O diário de Frida Kahlo
Marcelo Bessa
A intérprete do sofrimento
Frida Kahlo, cerca de 1939
A primeira vez que li algo a respeito da pintora Frida Kahlo foi numa reportagem de um jornal brasileiro no fim da década de 80. Apesar de ser então pouco conhecida no Brasil - e aquela reportagem tinha justamente a função de apresentá-la a um público maior -, Frida, já na década anterior, havia finalmente ultrapassado as fronteiras do México, sua terra natal, e os círculos de especialistas em artes plásticas.
Sua póstuma popularidade pode ser creditada, em parte, graças aos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, aos espaços dedicados às análises das margens do cânon e aos estudos feministas, que se ampliavam, também na década de 70, nos espaços acadêmico e cultural americanos. Assim, Frida - nascida em 1907 na Cidade do México, onde faleceu em 1954 - começou, na década de 80, a tornar-se "pop".
Até Hollywood se rendeu a ela, em 2002, com o filme Frida, dirigido por Julie Taymor e estrelado por Salma Hayek (no entanto, em 1984, o diretor Paul Leduc já havia feito um filme sobre a pintora, intitulado Frida: naturalesa viva, estrelado pela atriz Ofélia Medina, cuja atuação é considerada excelente).
Assim, sua vida e sua obra tornaram-se,
décadas após sua morte, parte do domínio público.
Em Frida Kahlo, vida e obra têm como leitmotiv o sofrimento. Lembro-me até hoje do mal-estar que senti ao ler a reportagem. Pareceu-me inacreditável que alguém pudesse sofrer tanto fisicamente. A pólio quando criança, o horrível acidente da adolescência, as dezenas de cirurgia por que passou, a amputação da perna direita, tudo isso era demais para uma pessoa suportar.
A partir desse momento, "sofrimento" e "dor" foram as palavras que vinham à minha mente ao ouvir o nome da pintora. Posteriormente, tive contato com seus quadros e me surpreendi com o que vi.
O seu sofrimento físico estava transmutado
em várias de suas pungentes telas.
A dor, geralmente tão difícil de ser descrita
ou retratada, lá estava.
É uma dor que avança o limite espacial da tela
e alcança o espectador.
A escritora inglesa Virginia Woolf dizia ser indescritível o sofrimento. Virginia, de certa forma, tem razão: o sofrimento e a dor, quando manipulados, por exemplo, num papel ou numa tela - portanto, fora do espaço físico ou emocional do sujeito-paciente -, tendem a enfraquecer ou mesmo a se tornar lamentos incompreensíveis, distantes ou mesmo insignificantes.
Como observou o escritor mexicano Carlos Fuentes, isso ocorre porque, além de indescritível, o próprio sofrimento e a própria dor não são divisíveis, não podem ser compartilhados com outra pessoa. Mas há aquelas pessoas que, como Frida, conseguem essa difícil tarefa, o que levou o escritor a afirmar que "Frida Kahlo é um dos maiores intérpretes do sofrimento".
Fonte:
Educação Pública
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