pois antes já havia aparecido o ‘grande chefe’ Flávio de Carvalho”, diz Wesley.
O artista se refere ao happening que Flávio de Carvalho realizou em 1956, quando desfilou no vale do Anhangabaú o seu “New Look”, proposta de traje de verão para homens composto por sandálias de couro, meias-arrastão, saiote com pregas e blusa de náilon.
“Wesley Duke Lee dividiu a cena contemporânea nos anos 60, com seu happening no João Sebastião Bar. O movimento artístico paulistano até então era muito interiorizado. Os artistas viram então que podiam sair de seus ateliês”, diz Mônica Filgueiras.
Três anos depois, em junho de 1966, Wesley foi um dos mentores intelectuais e criadores da Rex Gallery, junto com Geraldo de Barros, Carlos Fajardo, José Resende, Frederico Nasser, Thomaz Souto Corrêa e Nelson Leirner. (28)
A Rex era uma espécie de cooperativa de artistas, criada para questionar em bases irreverentes o sistema de comercialização, a crítica de arte, o incipiente mercado editorial e a falta de espaços alternativos para experiências de vanguarda. Possuía seu próprio espaço expositivo e um veículo de informação, o Rex Time, que veiculava as contestadoras idéias do grupo.
“A Rex também foi uma espécie de protesto, mas na forma de uma cooperativa. Queríamos mais espaço para a arte de vanguarda e experimental. A crítica era muito conservadora naquela época e nossa reação acabou funcionando. Ela iluminou aquele momento e nos fez ver tudo o que estava acontecendo à nossa volta”, diz Wesley Duke Lee.
A Rex Gallery durou apenas até 1967 e encerrou as atividades com a mostra “Exposição Não-Exposição”, de Nelson Leirner, em que o espectador podia levar para casa as obras expostas, se conseguisse, uma vez que estavam todas presas (com correntes ou chumbadas na parede). Para isso, os organizadores forneciam serras, serrotes e martelos.(29)
Em 1972, Wesley publicou um protesto contra as galerias e o mercado de arte no jornal O Estado de São Paulo: “Wesley Duke Lee, artista pintor, discordando do sistema atual de especulação irreal com obras de arte; com a irresponsabilidade, leviandade e irreverência de galerias, leilões, vendedores, etc; percebendo que os comerciantes de arte estimulam a confusão e o amadorismo com fins meramente comerciais, decide que de ora pra frente exporá somente em Museus ou Salas Públicas, atenderá, mostrará e venderá seus trabalhos diretamente aos interessados em seu atelier. Marcar hora com Dona Ana pelo telefone 269-4859, em Santo Amaro, na Avenida João Dias, 480”.(30)
“Estava havendo uma farra na Bolsa de Valores de São Paulo, na época do Delfim Netto. Foi naquele momento que apareceu o Paolo Businco, da Collectio. Ele começou a fazer leilões e as galerias simplesmente pararam de trabalhar, pois levavam tudo para ele. Ele desorganizou o mercado, mas teve vida curta. Era tudo muito arbitrário e perverso. Ele colocava tudo em uma imensa fogueira. Só depois que terminou essa fraude é que as galerias se tornaram conscientes de seu trabalho”, diz Wesley.
O escândalo da Collectio
Em 1969, a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) não provocou apenas o fim das liberdades democráticas do país. Naquele momento iniciou-se também a regulamentação do mercado de capitais, coordenada por Delfim Netto. As novas leis da economia transformaram a obra de arte em opção de investimento e em bom item para financiamento dos bancos. Isso motivou um novo desenvolvimento do mercado, mas também provocou o maior escândalo de que se tem notícia no meio das artes: a Galeria Collectio.
Tudo começou no final de 1969. Um certo José Paulo Domingues da Silva publicou um anúncio na imprensa em que se mostrava interessado em comprar “obras de artistas modernos brasileiros”. O anúncio interessou ao galerista Ralph Camargo, que entrou em contato.
“Fizemos alguns negócios, mas nunca fomos sócios. Cheguei a vender algumas obras para ele. Ele me pedia conselhos, diretrizes do mercado e sugestões. Eu colaborei com ele, mas nem fui ao vernissage de inauguração da galeria. Ele era escorregadio e eu percebi que ali tinha areia movediça. Havia uma atração, mas senti também que havia algum problema”, diz Ralph Camargo.
Os problemas eram vários. José Paulo Domingues da Silva, na verdade, era Paolo Businco, um italiano nascido em Cagliari, em 1929, que estava foragido de seu país e já vinha sendo perseguido pela Interpol por estelionato. Chegou ao Brasil com a mulher e quatro filhos em 1966 e inicialmente se dedicou a trabalhos menos glamourosos, como uma doceria na rua Estados Unidos e o comércio de sapatos finos desenhados por sua mulher.
Esses negócios não estavam, no entanto, à altura da ambição de Businco, que logo viu no mercado de arte um bom campo de trabalho.
Ele dispunha de um capital de Cr$ 550 mil (cerca de US$ 130 mil, uma verdadeira fortuna para a época). O dinheiro era financiado por um cidadão não identificado e foi aplicado na compra de obras de arte moderna.
Em 20 de novembro de 1969, Businco inaugurou a Collectio, com cerca de 50 obras de alta qualidade. Segundo artigo publicado no Jornal da Tarde, a Collectio vendeu sua primeira obra em dezembro daquele mesmo ano: o quadro “O Morro de Santo Antonio”, de Cândido Portinari.(31)
“Comprei a obra na própria galeria. Minha mulher queria comprar um quadro realmente bom, um Portinari, e amigos me disseram que ali eu poderia encontrar alguma coisa”, diz o colecionador Michel Amin Jereissati.
As vendas, no entanto, não saíram como planejado e isso forçou Businco a mudar de estratégia. Assessorado pela galerista Mônica Filgueiras, então sua funcionária, comprou mais obras e passou a promover grandes leilões, que chegavam a receber cerca de mil pessoas, atraídas por anúncios de página inteira no jornal O Estado de São Paulo. Businco propunha a venda das obras já com financiamento garantido por bancos da época.
Um dos momentos históricos dos leilões foi a venda, em 1972, de uma tela de Ismael Nery por US$ 50 mil, valor que na época era o recorde para uma obra de um artista brasileiro.
“Lembro quando o colecionador Domingos Giobbi comprou um Ismael Nery no leilão da Collectio por Cr$ 276 mil. Em valores de hoje, seria algo como um milhão de dólares... Se não de fato, pelo menos na sonoridade”, diz o marchand Ralph Camargo.
O clima era de entusiasmo. As vendas se sucediam, a produção circulava e o mercado parecia estar sedimentado. Ninguém poderia imaginar que tudo não passava de uma farsa. Muitas das vendas eram fictícias, os empréstimos eram feitos com base em falsa documentação, a mesma obra servia de garantia de empréstimo para várias instituições. Era um mercado forjado pela falta de escrúpulos de Paolo Businco (ou José Paulo Domingues da Silva, como dizia sua carteira de identidade de Itapecerica da Serra).
O fim da Collectio se anunciou no final de 1973. As dívidas de Domingues com financeiras se acumularam e ele teve que dar as obras como garantia de pagamento a instituições como Finansul Industrial, Áurea e Crecif.
No dia 26 de dezembro de 1973, Businco passou a noite inventariando as obras do acervo da Collectio. Na manhã do dia seguinte, morreu vítima de um enfarto fulminante. O folclore e as falcatruas em torno de seu nome eram tão grandes que se chegou a cogitar que o cadáver enterrado não era o verdadeiro.
“O José Paulo Domingues entrou no mercado de forma avassaladora e insuflou uma nova energia no circuito, mas agiu como um banco e valorizou o mercado de forma artificial. A Collectio causou um grande mal. Seus leilões eram ficção pura. Só tinha laranja comprando. O mercado ainda era incipiente e ficou abalado por uns dois anos. Foi uma decepção muito grande, um momento negro”, declara Ralph Camargo.
“Ele implantou no país a idéia de arte como investimento. Depois que ele quebrou, criou-se um vazio enorme no mercado”, complementa Antonio Maluf.
A morte de Businco provocou uma séria retração no mercado de arte, que viu exposta toda a sua fragilidade.(32)
Com o fim da Collectio, a galerista Mônica Filgueiras, então assistente na galeria, associou-se a Raquel Arnaud na criação do Gabinete de Artes Gráficas, galeria dedicada exclusivamente a trabalhos em papel e que funcionou entre 1974 e 1980 no endereço ocupado anteriormente pelo braço paulistano da carioca Petite Galerie, na rua Haddock Lobo.(33)
Multiplicidade de formas e conceitos
O escândalo da Collectio deu um susto no mercado, que se recuperou graças a iniciativas institucionais, ao desenvolvimento econômico e cultural do país e a uma nova percepção do objeto artístico por parte de artistas, galeristas, curadores e espectadores.
Nos anos 70, o Brasil atravessava o “milagre econômico”, o que gerou um novo surto desenvolvimentista e uma idéia de integração nacional, também conectada à euforia nacionalista gerada pela conquista do tricampeonato mundial de futebol.
Novas formas de manifestação artística também começaram a ser prestigiadas, como arte afro-brasileira e arte popular (em 1969, Lina Bo Bardi organizou a mostra “A Mão do Povo Brasileiro”, no Masp).
O mercado estava motivado e se expandiu para centros fora do eixo Rio-São Paulo, como Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Blumenau e Campina Grande.
O mercado editorial também acompanhou esse crescimento e viu proliferar diversas publicações especializadas, embora de curta duração, como Arte em Revista, Forma, Artes: Hoje, Mirante das Artes, Malasartes, Revista GAM (Galeria de Arte Moderna), Vida das Artes e outras.
No domínio estético, os anos 70 foram marcados pelo desenvolvimento da arte conceitual no país e pela introdução de novas mídias e linguagens (fotografia, vídeo, arte ambiental, arte-xerox, arte em computador, super-8, mail-arte, cadernos, livros de artista, artes gráficas, performances e intervenções urbanas), passando assim a atuar sobre diferentes focos de percepção.(34)
Uma das intervenções noticiadas pela imprensa foi a “Operação X-Galeria”, em 2 de julho de 1979, protagonizada pelo grupo 3NÓS3, formado por Rafael França (1957-1991), Hudinilson Jr. e Mário Ramiro.(35)
As novas intervenções e obras ambientais (depois chamadas instalações) reuniam diversos tipos de linguagem em um único trabalho e produziam novas experiências e formas de percepção da obra de arte e do espaço. Nesse momento, se destacaram nomes como Wesley Duke Lee, Waltercio Caldas, Cildo Meireles, Tunga e José Resende, artistas que romperam com as definições clássicas de escultura.
Wesley novamente se apresentou como vanguarda, por trabalhos como “O Helicóptero” (1967-1969) e toda a mostra “Iconografias Botânicas”, realizada na Galeria Ralph Camargo, em 1970, com 21 obras ambientais. “Eram retratos em que o Wesley transportava personagens importantes para um universo particular e os representava com vários materiais, inclusive um vaso com planta”, lembra o galerista Ralph Camargo.
Toda essa produção exigiu novos espaços expositivos (privados e institucionais), novas políticas culturais e uma nova relação com o público. Um reflexo desse movimento foi a criação de instituições culturais, como a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (iniciativa do artista plástico Rubens Gerchman em substitução ao antigo Instituto de Belas Artes) e a Funarte, ambas em 1975. Espaços como MIS-RJ (1965), MIS-SP (1969) e Paço das Artes (1969) também se adequaram às novas propostas.
Foi também um período de desenvolvimento na área de arte e educação. Grande parte das escolas particulares incluiu cursos em seus currículos, surgiram escolas especializadas em arte e os museus estimularam seus serviços ao público. Em 1971, o MAM-RJ implantou os Domingos de Criação, workshops criados por Frederico Morais. O Parque Lage concebeu, em 1975, sua Oficina do Cotidiano (cursos com professores artistas).
Em 1970, os artistas José Resende, Carlos Fajardo, Luís Paulo Baravelli e Frederico Nasser criaram em São Paulo a Escola Brasil. “O projeto da Escola, no meu entender, era viabilizar uma discussão inexistente no meio como forma de abrir espaço para novas produções e, com isso, realimentar nosso trabalho como artistas plásticos”, disse José Resende.(36)
A Escola Brasil serviu para a formação de importantes galeristas, como Luisa Strina e Regina Boni, da Galeria São Paulo, que viriam a comandar grandes espaços expositivos para a vanguarda artística brasileira e internacional.
Os anos 70 marcaram a entrada no mercado de Fernando Millan (1924-1998). Ex-diretor da mostra do 4º Centenário de São Paulo (1954), Millan dividiu inicialmente seus interesses entre as artes plásticas e o antiquário que manteve na rua Augusta, ainda nos anos 60. “Ele era muito amigo de artistas como Flávio de Carvalho, Milton Dacosta e Bonadei, que deixavam seus trabalhos lá para o meu pai vender”, conta seu filho Joca Millan.
As artes plásticas começaram a falar mais alto a partir de 1970, quando Millan inaugurou a Arte Exposições Edições Fernando Millan. A galeria ficava na avenida Europa, em uma casa projetada pelo arquiteto modernista russo Gregori Warchavchik e adaptada por Paulo Mendes da Rocha (no mesmo endereço onde hoje funciona a Galeria Thomas Cohn).
Transferiu-se para a alameda Gabriel Monteiro da Silva em 1986 e ali atuou até 1991, ao lado dos filhos André e Joca, revelando nomes como Tunga, Jac Leirner, Flávia Ribeiro e Ernesto Neto.
O boom dos anos 80
O galerista Paulo Figueiredo se destacou no mercado paulistano a partir do final dos anos 70. Seu envolvimento com arte começou por intermédio de dois outros galeristas: Giuseppe Baccaro e Emy Bonfim.
De Baccaro, Paulo Figueiredo comprou, em um leilão na avenida Paulista, em 1963, sua primeira obra de arte: uma gravura de Mira Schendel. “Acabei conhecendo-a e ela se tornou a artista da minha vida”, conta Figueiredo.
De Emy Bonfim, comprou a galeria.
“Eu sempre passava na galeria da Emy Bonfim, na rua Bela Cintra, para bater um papo e tomar um drinque no final da tarde. Comprava muita coisa lá. Em 1978, eu comentei que havia comprado uma coleção de desenhos de Anita Malfatti e ela perguntou se eu não queria comprar a galeria dela. Comprei e expus os desenhos, sem nem saber o que exporia depois”, relata Paulo Figueiredo.
Emy Bonfim havia sido proprietária da Galeria Atrium, na avenida São Luís, nos anos 60. Estava na rua Bela Cintra desde 1975.
Em 1982, Paulo Figueiredo se transferiu para um espaço de 800 metros quadrados na rua Mello Alves. Mudou-se para a rua Fernão Cardim em 1992 e ali ficou até 1995, quando fechou sua galeria. Figueiredo foi um dos responsáveis pelo boom do mercado nos anos 80 em São Paulo, ao lado de galerias como Subdistrito, Luisa Strina e São Paulo. O galerista continua envolvido com arte, como diretor do MAM-SP e representante da Christie’s no Brasil.
O Rio de Janeiro viveu nos anos 80 um de seus períodos áureos nas artes plásticas, com o surgimento da Geração 80 e de dezenas de galerias e marchands (poucas ainda em atividade).
Entre os galeristas, destacaram-se Thomas Cohn (hoje em São Paulo), César Aché, Paulo Roberto e Victor Arruda (Saramenha), Paulo Bittencourt e Luiz Buarque de Holanda, Paulo Klabin, José Otávio Montesanti e Anna Maria Niemeyer.
Naquele momento, o Rio de Janeiro ainda estava superando o trauma pelo incêndio do MAM-RJ, em 7 de julho de 1978, que destruiu 80% de seu acervo. O novo ponto de referência para a arte contemporânea era a Escola de Artes Visuais do Parque Laje, que, em 14 de julho de 1984, inaugurou a exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, reunindo 123 artistas emergentes de todo o país. A curadoria foi de Marcos Lontra, Paulo Roberto Leal (1946-1991) e Sandra Magger. O mercado também estava aquecido devido ao Plano Cruzado.
“Como havia muita divulgação na imprensa, muita gente quis abrir galeria, mas não seguiu adiante”, lembra Marcos Lontra. Segundo ele, os galeristas que se destacaram dentro da Geração 80 foram Thomas Cohn, César Aché e Rubem Breitman, este último já como sócio da Subdistrito, em São Paulo.
As galerias que mais se impuseram no mercado no período foram Thomas Cohn e Saramenha. A primeira trabalhou bastante a Geração 80, expondo artistas como Leonilson (1957-1993), Adriana Varejão, Leda Catunda, Sérgio Romagnolo, Luiz Zerbini e Daniel Senise. A Saramenha se destacou com os artistas dos anos 70, como Cildo Meireles, Antonio Dias, Tunga, Antonio Manuel (que lançou ali uma monografia homônima, em 1985, junto com uma individual).
A falta de distanciamento histórico em relação à Geração 80 fez com que cada colecionador, galerista ou artista elejesse seus próprios destaques da época.
O colecionador Gilberto Chateaubriand ressaltou o trabalho das galerias Thomas Cohn, Saramenha, Anna Maria Niemeyer e Petite Galerie. O ex-galerista Rubem Breitman (Subdistrito) acrescentou ainda Ipanema e Paulo Klabin. Paulo Fernandes, que entrou para o mercado em 1988, priorizou apenas três delas: Saramenha, Paulo Klabin e Thomas Cohn. O artista plástico Charles Watson, atualmente diretor do Centro de Arte Hélio Oiticica e professor no Parque Laje desde 1979, foi mais preciso: “Eu ía muito à Thomas Cohn, pois era onde os meus alunos expunham”.
Em São Paulo, a galeria que mais bem representava os cariocas era a Subdistrito, que surgiu de uma sociedade entre Rubem Breitman, João Sattamini, Felipe Crescenti e Carlos Zicardi (o Paraná).
Arquiteto e artista plástico, Rubem Breitman decorava as paredes de seu escritório com obras de arte. Junto com João Sattamini, abriu no início dos anos 70, no Rio, a Galeria Grupo B, que logo venderia para Luiz Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt (os dois marchands realizariam as primeiras individuais de Waltercio Caldas, em 1974, e de Carlos Zílio, em 1975). “Tiveram uma vida curta, mas intensa”, lembra o galerista Paulo Fernandes.
Depois de dirigir o Parque Laje (entre 1979 e 1983), Breitman aceitou convite de João Sattamini e se transferiu para São Paulo, onde inauguraram a Galeria Subdistrito, em 20 de maio de 1985, em espaço hoje ocupado pelo Gabinete de Arte Raquel Arnaud.
“Um dia, João Sattamini me ligou no Rio e disse que tinha mandado uma passagem para mim. Quando cheguei a São Paulo, vi o espaço que eles haviam comprado para abrir a Subdistrito Comercial de Arte. Não havia nada do gênero na cidade”, conta Rubem Breitman
“A Subdistrito representou um grande avanço nos anos 80 ao investir no artista jovem. Vendia-se muito naqueles anos. Era uma época de muito glamour pois as artes plásticas estavam na moda. No Rio, a Saramenha se destacava, com mostras de Tunga, Antonio Dias e José Roberto Aguilar”, lembra Joca Millan
A Subdistrito revelou nomes como Carlito Carvalhosa, Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Luiz Zerbini, Marianita Luzzati, Niura Belavinha, Ana Horta e outros. “Tínhamos um grande espaço e era disso que a Geração 80 e os meninos da Casa 7 precisavam”, diz Rubem Breitman. A morte de João Sattamini e de Carlos Zicardi obrigou o encerramento das atividades da Subdistrito, em 1990.
Todo esse percurso descrito acima mais o fato de reunir em um mesmo espaço 15 galerias paulistanas de arte contemporânea faz crer que o mercado de arte no Brasil é viável e digno do investimento de todos os protagonistas dessa história, que ainda está sendo escrita.
Notas:
- Galeria Luisa Strina,20 anos de arte brasileira. Catálogo da mostra, São Paulo, 1994. p.5.
- Amanhã, hoje: a casa triângulo de 1988 a 1995. Catálogo da mostra, São Paulo, 1995, p.5.
- “O circuito artístico brasileiro foi se constituindo de maneira singular, tendo de um lado a Academia, o Estado e um pequeno setor da burguesia (...); do outro, artistas de origem predominantemente popular, mais artesãos que artistas eruditos (...).” TADEU CHIARELLI, Arte Internacional Brasileira,São Paulo, Lemos Editorial,1999, p.14.
- “Desde a fundação da Academia Imperial de Belas-Artes, em 1826, transformada em 1890 na Escola Nacional de Belas-Artes, reduto oficial do ensino das artes no Brasil, dali se disseminava a orientação aos estabelecimentos congêneres que, a longos intervalos, foram sendo instalados em diversas províncias: em 1877, na Bahia, a que se seguem, só muito mais tarde, as escolas de Porto Alegre (1908) ou Belém (1918). Em São Paulo não haveria instituição como essa antes de 1925.” WALTER ZANINI, História Geral da Arte no Brasil, Sâo Paulo, Inst. Walter Moreira Salles, 1983, p.504, v2.
- JOSÉ CARLOS DURAND, Arte, Privilégio e Distinção, São Paulo, Perspectiva:Edusp, 1989, p.45.
- Segundo DURAND, op. cit., p. 45 : “Batista da Costa, Visconti, Oscar Pereira da Silva, Benedito Calixto, Rodolfo Amoedo, Antonio Parreiras, Almeida Junior e Castagneto vendiam bem em São Paulo, no começo do século, valendo-se desse recurso.”
- Idem, p. 46 . “Apesar de não haver, por muito tempo, uma rede de lojas capaz de cobrir com eficiência todo o mercado, as iniciativas e o movimento de venda nas primeiras décadas do século não eram tão esporádicas nem tão difíceis como às vezes se faz crer.”
- “Visitada por mais de três mil pessoas, (Flávio de Carvalho) inaugura (em 1931) sua primeira grande exposição individual no edifício Alves Lima, à Rua Barão de Itapetininga, nº 10 (junho). Vista pelas autoridades como imoral, esta exposição é arbitrariamente fechada pela polícia e cinco obras são apreendidas (julho). A mostra, depois de muita polêmica causada pela imprensa e a realização de um grande abaixo-assinado de artistas e intelectuais, é reaberta no mesmo mês por ordem judicial e o artista recebe uma polpuda indenização do Estado.” Flávio de Carvalho: 100 Anos de um Revolucionário Romântico, CCBB,MAB, Rio de Janeiro, CCBB, 1999, pp 19 e 20.
- Em entrevista concedida ao autor, em fevereiro de 2001. Todas as declarações não especificadas em notas foram feitas ao autor entre novembro de 2000 e fevereiro de 2001, durante a pesquisa e a elaboração desse texto.
- “Um Problema”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 03.02.1952.
- Idem, “O que mais faltou a São Paulo nesses trinta anos, para que se resolvesse a crise econômica dos artistas plásticos, foi, a nosso ver, principalmente um autêntico ‘marchand’. A importância do agente de vendas é tão grande que a palavra ‘marchand’ passou a ter um significado internacional, caracterizando um tipo de homens cultos e esclarecidos que foram na verdade os responsáveis pela formação das grandes coleções européias e norte-americanas, e, portanto, pela difusão das artes plásticas modernas”
- Em seu livro Museus Acolhem o Moderno, São Paulo, Edusp, 1999, pp 25 e 26, MARIA CECÍLIA FRANÇA LOURENÇO acrescentou ainda a existência de galerias como Prestes Maia, no vale do Anhangabaú; Itapoan, na praça da República; Jackson, na São Bento; Jaraguá, fundada por Alfredo Mesquita na rua Marconi; o Studio Palma,aberto em 1948 na rua Bráulio Gomes, por Giancarlo Palanti e Lina Bo Bardi (que projetou a galeria de Raquel Arnaud na avenida Nove de Julho, hoje pertencente a Marília Razuk), além de destacar mostras no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), ainda na sede do edifício Esther na Praça da República (depois transferida para a rua Bento Freitas) e mostras na Biblioteca Municipal, onde foi aberta a Sala de Arte, em 1945.
- “Os artistas do Grupo Frente procuram a disciplina ética e a disciplina criadora: do contrário não poderiam experimentar livremente, como o fazem. O caminho à disciplina ética lhes é aberto por essa busca fanática da qualidade que caracteriza o esforço de um Ivan Serpa ou por essa ambição, alta e nobre, de integração arquitetônica que caracteriza o esforço de Lygia Clark” Trecho retirado do catálogo da 2ª mostra do grupo Frente, no MAM-Rio, em julho de 1955, e reproduzido em MÁRIO PEDROSA, Acadêmicos e Modernos: Textos Escolhidos III, Otília Arantes (org), Edusp, São Paulo,1998, p. 248.
- Idem, p.254.“Os pintores, desenhistas e escultores paulistas não somente acreditam nas suas teorias como as seguem à risca (É claro que não estamos nos referindo a Volpi, o velho mestre já glorioso, acima dos ismos e das escolas, que empresta aos rapazes do concretismo o gesto generoso e protetor de sua solidariedade). Em face deles, os pintores cariocas são quase românticos. O tratamento das cores num grupo como noutro é muito diferente. Os paulistas, apesar de uma ou outra escapadela, aqui e ali, onde se notam deslizes sensuais ou expressivos em matéria de cor (num Fiaminghi, mesmo num Cordeiro) nos apresentam um vocabulário cromático deliberadamente elementar”
- “Profili, ‘o homem dos sete instrumentos da Bienal’, demitiu-se de suas funções em 1960 para dedicar-se ao seu negócio de quadros, ‘que vai de vento popa’ ” Correio da Manhã de 4 de novembro de 1960 citado por DURAND, op. cit, p. 190.
- “Seus prêmios acabam por perder qualquer significação, tornando-se um jogo de marchands ou de combinações políticas em função de rivalidades nacionais que se compensam reciprocamente” MÁRIO PEDROSA, Política das Artes, org. e apres. de Otília Arantes, São Paulo: Edusp, 1995, p.271.
- “Mário Agostinelli era um escultor peruano. Ele fugiu de seu país pois errou quando foi fazer uma máscara mortuária de uma pessoa importante de lá. Ele se esqueceu de passar vaselina antes de aplicar o gesso. Quando retirou o molde, arrancou também barba, sobrancelhas e todos os pelos do rosto do morto”, lembrou o também marchand Jean Boghici em entrevista ao autor em 15.02.2001.
- “Figura inteligente e sensível”, Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 27.01.1954
- Idem
- “Pensei naquela canção do Zé Keti que diz: ‘Pode me prender, pode me bater, que eu não mudo de opinião. Achei apropriado, pois esses versos também tinham relação com a ditadura militar”, disse Boghici em entrevista o autor. O crítico Mário Pedrosa, no entanto, dá uma outra versão para a escolha do nome em texto escrito em 11 de setembro de 1966 para o Correio da Manhã e republicado no livro Política das Artes, op. cit, p. 203, quando diz: “Houve aqui pequena mostra no ano passado que apareceu sob a feliz inciativa de Ceres Franco e Jean Boghici, com o título enormemente sugestivo de Opinião 1965. A idéia foi um achado naquele instante. Por quê? Porque se inspirava no teatro, no teatro popular tão próximo, por sua própria natureza, ao clima social, à atmosfera política da época”.
- “Boghici - 25 anos caçando as obras de arte”, O Liberal, Pará, 19.04.1987.
- “A primeira parte do decênio (1962-1972) foi dominada por Giuseppe Baccaro, o rei dos leilões, um modesto barbeiro dos arredores de Nápoles, que veio para São Paulo, trabalhou alguns meses no balcão de vendas da Bienal e descobriu um público heterogêneo, formado principalmente de estrangeiros, que gostava e comprava obras de arte moderna.(...) O reinado de Baccaro foi até os últimos anos sessenta. Ele dominou o período como senhor absoluto do mercado, impondo bons e maus pintores, fixando coleções, comprando imensos lotes de quadros a preço de banana, colocando nas coleções os quadros mais caros. Baccaro só caiu diante de José Paulo Domingues da Silva (nome falso com que se apresentou aqui em São Paulo um senhor vindo da Bolonha, que trazia experiências mais instrutivas que as do barbeiro, e se chamava, na verdade Paolo Businco) (...) Tudo somado, foram dois reinados de muito abuso, mas serviram para colocar o mercado em marcha.” PAOLO MARANCA,“O coveiro do nosso comércio de quadros”, Folha da Tarde, 16.07.74.
- “Uma mini-sala do Museu Britânico”, Jornal da Tarde, São Paulo, 20.11.1975.
- Depoimento do marchand Cesar Luis Pires de Mello. JOÃO CARLOS LOPES DO SANTOS, Manual do Mercado de Arte, São Paulo, Julio Louzada Publicações Ltda., 1999, pp.267 e 268.
- Idem, p.268.
- “Explica que venderá cada uma das pinturas a 112 cruzeiros novos, justificando os gastos para chegar àquele preço: chassis, NCr$ 6,00; lona, NCr$ 24,00; zipers, NCr$ 12,00; moldura, NCr$ 25,00; mão de obra do marceneiro, NCr$ 10,00; diversos, NCr$ 5,00; porcentagem da galeria, NCr$ 15,00 e remuneração do artista, NCr$ 15,00. Total: NCr$ 112,00”. “Nelson agora faz produção em massa de quadros com zipers”, Folha de São Paulo, 26.06.1967.
- “A Galeria Relevo e mais tarde a Galeria G4 no Rio, assim como a Galeria Atrium, em São Paulo, promoveram exposições de novos valores da década.” WALTER ZANINI,op. cit, p. 732.
- Depoimento de Nelson Leirner: “Durante três ou quatro anos, começaram a acontecer muitas coisas com a minha carreira; coisas retumbantes, embora estranhas. Notei, por exemplo, que com seis meses de pintura fui premiado num salão. Com um ano de trabalho exponho na melhor galeria de São Paulo, a São Luís, que apresentou meus desenhos sem vê-los antes. Mais seis meses e entro na Bienal; e Stanislawisky, crítico polonês de fama internacional, acrescenta ao meu trabalho uma longa crítica. Aos poucos a gente vai percebendo a razão de tudo. A qualidade do meu trabalho não possuía a importância que lhe foi dada. Era uma pura questão de prestígio social. Tinha visão do que fazia então, e sei que era realmente ruim. Quem trabalha seis meses não pode surgir de repente e ter seu trabalho aceito. Pode mostrar apenas que tem talento. Com a consciência do que estava acontecendo, surgiram perguntas sobre critérios de julgamento e sobre a própria obra de arte. Tudo isso punha em xeque e em dúvida o valor das coisas. Compreendi que se pode construir um cara qualquer, até sem ver seu trabalho. Era natural que começasse a soltar tudo que estava dentro de mim, logicamente num sentido de contestação. Esse foi meu começo”. Nelson Leirner, Paço das Artes, Secretaria de Estado da Cultura, São Paulo, 1994, pp. 41 e 42
- “Não há truques, explica ele. Basta à pessoa olhar, escolher, pegar e carregar. Será o meu último happening na Rex. Quero saber acima de tudo qual é a reação do público num caso desses. Vou filmar e documentar tudo o que ocorrer dentro da galeria. As portas da Rex serão abertas às 21h: quando todos os quadros tiverem sido retirados das paredes, fecharei a galeria.”, depoimento de Nelson Leirner à Folha de S. Paulo, “Exposição de Nelson: ver, escolher e levar”, 14.05.1967. Sobre o mesmo assunto, Wesley Duke Lee, citado por FREDERICO MORAIS, em Panorama das Artes Plásticas, Séc.XIX e XX, Rio de Janeiro, Ed.Pinakotheke, p.105, disse: “Os quadros, de uma forma ou de outra, estavam presos. Alguns chumbados à parede com uma corrente, mas a Rex fornecia a serra para a pessoa rompê-la. Havia nisso uma idéia muito bonita: queríamos ver os nossos clientes fazerem um pequeno esforço e levarem o quadro de graça para casa. Bom, foi um dos happenings mais perfeitos que fizemos. A exposição durou exatamente oito minutos. A galeria foi toda depredada e os quadros arrancados brutalmente e vendidos na porta pelas pessoas que os tiraram de lá”.
- Anúncio em O Estado de São Paulo, 21.12.1972
- “A verdadeira história do misterioso homem da Collectio. E de suas mentiras.” Jornal da Tarde, São Paulo, 15.07.1974.
- “Os anos 60, e sobretudo 70, assinalaram-se pela proliferação das galerias de arte, quase sempre profissionalmente despreparadas, campeando geralmente no meio os exclusivos interesses financeiros. O mercado criou condições artificiais de valor/preço para as obras de alguns artistas mais conhecidos. Instituíram-se leilões que contribuíram, ainda mais, para a amarelização do produto artístico, transformado na época em seguro investimeno de capital.” WALTER ZANINI, op. cit., p. 732.
- Segundo fonte do IDART, de 1977, citada por DURAND, op. cit., as galerias ativas em São Paulo eram nesse ano: Oca, Astréia, Seta, Azulão, Cosme Velho, Mirante das Artes, Augosto Augusta, Portal, Bonfiglioli, A Tapeçaria, Documenta, Opus, Eucatexpo, Arte Aplicada, Espade, Ipanema SP, Múltipla de Arte, Renato M. Gouveia, Sarutaiá, Vanguarda, Academus, A Ponte, Arte Exp. Edições, Dan, Gabinete de Artes Gráficas, Arte Global, Domus, Ass. Art. Pl. Praça da República, Um Meia Sete, Graphus, Luisa Strina, Paulo Prado, Bric-A-B´Arte, Escorte, Emy Bonfim, R & R Camargo, Grifo, Proarte, Jardim das Artes, Poster & Poster, Projects, Skultura, Vali, Tableau, Século XXI, Modular.
- “Eram aqueles os anos em que a arte conceitual começava a repercutir com intensidade no país, num momento internacional que se marcava por algumas exposições ressoantes, como When Attitudes Become Form (1969) e Information (1970), e quando na América Latina assumiria papel atuante o Centro de Comunicación y Arte, de Buenos Aires.” WALTER ZANINI, op. cit., p. 738.
- Uma descrição da intervenção está presente no catálogo Sem Medo da Vertigem, retrospectiva de Rafael França no Paço das Artes em 1997. p.104 : “Percurso pelas galerias de arte de São Paulo que tiveram suas portas lacradas com fita crepe, tendo sido nelas afixadas folhas de papel mimeografadas em que se lia: O que está dentro fica. O que está fora se expande”. O percurso foi noticiado na reportagem “Um protesto contra o comércio da arte. No meio da noite.”, Jornal da Tarde, São Paulo, 03.07.1979.
- Galeria Luisa Strina,20 anos de arte brasileira, op.cit., p.14.
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