Dreams, Kurosawa - Uma reflexão ecológica
Trecho(S) do filme Dreams de Akira Kurosawa
Sonhos - O Funeral - 4min.
Cineclube comenta Sonhos - 5min.
Sonhos de Akira - Márcia comenta - 8min.
Sonhos -dublado - Rede Globo - 2min.
Monte Fugi - 10min.
Os Corvos - Vincent van Gogh - 3min.
Os Corvos - Vincent van Gogh - 5min.
Os Corvos - Martin Scorsese em van Gogh - 4min.
Primeiro Sonho -( O pecado original )dublado -3min.
S o n h o sA k i r a K u r o s a w a
PSICÓLOGA CLÉLIA PRESTES ZERBINI
Análise Junguiana de "Sonhos de A k i r a K u r o s a w a
O próprio Jung definiu sonho como uma auto representação espontânea sob forma simbólica da situação do inconsciente.Ele considerava sonho como uma coisa viva,uma situação existente.Os sonhos são uma forma de linguagem metafórica e simbólica que passa ao consciente quando se lembra do sonho.No filme, os sonhos representam um (O) processo de individuação, passando pelas diversas fases de desenvolvimento.
1- SOL EM MEIO À CHUVA - (Vejo como O PECADO ORIGINAL) É um sonho característico da 1a. fase da vida, onde há busca de adaptação.A ordem da mãe pode representar o tabu que se coloca em relação ao sexo.
A mãe fala imprimindo ao acasalamento um caráter amedrontador, mas, ao mesmo tempo, incita a curiosidade. Faz lembrar as regras, proibições ou dogmas que a sociedade quer embutir na cabeça de seus membros, através da família, da igreja e de outras instituições responsável pela “educação” das crianças. É pregado para a criança que ela não deve pensar ou chegar do pecado ou da lascívia.
O acasalamento das raposas escondido remete à visão do sexo sob o tabu que o encara como algo a ser escondido, principalmente das crianças.Deve ser escondido por ser uma coisa feia, suja, vergonhosa, pecaminosa.
Quanto ao caráter pecaminoso, observa-se uma curiosidade no filme: o animal usado nessa representação do acasalamento é a raposa, que tem uma simbologia relativa ao diabo, ou seja, ao pecado ou à morte espiritual.
Quanto à simbologia do sexo, pode-se relacioná-lo com a união de opostos. Isso foi mostrado no filme, por exemplo, com o Sol e a chuva aparecendo juntos: um elemento masculino e um feminino. O garoto desobedece e vai ver de perto o que é o acasalamento e por que é proibido.Não entende porque atribuíram um sentido de feio ao sexo.
Ele vê um ritual, com algo de agressividade, e não entende mais nada. Pode-se fazer uma comparação entre essa percepção e a de uma criança ao ver uma cena dos pais tendo relação sexual. Muito provavelmente essa criança terá a impressão de algo agressivo. Pode pensar, por exemplo, que o pai está batendo na mãe.
O fato de ter desobedecido e não ter ignorado o sexo faz com que o garoto mereça punição.
Ele deve pedir perdão para que seja aceito de volta à comunidade.
Deve arrepender-se por ter desobedecido. Deve confessar e fazer a penitência.
O menino também tem de devolver o falo, ou seja, se desfazer de qualquer conteúdo proibido que tenha adquirido.
(Interessante: Esta análise mais parece feita por Freud que via sexo em tudo. Eu penso que Jung veria este Primeiro Sonho como a representação do "pecado original", a expulsão do Éden por causa da "desobediência", no caso a mãe representa Deus e o menino, a raça humana que deveria aprender "desbravar o mundo para crescer e aprender ver e ouvir a natureza. Ade)
2- POMAR DE PÊSSEGOS - (Vejo como MUTILAÇÃO DA NATUREZA) Esse sonho pode estar representando a fase da castração no menino, com todas aquelas árvores cortadas.Ele persegue uma moça, que poderia ser sua anima, e acaba sabendo de sua castração. A família do garoto foi a responsável pelo corte das árvores e são os adultos os responsáveis pela castração da criança. A perseverança do garoto fez com que, pelo menos a sua árvore florescesse. Apesar deter sobrado apenas a sua esperança, ela pode dar frutos e voltar a se irradiar pelo morro.
3- A NEVASCA (Vejo como A DETERMINAÇÃO)
Esse sonho pode estar ligado à fase adolescente, continuando o processo de individuação representado no filme.Observa-se características de onipotência, ao encarar todos os perigos sem desistir enquanto há forças. Isso é bem característico da adolescência, com seus rachas, roleta russa, jogos que envolvam muita adrenalina, etc.Com todos esses desafios ao perigo, os lutos passam a ser um fato constante na vida do adolescente.
A aparição da mulher é uma bela analogia com a relação que o adolescente começa a ter, nessa fase, com o feminino. Inicia-se um novo tipo de contato (amoroso/erótico) com a mulher através de relacionamentos afetivos e da sexualidade genital.Além disso, a aparição da mulher pode significar uma interação mais efetiva, nesta fase, com a anima.
A mulher, representando o feminino,( A MÃE NATUREZA) traz calor para interagir com o gelo. São os opostos interagindo.Há uma dúvida quanto à direção e duração corretas do processo. Isso pode ser comparado à cque o adolescente experimenta quanto ao tempo. Hora vê-se classificado pelos outros como criança, outras vezes é cobrado como um adulto. Tem dúvidas em relação ao seu futuro.
Muitas vezes é cobrada dele uma decisão quanto ao que quer de sua vida ou algumas atitudes que definam seu futuro. Muitas vezes, ele não está preparado para essa decisão. Outra característica adolescente vista nesse sonho é o agrupamento; isso é comum nessa fase. Eles se unem para enfrentar o mundo que se apresenta tão diferente deles e para diminuir a angústia por não saberem o que são (não se encaixam mais na infância, nem na fase adulta).
A nevasca torna difícil de ver os homens caminhando.
Pode representar um aviso do inconsciente para o sonhador, alertando-o de que está ocorrendo um processo, uma jornada e que ele não está a par disso, não está claro ao sonhador esse processo. Pode ser um aviso também de que a jornada está sendo lenta e difícil. A pouca importância dada a esse processo nesse momento é representada por uma tempestade de neve que vem cobrir novamente a cena.
Alguns componentes desistem e, com força menor empregada, a missão se torna quase impossível. Talvez fosse necessário empregar mais energia nessa caminhada.Torna-se mais visível a jornada e esta se completa com a chegada ao acampamento. É o final de um ciclo. Isso não significa, no entanto, que seja o encerramento de algo, no sentido de término; o que houve foi o final de um círculo apenas de todo um espiral que é o desenvolvimento ou um processo de individuação.
4- O TÚNEL ( Vejo como - A FIDELIDADE)
O túnel pode ser um símbolo do processo de transformação por que passa o indivíduo na fase de transição da adolescência para a fase adulta. O cão pode ser um símbolo do superego atuando. Num momento em que vai haver mudança, o superego reage buscando a conservação da “organização”. Houve uma luta, um processo de mudança. Todas as regras, tabus, conceitos foram reavaliados e muitos morreram para permitir não a rigidez, mas o movimento, a dinâmica de um processo de desenvolvimento.
O comandante segue depois de uma luta dolorosa. Por serem componentes ou conteúdos muito solidificados no inconsciente, eles resistem a morrer e tentam recompor o conjunto, reaver seu lugar. No entanto, o ego insiste na confirmação da morte; insiste na mudança e estabelece o luto.Quando sai do túnel, o comandante está de volta à cidade de onde saíra. Pode-se comparar isso à representação que a família, e especialmente os pais, têm para os adolescentes nesta fase. Estes os negam e “deixam pra trás”. No entanto, ao final do percurso da adolescência, e resolvidos os conflitos inerentes a esse período, também essa relação é reavalia e pode haver um retorno em forma de resgate de seus ensinamentos e, principalmente, resgate da admiração e respeito que os filhos têm pelos pais.
Ainda em relação a essa saída e retorno, muitas vezes o adolescente precisa guerrear contra as expectativas dos pais e da sociedade para trilhar seu próprio caminho, conquistar e bancar sua independência.
Em alguns casos, sentem muita dificuldade em assumir as mudanças. Inclusive as corporais (que envolvem o amadurecimento sexual), as quais causam tanta ansiedade que muitas vezes são negadas na adolescência e escondidas sob um corpo obeso ou andrógeno.Portanto, ao adolescente cabe, frente a tantas mudanças, novidades e resgates, assumir sua nova identidade (pra si mesmo e para os outros). No retorno à cidade de partida, àquele lugar familiar, mais cedo ou mais tarde, o ego demonstrará as baixas do pelotão que saiu de lá. Alguns soldados esperados pelos pais não voltarão, ou seja, não haverá mais alguns componentes que seriam “o que os pais esperavam”.
Nem tampouco aquele conjunto que era familiar ao próprio adolescente (terá de dizer adeus ao corpo e à identidade infantil que lhe eram tão familiares). Esse conteúdo morreu e isso terá de ser aceito para que se possa fazer o luto do que o ego era. O comandante é firme ao confirmar que aqueles componentes realmente morreram, mesmo que isso desagrade aos ouvintes e confirma o luto. O cão pode latir, mas não fará com que o comandante volte atrás.
O cão pode estar latindo também para empurrar o ego onírico para a frente, mandando que ele continue o processo. Isso é observado em quase todos os sonhos do filme: ao final do sonho, o ego onírico se dirige a outro lugar, talvez representando a continuação do processo de individuação, passando a outra fase
5- CORVOS - (SIMPLESMENTE GENIAL)
Depois de uma fase agitada como a passagem da adolescência à fase adulta, segue-se um estágio de organização dos conteúdos e uma trégua dessa agitação toda. A fase de adaptar a uma nova fase da vida, com sonhos de conteúdo filosófico, de preparação para a morte, buscando a organização (Self).
Aparece no filme a calma, a contemplação: o homem anda no museu contemplando os quadros com um ritmo de passos tranquilo. Mas não deixa de andar; é um caminhar tranquilo, mas constante, com algumas paradas muito breves. O homem olha para quadros demoradamente e chega a entrar em um deles. Isso pode estar simbolizando a sua atitude de atentar para a sombra, olhando sinceramente para ela, podendo encará-la.
Além disso, sua entrada pelo quadro pode simbolizar sua tentativa de integração da sombra. Esta, por sua vez, encontra-se dissociada, espalhada pelos vários quadros. Essa sombra aparece no sonho através de figuras como o autorretrato e os corvos.
O primeiro exemplo é uma cópia do próprio rosto, uma réplica, uma pintura, enfim, uma projeção; isso tudo se encaixa na definição de sombra. O segundo exemplo também dá espaço para analogia com a sombra, por serem vários animais pretos, aversivos, indesejados, etc.
O pintor simboliza bem uma pessoa exageradamente identificada com sua persona. Ele está tomado por ela; o homem Van Gogh está preso à persona de pintor. Ele relata muito bem isso quando diz que, ao se deparar com a imagem a ser pintada, não resiste (“Escravizo-me”). Demonstra ainda essa imensa identificação quando corta a orelha para pintá-la.
6- MONTE FUJI EM VERMELHO - (vejo como A ESTUPIDEZ HUMANA)
Aparecem nesse sonho os arquétipos sombra e, principalmente, persona.A sombra aparece simbolizada pelas fumaças.Quanto à persona, observa-se indícios dela no cientista, com seu conhecimento e tudo o que ele significa.
A persona de cientista dá ao homem o poder de inventar algo que será reconhecido no mundo todo como algo extraordinário, mas que pode ser a causa da morte de muitas pessoas. No entanto, isso deixa de ser importante quando se pode assumir uma persona de tanto prestígio, pela necessidade que ele tem de que sua persona seja reconhecida e admirada. Junto com o jaleco, a persona de cientista traz não só status, mas muitos conhecimentos inúteis, representados no sonho pela cor da fumaça, pela bomba, com conhecimentos não visam o bem estar da comunidade, mas a manutenção do seu papel e do poder que isso representa.Interessante notar como o filme oferece, em vários detalhes, conteúdos para se refletir sobre determinados conceitos.
É o caso de uma reflexão sobre persona e sobre a história de vida. Algo que é muito constante no filme são as bolsas (MALA da MEMÓRIA) que o personagem carrega nos diversos sonhos. No anterior, em particular, são materiais de pintura. Ainda não é uma persona tão excessivamente absorvida quanto no caso do Van Gogh.
Ele carrega, mas não foi tomado por ela. Neste, curioso observar que, ao pular na água, esperando a morte, as pessoas abandonaram as roupas. Isso pode representar que, ao se voltar para o inconsciente, para as coisas interiores, tornam-se desnecessárias as personas que assumimos quando estamos voltados para o exterior. Mostra também que os papéis são etéreos.
Aparece também, no sonho, entre tantas representações de persona, a preocupação de uma mãe salvar seus filhos, demonstrando um resquício de preocupação com a natureza e a vida e representando o arquétipo mãe.Outra característica muito observada nessa fase adulta da vida é a preocupação com a aproximação da morte. No sonho, a dúvida entre a morte rápida e a morte lenta pode estar significando uma dúvida filosófica ou religiosa entre aceitar a destruição ou assumir as rédeas da própria vida.
7- O DEMÔNIO CHORÃO ( Vejo como ARREPENDIMENTO TARDIO)
Esse sonho mostra a punição ao homem tomado pela persona. Parece uma continuação do sonho anterior.Tomado pela persona e pela vaidade, o homem destrói a Terra, sua própria fonte de vida, sua própria casa.
O homem pede a morte da sombra, mas o castigo por não encará-la e trabalhá-la é sua imortalidade. Ele tem de entender que o modo de lidar com a sombra não é ignorando-a ou eliminando-a, mas aceitando e incorporando esta que faz parte dele. Há uma representação da sombra e da punição quando o demônio chorão lastima sua condição e de que isso se deve à sua má conduta quando ainda era um homem.
Parece uma avaliação de tudo o que se viveu, comum na fase adulta.Cabe aqui um destaque para a bolsa que ele carrega. Algumas coisas caem durante o percurso pelo sonho. Mesmo quando corre do demônio, ele não abandona a bolsa e leva consigo alguns conteúdos.No final, novamente, o ego onírico segue em direção a outro lugar.
8- POVOADO DOS MOINHOS- (Vejo como A CELEBRAÇÃO DA MORTE -LIBERDADE)
Esse sonho é bem representativo do fechamento do processo de individuação. Nessa fase,o homem pode encarar a morte como algo belo, como a volta à integração com o Cosmos,como a volta à ligação maior com a Natureza (representação do arquétipo mãe).
O funeral é como uma festa, um ritual de passagem comemorando o fechamento de um ciclo. O contato das pessoas com a pedra pode estar simbolizando a volta à química inorgânica.Num determinado momento do sonho, o personagem diz:
“A noite é tão escura...”. O outro responde: “É, a noite é assim...”. E, mais adiante, completa: “Por que ia querer noites claras? Não poderia ver as estrelas”.
Dessa forma, o velho sábio, outro arquétipo que aparece no filme, fala que a luz torna possível que vejamos à noite, mas impede que vejamos a noite. São duas situações bem diferentes: distraído pela luz, o homem olha para fora; quando se dispõe a estar concentrado em si mesmo, ele pode olhar para dentro.
O personagem ainda está preso e acostumado a um conforto e a elementos muitas vezes artificiais ou pessoais. Um detalhe interessante que ilustra isso é a roupa dele (uma camisa xadrez, muito característica da cultura ocidental).
Em contrapartida,o velho veste um traje típico do local, menos funcional e mais simbólico. Pode-se extrapolar tal detalhe para uma comparação entre o homem “vestindo” uma persona ligada a suas características profissionais, pessoais, e o velho muito mais integrado com elementos do inconsciente coletivo.
O sonho mostra o velho sábio perto de muita água em movimento, plantas, pássaros simbolizando o seu íntimo contato com a natureza, com sua natureza, ou seja, com o inconsciente. E, ao final, o personagem continua andando, para que não se dissipe, na conclusão, algo que é essencial ser entendido em relação ao processo de individuação: ele não tem fim por mais que se alcance maturidade, isto estará sempre aquém das vastas possibilidades inatas do psiquismo.
Lótus - Símbolo da alma humana
Enviado em 13/01/2011-Licença padrão do YouTube
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