sábado, 23 de abril de 2011

FRAGMENTOS:CARTAS DE VINCENT VAN GOGH AO IRMÃO THEO

 Vincent van Gogh -ost- Adeir-1988
VINCENT VAN GOGH

O Suicídio pela Sociedade

     Não, Van Gogh não estava louco, mas suas telas eram jorros de substância incendiária, bombas atômicas cujo ângulo de visão, ao contrário de toda a pintura com prestígio em sua época, teria sido capaz de perturbar seriamente o conformismo espectral da burguesia do Segundo Império.Pois a pintura de Van Gogh ataca, não um determinado conformismo dos costumes, mas das instituições. E até a natureza exterior, com seus climas, suas marés e suas tormentas, não pode mais manter a mesma gravitação depois da passagem de Van Gogh pela Terra. 

O que mais me surpreende em Van Gogh, o mais pintor de todos os pintores, foi que, sem sair do que chamamos de pintura, sem sair dos limites do tubo, do pincel e da tela, ele conseguiu imbuir a natureza e os objetos de tamanha paixão que qualquer conto fabuloso de Poe, Melville, Hawthorne,  Nerval ou Hoffman em nada superam, no plano psicológico e dramático, suas modestas telas.

     No momento de escrever essas linhas vejo o rosto vermelho ensanguentado do pintor vir na minha direção, numa muralha de girassóis eviscerados, numa formidável combustão de fagulhas de jacinto opaco e relvas de lápis-lazúli.  tudo isso no meio de qualquer coisa como um bombardeio meteórico de átomos em que cada partícula se destaca...

     Num incêndio, numa explosão,  para vingar a pedra de moinho que o pobre Van Gogh, o louco, teve que carregar durante toda sua vida.

     O fardo de pintar sem saber por que ou para quê.


( O Suicídio pela Sociedade 
- texto de Antonin Artaud , publicado pela L&M nesta coleção.)

As Cartas da Agonia

     Isto já está complicado demais; meus quadros não têm valor, mas custam-me despesas extraordinárias, às vezes em sangue e cérebro.   - 17 de janeiro de 1889

     Ah! o que você diz de Delacroix é tremendamente verdade, mas entre nós há imensas distâncias.  Eu como pintor nunca significarei nada de importante , sinto-o perfeitamente.  -  3 de maio de 1889
      É preciso que eu me resigne,  é bem verdade que muitos pintores ficam loucos... - junho de 1889

     Durante muitos dias estive completamente alucinado,  como em Arles, se não pior; e é abominável.  Esta nova crise, meu caro irmão, me pegou nos campos quando eu estava pintando num dia de ventania. Eu lhe enviarei a tela, que ainda assim terminei.   - 5 de julho de  1889

     - Van Gogh suicidou-se no dia 27 de julho de 1889 -
Os Desejos  e Alegrias de Vincent

      " Sei que já lhe escrevi ontem, mas o dia esteve de novo tão bonito. Minha grande mágoa é que você não possa ver o que estou vendo aqui. ( ... ) O arbusto é verde, um pouco bronzeaso e variado. A relva é muito, muito verde, véronese-limão,  o céu muito, muito azul. O grupo de arbustos ao fundo é todo de loureiros-rosa loucos furiosos; essas malditas plantas florescem de tal forma que até poderiam sofrer uma ataxia motora. Elas estão carregadas de flores frescas e ainda de um monte de flores murchas, seu verdor também se renova por vigorosos brotos novos aparentemente inesgotáveis.
 

     Um ciprestes fúnebre todo preto ergue-se sobre isto e algumas figuras coloridas passeiam num caminho rosa. (...)  todo o jardim é colorido com verdes muito diferentes sob o céu amarelo-limão pálido.
     ..... Atualmente estou com a lucidez ou a cegueira de um apaixonado pelo trabalho .   Pois esse ambiente de cores é totalmente novo para mim e me exalta extraordináriamente.   Cansaço nem um pouco; ainda farei um quadro esta noite mesmo e o trarei pronto... (pag 208/209)

 
     Não há caminho melhor e mais curto para melhorar o trabalho que o de fazer figuras. Ademais, sempre me sinto confiante ao fazer retratos, sabendo ser este trabalho bem mais sério - talvez não seja esta a palavra correta -, mas é o que mais me permite cultivar o que tenho de melhor e de mais sério."  (517) 

   "  Prefiro as coisas tais como são, tomá-las como são sem mudar nada, a reformá-las pela metade.
     A grande revolução: a arte aos artistas, meu Deus, talvez seja uma utopia e então tanto pior. Acho que a vida é tão curta e passa tão rápido; ora, sendo pintor é preciso portanto pintar."
     "No fim do mês eu desejaria ir novamente para o hospício em Saint-Remy ou outra instituição deste tipo da qual o senhor Salles me falou. Dispense-me de entrar em detalhes para argumentar todos os prós e os contras de tal atitude.  ...Eu teria medo de perder a faculdade de trabalhar ... E provisóriamente desejo ficar internado tanto para minha própria tranquilidade quanto para a dos outros.      O que me consola um pouco é que estou começando a considerar a loucura como uma doença qualquer, e aceito a coisa como ela é, enquanto que, durante as crises, parecia-me quee tudo o que eu imaginava era real.    ...o álcool foi certamente uma das grandes causas da minha loucura, ela veio lentamente, e também será lentamente que ela desaparecerá, se é que desaparecerá, é claro.   A companhia dos outros doentes, você compreende, não me é nada desagradável, ao contrário, me distrai.  (...)  se me fosse dado escolher, eu não teria escolhido precisamente a loucura, mas uma vez que pegamos um negócio desses, de nada adianta nos enganarmos.Entretanto talvez me reste ainda assim o consolo de poder continuar a trabalhar um pouco na pintura. .... nem todos os meus dias são suficientemente lúcidos para escrever com alguma lógica."





         FRAGMENTOS
           Cartas ao irmão Theo

    "  Escrevo-lhe um pouco ao acaso o que me vem à pena,
         ficaria muito contente se de alguma maneira você pudesse
           ver em mim mais que um vagabundo
       Se continuarmos a amar sinceramente o que na verdade
         é digno de amor,e não desperdiçarmos nosso amor em coisas
           insignificantes,nulas e insípidas,obteremos pouco a pouco mais 
             luz e nos tornaremos mais fortes,mais humanos,mais felizes.
       O que é que sou aos olhos da maioria - uma nulidade ou um
         homem excêntrico ou desagradável - alguém que não tem
           uma situação na sociedade ou que não terá;enfim,pouco
             menos que nada...então eu gostaria de mostrar por minha
               obra o que existe no coração de tal excêntrico,de tal nulidade...
                 Ainda que frequentemente eu esteja na miséria,há contudo
                       em mim harmonia e uma música calma e pura.

     O sentimento e o amor pela Natureza encontram cedo
       ou tarde um eco naqueles que se interessam pela arte.

     Eu sinto que há coisas de cor que surgem em mim enquanto
       pinto,coisas que eu não possuia antes,coisas importantes e
         intensas.

      Sinto em mim a força de produzir,tenho consciência de que
       chegará um tempo em que poderei,por assim dizer,cotidianamente
         fazer uma ou outra  coisa boa,e isto,regularmente.
 
 
Estou possuido pelos novos prazeres que sinto nas coisas que vejo,
             uma nova esperança de fazer algo que tenha  alma.

           Tudo aqui é belo,aonde quer que eu vá 
           Tudo aqui é perfeitamente belo,como eu gosto. 
             Quero dizer que aqui é a paz. 
           Não é fácil encontrar no verão um efeito de sol que seja
             rico,tão simples e tão agradável de ver quanto os efeitos
               característicos das outras estações.
                  - Na Primavera hà o trigo novo verde tênue
                        e as macieiras rosas  em  flor.
                    - No Outono há o contraste das  folhas amarelas
                           com os tons violetas.
                      - No inverno há a neve e os pequenos personagens negros. 
           Estou num furor de trabalho,já que as árvores estão  em flor
             e eu gostaria de fazer um pomar da Provence de uma alegria
              monstruosa.

           Estou de novo em pleno trabalho,sempre,
             como pomares em flor
           Me falta uma noite estrelada com ciprestes ou talvez
             sobre um campo o trigo maduro. 
           O pessegueiro rosa é o que me dá mais trabalho.
             são milhares  de florzinhas a brotar das minhas mãos... 
 
              Quero agora absolutamente pintar um céu estrelado.
             Frequentemente me parece que a noite é ainda mais 
               ricamente colorida que o dia,colorida de violetas,
                 de azuis e os mais intensos verdes.

           Quero evocar o brilho misterioso de uma pálida estrela no infinito,
             os laranjas fulgurantes como o ferro abrasado,daí os tons de ouro
              velho luminoso em meio às trevas.
 
  A grande revolução: a arte aos artistas,meu Deus,talvez seja uma
           utopia e então tanto pior.
             Sei que não devemos desanimar só porque a utopia não se realiza. 
         Acho que a vida é tão curta e passa tão rápido;ora,sendo pintor
             é preciso portanto pintar.

         Fazer estudos,no meu entender,é semear e fazer quadros, é colher.
 
 Não devemos nos poupar. Se durante algum tempo estamos esgotados,
           depois nos restabelecemos,e ganhamos com o faro de os estudos 
           estarem  armazenados,exatamente como o trigo ou o feno do
            camponês.Quanto a mim,não penso provisoriamente em descansar.
 
A loucura é salutar por isto,porque nos tornamos talvez menos exclusivos...
 
O trabalho me distrai infinitamente mais que qualquer outra coisa 
           e se por uma vez eu pudesse nele me lançar com toda minha energia,
             este seria possivelmente o melhor remédio.

         Não esqueçamos que as pequenas emoções são os grandes timoreiros 
           de nossas vidas,e que as obedecemos sem saber.

         Em todo caso procurar permanecer verdadeiro talvez seja um remédio 
           para combater a doença que continua  fomentando em nossa mente.

           Quando você prestar atenção,verá que certas estrelas
             são cor de limão,outras têm brilho cor-de-rosa,verdes,
                azuis miosotes

           Sou este ser sem sorriso,mas de cujo olhar partem
             vibrações coloridas que me envolvem,criando um mundo
               onde elas - cores,vibrações -  substituem a luz e a matéria.
                   O que é o mundo?
O que
O que é o mundo?
- Cores,cores lindas que vibram.
E eu,quem sou?
- O autor desse mundo! 

Vincent    e       Theo
Fonte:
VAN GOGH -Cartas a Theo
Rebeldes Malditos -10
da tradução,L&PM EditoresS.A.,1986
revisão:
SuelyBastos,RosanaJardimCandeloro 
e PauloC.SaldanhaFilho
tradução: Pierre Ruprecht

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