domingo, 23 de março de 2014

CLARICE LISPECTOR - ÚLTIMA ENTREVISTA





 Clarice Lispector TV Cultura - Primeira parte- 13min.

Clarice Lispector TV Cultura - 24min.
Clarice Lispector TV Cultura - 29min.

Clarice Lispector - a última entrevista

 
Clarice Lispector, desenho de Ceschiatti,
Paris, Jan. 1947.
Uma rara entrevista de Clarice Lispector, concedida em 1977, ao repórter Júlio Lerner, da TV Cultura. Depois de gravada, Clarice pediu que a entrevista só fosse divulgada após sua morte. Foi ao ar dez meses depois. Clarice morreu em dezembro de 1977, aos 57 anos.

Júlio Lerner
De minha sala até o saguão dos estúdios tenho que percorrer cerca de 150 metros. Estou tão aturdido com a possibilidade de entrevistá-la que mal consigo me organizar naquela curta caminhada. Talvez falar sobre “A Paixão Segundo G.H”... Ou quem sabe sobre “A Maçã no Escuro” e “Perto do Coração Selvagem”... Vou recordando o que Clarice escreveu. Será que li tudo? Em apenas cinco minutos consegui um estúdio para entrevistá-la. São quatro e quinze da tarde e disponho de apenas meia hora. Às cinco entra ao vivo o programa infantil e quinze minutos antes terei de desocupar o estúdio. Estou correndo e antes mesmo de vê-la a pressão do tempo começa a me massacrar. 
Não terei condições de preparar nada antes, nem mesmo conversar um pouco. Não poderei sequer tentar criar um clima adequado para a entrevista. Eu odeio a TV brasileira! Só meia hora para ouvir Clarice. O pessoal da técnica foi novamente generoso e se empenhou para conseguir essa brecha. Olho o relógio, não consigo me organizar, estou correndo, olho novamente o relógio. Estou desconcertado, atinjo o saguão dos estúdios e a vejo ali, dez metros adiante, Clarice de pé ao lado de uma amiga, perdida no meio do vaivém dos cenários desmontados, de diversos equipamentos e de técnicos que falam alto, no meio de um grande alvoroço.
Paro diante dela, estou um pouco ofegante, estendo-lhe a mão e sou atravessado pelo olhar mais desprotegido que um ser humano pode lançar a semelhante. Ela é frágil, ela é tímida, e eu não tenho condições para explicar que o problema do tempo elevou meus níveis de ansiedade. Clarice me apresenta Olga Borelli, entramos e a conduzo ao centro do pequeno estúdio. Peço para que ela sente numa poltrona de couro de tonalidade café-com-leite. Clarice segura apenas um maço de Hollywood e uma caixa de fósforos, providencio um cinzeiro, os refletores malditos são ligados. Clarice me olha. O olhar de Clarice me interroga, só disponho de uma única câmera, o olhar de Clarice suplica, Olga se ajeita numa lateral escurecida, chega Miriam, a estagiária do programa e fica encolhida e calada, o calor está ficando insuportável e o ar-condicionado não está ajustado, são apenas quatro e vinte, Clarice tenta me dizer alguma coisa mas não falo com ela, preocupado em ajustar uma questão de iluminação, o hálito da fornalha já nos atinge a todos, devemos ter agora no estúdio uns 50 ou 60 graus, maldita TV, bendita TV do terceiro mundo que me possibilita estar agora frente a frente com ela, Clarice me olha melindrosa, assustada e seu olhar me pede para que a tranquilize.
“OK, Júlio, tudo pronto”, a voz metálica vem da caixa dos alto-falantes. Peço a toda equipe para sair, cabo man, iluminador, assistente de estúdio, agradeço. Clarice percebe que caiu numa arapuca e já não há como voltar atrás. Peço silêncio e depois de uns dez segundos ecoa um “gravando”.
Não conversamos antes e disponho apenas de 23 minutos. Estou completamente desconcertado, fico um minuto em silêncio fitando Clarice. Estou oco, vazio, não sei o que dizer. Clarice me olha curiosa, mas vigilante, defendida. Sou o senhor do castelo e — prepotente — guardo comigo a chave desta prisão. Ninguém pode entrar ou sair sem meu expresso consentimento. Todos devem se submeter à minha autoritária vontade.
Clarice Lispector, por Ramon Muniz
A fornalha arde, meu coração dispara, minha boca está seca e debaixo destes tirânicos mil sóis sou o maior dos tiranos. Começa a entrevista. A entrevista avança. Seus olhos azuis-oceânicos revelam solidão e tristeza. Clarice está nua, não há perdão, Clarice agora está encapotada, ela se deixa agarrar, mas logo escapa, e volta, e me pega, e me sugere o longe, o não dizível, depois se cala. E quando nada mais espero, ela volta a falar. Faço uma antientrevista, pausas, silêncios, Clarice agora está fugindo para uma galáxia inabitada e inatingível, mas volta em seguida e, tolerante, suporta toda a minha limitação.
Acho que ela vai se levantar a qualquer instante e me dizer: “Chega!”.  Clarice pressente que por trás de meu sorriso aparentemente compreensivo e de minha fala suave esconde-se um ser diabólico autodenominado “repórter” e que quer possuir sua intimidade. Seu corpo exprime receios, ela me afasta, mas de novo me atrai, suas pernas se cruzam e se descruzam sem parar e telegrafam que de repente ela poderá se levantar e partir.
Clarice Lispector, de onde veio esse Lispector?
É um nome latino, não é? Eu perguntei a meu pai desde quando havia Lispector na Ucrânia. Ele disse que há gerações e gerações anteriores. Eu suponho que o nome foi rolando, rolando, rolando, perdendo algumas sílabas e foi formando outra coisa que parece “Lis” e “peito”, em latim. É um nome que quando escrevi meu primeiro livro, Sérgio Milliet (eu era completamente desconhecida, é claro) diz assim: “Essa escritora de nome desagradável, certamente um pseudônimo...”. Não era, era meu nome mesmo.
Você chegou a conhecer o Sérgio Milliet pessoalmente?
Nunca. Porque eu publiquei o meu livro e fui embora do Brasil, porque eu me casei com um diplomata brasileiro, de modo que não conheci as pessoas que escreveram sobre mim.
Clarice, seu pai fazia o que profissionalmente?
Representações de firmas, coisas assim. Quando ele, na verdade, dava era para coisas do espírito.
Há alguém na família Lispector que chegou a escrever alguma coisa?
Eu soube ultimamente, para minha enorme surpresa, que minha mãe escrevia. Não publicava, mas escrevia. Eu tenho uma irmã, Elisa Lispector, que escreve romances. E tenho outra irmã, chamada Tânia Kaufman, que escreve livros técnicos.
Você chegou a ler as coisas que sua mãe escreveu?
Não, eu soube há poucos meses. Soube através de uma tia: “Sabe que sua mãe fazia um diário e escrevia poesias?” Eu fiquei boba...
Nas raras entrevistas que você tem concedido surge, quase que necessariamente, a pergunta de como você começou a escrever e quando?
Antes de sete anos eu já fabulava, já inventava histórias, por exemplo, inventei uma história que não acabava nunca. Quando comecei a ler comecei a escrever também. Pequenas histórias.
Quando a jovem, praticamente adolescente Clarice Lispector, descobre que realmente é a literatura aquele campo de criação humana que mais a atrai, a jovem Clarice tem algum objetivo específico ou apenas escrever, sem determinar um tipo de público?
Apenas escrever.
Você poderia nos dar uma ideia do que era a produção da adolescente Clarice Lispector?
Caótica. Intensa. Inteiramente fora da realidade da vida.
Desse período você se lembra do nome de alguma produção?
Bem, escrevi várias coisas antes de publicar meu primeiro livro. Eu escrevia para revistas — contos, jornais. Eu ia com uma timidez enorme, mas uma timidez ousada. Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo. Chegava lá nas revistas e dizia: “Eu tenho um conto, você não quer publicar?” Aí me lembro que uma vez foi o Raimundo Magalhães Jr. que olhou, leu um pedaço, olhou para mim e disse: “Você copiou isso de quem?” Eu disse: “De ninguém, é meu”. Ele disse: Você traduziu?” Eu disse: “Não”. Ele disse: “Então eu vou publicar”. Era sim, era meu trabalho.
Você publicava onde?
Ah, não me lembro... Jornais, revistas.
Clarice, a partir de qual momento você efetivamente decidiu assumir a carreira de escritora?
Eu nunca assumi.
Por quê?
Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade.
A sua produção ocorre com frequência ou você tem períodos?
Tenho períodos de produzir intensamente e tenho períodos-hiatos em que a vida fica intolerável.
E esses hiatos são longos?
Depende. Podem ser longos e eu vegeto nesse período ou então, para me salvar, me lanço logo noutra coisa, por exemplo, eu acabei uma novela, estou meio oca, então estou fazendo histórias para crianças.
Como você explica a Clarice Lispector voltada para a literatura infantil?
Começou com meu filho quando ele tinha seis anos, seis ou cinco anos, me ordenando que escrevesse uma história para ele. E eu escrevi. Depois guardei e nunca mais liguei. Até que me pediram um livro infantil. Eu disse que não tinha. Eu tinha inteiramente esquecido daquilo. Era tão pouco literatura para mim, eu não queria usar isso para publicar. Era para o meu filho. Aí lembrei: "Bom, tenho, sim”. Então foi publicado. Foram publicados três livros de literatura infantil e estou fazendo o quarto agora.
É mais difícil você se comunicar com o adulto ou com a criança?
Quando me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com o adulto, na verdade, estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma.
Clarice Lispector, por Ramon Muniz
Clarice Lispector, por Fernandes
 O adulto é sempre solitário?
O adulto é triste e solitário.
E a criança?
A criança tem a fantasia solta.
A partir de que momento, de acordo com a escritora, o ser humano vai se transformando em triste e solitário?
Ah, isso é segredo. Desculpe, não vou responder. A qualquer momento da vida, basta um choque um pouco inesperado e isso acontece. Mas eu não sou solitária. Tenho muitos amigos. E só estou triste hoje porque estou cansada. No geral sou alegre.
Normalmente o contato do jovem estudante com você revela que tipo de preocupação?
Revela coisas surpreendentes, que eles estão na minha.
O que significa “estar na sua”?
É que eu penso às vezes que eu estou isolada e quando eu vejo estou tendo universitários, gente muito jovem, que está completamente ao meu lado e é gratificante, não é?
Nós ouvimos com frequência que as novas gerações pouco leem no Brasil. Você confirma isso?
Bem, os universitários são obrigados a ler porque impõem a eles a obra. Agora não estou a par dos outros.
De seus trabalhos qual aquele que você acredita que mais atinja o público jovem?
Depende. Por exemplo, o meu livro “A Paixão Segundo G.H”, um professor de português do Pedro II veio até minha casa e disse que leu quatro vezes e ainda não sabe do que se trata. No dia seguinte uma jovem de 17 anos, universitária, disse que este é o livro de cabeceira dela. Quer dizer, não dá para entender.
E isso acontece em relação a outros trabalhos seus?
Também em relação ao outros trabalhos, ou toca ou não toca. Suponho que não entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Tanto que o professor de português e literatura, que deveria ser o mais apto a me entender, não me entendia. E a moça de 17 anos lia e relia o livro, não é? O que é um alívio.
Antes de nos encontrarmos aqui no estúdio você me dizia que está começando um novo trabalho agora, uma novela...
Não, eu acabei a novela.
Que novela é essa, Clarice?
É a história de uma moça que só comia cachorro-quente. A história é de uma inocência pisada, de uma miséria anônima...
O cenário dessa novela é...
É o Rio de Janeiro... Mas o personagem é nordestino, é de Alagoas...
Onde você foi buscar a inspiração, dentro de si mesma?
Eu morei no Recife, me criei no Nordeste. E depois, no Rio de Janeiro tem uma feira de nordestinos no Campo de São Cristóvão e uma vez eu fui lá. E peguei o ar meio perdido do nordestino no Rio de Janeiro. Daí começou a nascer a ideia. Depois eu fui a uma cartomante e ela disse várias coisas boas que iam acontecer e imaginei, quando tomei o táxi de volta, que seria muito engraçado se um táxi me atropelasse e eu morresse depois de ter ouvido todas aquelas coisas boas. Então a partir daí foi nascendo também a trama da história.
Qual o nome da heroína da novela?
Não quero dizer. É segredo.
E o nome da novela, você poderia revelar?
Treze nomes, treze títulos.
Rilke, em seu livro “Cartas a um Jovem Poeta”, respondendo a uma das missivas, pergunta a um jovem que pretendia se tornar escritor: se você não pudesse mais escrever, você morreria? A mesma pergunta eu transfiro a você.
Eu acho que, quando não escrevo estou morta.
Esse período?
É muito duro, esse período entre um trabalho e outro, e ao mesmo tempo é necessário para haver uma espécie de esvaziamento para poder nascer alguma outra coisa, se nascer. É tudo tão incerto...
Clarice, mas como é que você escreve? Existe algum horário específico?
Em geral de manhã cedo. As minhas horas preferidas são as da manhã.
Você acorda a que horas?
Quatro e meia, cinco horas. Fico fumando, tomando café, sozinha sem nenhuma interferência. Quando estou escrevendo alguma coisa eu anoto a qualquer hora do dia ou da noite, coisas que me vêm. O que se chama inspiração, não é? Agora quando estou no ato de concatenar as inspirações, aí sou obrigada a trabalhar diariamente.
Você se considera uma escritora popular?
Não.
Por qual razão?
Me chamam de hermética. Como é que eu posso ser popular sendo hermética?
E como você vê esta observação "hermética"?
Eu me compreendo. De modo que não sou hermética para mim. Bom, tem um conto meu que não compreendo muito bem...
Que conto?
“O ovo e a galinha”.
Entre seus diversos trabalhos existe um filho predileto. Qual aquele que você vê com maior carinho até hoje?
“O ovo e a galinha”, que é um mistério para mim. Uma coisa que eu escrevi sobre um bandido, um criminoso chamado Mineirinho, que morreu com três balas quando uma só bastava. E que era devoto de São Jorge e que tinha uma namorada.
Sobre esse seu trabalho em torno de Mineirinho, qual o enfoque você deu?
Eu não me lembro muito bem, já faz bastante tempo. Há qualquer coisa assim como “o primeiro tiro me espanta, o segundo tiro não sei o que, o terceiro tiro...” Eu me transformei no Mineirinho, massacrado pela polícia. Qualquer que tivesse sido o crime dele uma bala bastava, o resto era vontade de matar. Era prepotência.
Em que medida o trabalho de Clarice Lispector no caso específico de Mineirinho pode alterar a ordem das coisas?
Não altera em nada. Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa.
No seu entender, qual é o papel do escritor brasileiro hoje?
De falar o menos possível
Você tem mantido contato como outros escritores?
Eventualmente.
Quais aqueles que você acredita serem os mais significativos?
Eu prefiro não citar nomes porque eu vou esquecer alguns e vai ofender, vai ferir. Assim, eu não cito ninguém.
Você discute muito com a Clarice Lispector escritora?
Não. Eu me deixo ser...
E convivem em paz?
Ás vezes não em paz, mas...
Normalmente, que tipo de problema a Clarice Lispector escritora traz a você?
Às vezes o fato de me considerar escritora me isola.
Por qual razão?
Me põe um rótulo.
E você acredita que as pessoas olham para você através desse rótulo?
Às vezes através desse rótulo. Tudo o que eu digo, a maior bobagem, é considerada como uma coisa linda ou uma coisa boba. É por isso que não ligo muito para essa coisa de ser escritora e dar entrevistas e tudo.
Você acredita que uma pessoa vá a uma livraria comprar especificamente um livro de Clarice Lispector?
Parece que isso acontece. Eu sei porque às vezes me telefonam e me perguntam em que livraria encontram meu livro. Então eu sei que tem pessoas que vão procurar exatamente o meu livro. É que no fundo eu escrevo muito simples, sabe?
Será que as coisas simples hoje são recebidas de maneira complicada?
Talvez, talvez... Eu escrevo simples. Eu não enfeito.
Na sua formação como escritora quais aqueles autores que você sente que realmente lhe influenciaram, que marcaram?
Eu não sei realmente porque misturei tudo. Eu lia romance para mocinhas, livro cor-de-rosa, misturado com Dostoiévski. Eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores. Misturei tudo. Fui ler, aos treze anos, Hermann Hesse, [o romance] “O Lobo da Estepe”, e foi um choque. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora.
Isso ainda acontece de você produzir alguma coisa e rasgar?
Eu deixo de lado... Não, eu rasgo sim.
É produto de reflexão ou de uma emoção?
Raiva, um pouco de raiva.
De quem?
De mim mesma.
Por que, Clarice?
Sei lá, estou meio cansada.
Do quê?
De mim mesma.
Mas você não renasce e se renova a cada trabalho novo?
Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.

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Veja neste blog: Clarice Lispector - Um mistério

Clarice Lispector, por Juliana M.C.
 
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Entrevista concedida ao jornalista Júlio Lerner, em 1 de fevereiro de 1977, para o programa “Panorama”, da TV Cultura, de São Paulo. 
Fonte: Jornal Opção - Clássicos Literários.


Fontes:
Licença padrão do YouTube
http://www.elfikurten.com.br/search/label/Clarice%20Lispector%20-%20a%20%C3%BAltima%20entrevista

segunda-feira, 17 de março de 2014

FREDERICO MORAIS E WILMA MARTINS


 
 Frederico Morais - Ocupação Abraham Palatnik - 2009 - 9min.

 
 
Arte Além da Loucura -
 A trajetória de Arthur Bispo do Rosário - 5min.

 
Frederico de Morais - Guignard - 25min.

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Entrevista com Frederico Morais

Entrevista com Frederico Morais
    Por Chandra Santos

O circuito de arte é composto pelo artista, pelo público, pela escola, pelos centros culturais e pela crítica. Frederico Morais participou de todos. Como jornalista, foi crítico de arte durante anos no Diário de Notícias e no O Globo − onde publicou uma coluna que se tornou referência na área de artes visuais. Foi professor de história da arte e coordenador dos cursos do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Flamengo. Utilizando audiovisuais, inovou na maneira de criticar e acabou criando suas próprias obras como artista. Frederico Morais falou como crítico de arte e artista visual, bem como relembrou os Domingos da Criação que aconteceram entre janeiro e julho de 1971, no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro – tema do recente documentário Um Domingo com Frederico Morais, dirigido por Guilherme Coelho.

Leia, abaixo, um trecho da entrevista que Frederico Morais concedeu à DASartes.


Dasartes: Qual a validade da crítica de arte?
Frederico Morais: Tradicionalmente o crítico é aquele que julga a obra de arte dentro de uma perspectiva acadêmica baseada em princípios estéticos gregos. Porém os princípios mudaram, assim como os artistas, os materiais, os contextos e as relações entre a obra de arte e a sociedade. A idéia que passei a defender é que o crítico, através de seu julgamento e do conhecimento que possui, pense a obra de arte de acordo com os dados fornecidos pelo artista. Muitas vezes ele é incapaz de ver certos aspectos da obra por estar preso aos princípios estéticos gregos.

Dasartes: Crítico e obra de arte se somam ao se encontrarem ou tomam caminhos distintos?
Frederico Morais: A contribuição do crítico é na sua leitura agregar significados e, sobretudo, estabelecer a relação dessa obra de arte não só com o artista, mas com a sua história social, geográfica, antropológica, política e cultural. Se a obra é poderosa e estimula o crítico a pensar, consequentemente, ele deve tentar enriquecê-la mais ainda. As sucessivas leituras que são feitas de uma obra passam a integrá-la.

Dasartes: Quando começou sua relação com os audiovisuais?
Frederico MoraisEm certo momento comecei a teorizar que a crítica de arte não é somente julgamento, mas também criação. Envolvi-me de maneira intensa com o processo criador do artista e fui percebendo que esse envolvimento poderia também se tornar um gênero. Passei a defender uma crítica que não fosse necessariamente um texto, uma coluna de jornal, um ensaio de revista, um texto de apresentação. Achei que era possível fazer crítica de arte usando outros instrumentos. A primeira crítica não-verbal foi produzida em 1969. Na ocasião,ocorria no MAM-RJ uma exposição em que os artistas utilizavam materiais não-convencionais, como pedra, areia e brita. Paralelamente, a cidade do Rio de Janeiro estava em obras. Então, fotografei as duas situações separadamente e construí slides para retratá-las. Era um comentário visual que tentava explicar a obra e mostrar a relação entre o que estava dentro eo que estava fora do museu.

Dasartes: Entender o significado de uma obra de arte sempre foi assunto polêmico.
Frederico Morais: Você se aproxima da obra com uma bagagem enorme de informações sobre ela. Isso gera um bloqueio para compreendê-la. A obra de arte exige uma relação de avanços e recuos, de delicadezas e agressões. Com frequência você não consegue compreender a totalidade da obra e o insight não se dá no momento de contemplação. Muitas vezes, a compreensão da obra se dá fora do museu, meses ou anos depois, quando você está em outra atividade. É necessário unir a experiência refinada da obra de arte com a experiência dos atos cotidianos. A arte está em tudo.

Dasartes: Do crítico a produtor de arte: em que momento isso se deu?
Frederico Morais: Comecei a fazer o audiovisual como uma poesia. E passou a ser um trabalho meu. A partir daí eu já atuo como artista. Não porque eu desejasse esse status, mas porque aconteceu. Ao longo de 10 anos, entre 1969 e 1979, produzi cerca de 20 audiovisuais sobre diversos temas na área de artes. A arte não é uma coisa intocável, isolada num céu platônico. Ela é contaminável com as questões políticas, sociais, econômicas, religiosas, com a emoção das pessoas. Está dentro de um sistema. Sempre vejo a arte como parte da sociedade. Ela nunca está sozinha, está sempre relacionada a alguma coisa. Não é papel da arte tratar os males sociais, mas em alguns casos é usada para tal fim. Ela é um instrumento para isso. Não é tarefa dela. Não é função da arte doutrinar ninguém.
 
 A ARTE NÃO PERTENCE A NINGUÉM

Entrevista:

 marília andrés ribeiro (mar)
No final dos anos 1960 e início dos anos 1970,
você teve uma atuação importante como crítico militante e curador no circuito
artístico do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, propondo e coordenando
eventos como Arte no Aterro – um mês de arte pública (1968) e os Domingos
da Criação (1971), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e Do Corpo à
Terra (1970), no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, de Belo Horizonte.
Como foram pensadas e articuladas essas intervenções urbanas?

Frederico Morais (FM):
 A última coisa que fiz em Belo Horizonte, antes de me instalar
no Rio de Janeiro, foi a exposição Vanguarda Brasileira (1966), no prédio da Reitoria
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Apesar do título abrangente, ela
reuniu apenas artistas cariocas ou atuantes no Rio de Janeiro, como Antonio Dias,
Rubens Gerchman, Carlos Vergara e Maria do Carmo Secco, que tangenciavam, com
seus trabalhos, a chamada nova figuração e/ou a figuração narrativa europeia; Ângelo
Aquino, Dileny Campos, Pedro Escosteguy e, principalmente, Hélio Oiticica,
que estabelecia uma espécie de ponte entre esses novos artistas e o neoconcretismo.

Para mim, essa exposição, a primeira que organizei, significou um momento
de inflexão e de arranque em minha atividade como crítico. Com efeito, na última
hora, não podendo Hélio Oiticica comparecer à mostra e tampouco enviar seus trabalhos,
eu, Gerchman e Dias decidimos recriar seus Bólides, tendo como referência
seu conceito de apropriação. Escolhemos ovos e brita na realização dos trabalhos,
matéria-prima que acabou sendo usada em um grande happening na noite do vernissage,
no qual muitos presentes viram um ato político – contra o regime militar.

Decisão que Oiticica aprovaria, ao referir-se a ela em seu texto de apresentação da
mostra Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro, em 1967. A mostra da UFMG foi simultaneamente minha despedida
de Belo Horizonte e minha entrada no circuito de arte brasileira, via Rio de Janeiro.
Residindo no Rio e titular da coluna de Artes Plásticas do Diário de Notícias, fui
convidado a dar aulas de história da arte no Museu de Arte Moderna e, dois anos
depois, assumia a coordenação do setor de cursos, promovendo ampla reforma, que
integrou os diversos ateliês (pintura, gravura, escultura); vinculou as aulas práticas
a matérias teóricas e de história da arte moderna e pós-moderna; criou o curso de
cultura contemporânea, com aulas diárias, pela manhã, com duração de um ano,e conferências diárias, à noite, sobre temas os mais diversos; um curso popular de
arte, gratuito, aos domingos à tarde, e outras iniciativas, como a Unidade Experimental.

Continuei mantendo contatos regulares com os participantes de Vanguarda Brasileira,
especialmente Gerchman, Maria do Carmo Secco e Oiticica. Mas, ao mesmo
tempo, fui me relacionando com artistas mais jovens, frequentadores habituais do
MAM, que ficariam pouco depois conhecidos como integrantes da chamada “geração
AI-5”. Entre eles estavam Cildo Meireles, Antonio Manuel, Artur Barrio, Wanda
Pimentel, Raymundo Colares, Cláudio Paiva e Umberto Costa Barros. Foi essa geração,
que iria se destacar pelo radicalismo de suas propostas, que eu apoiei como
crítico de arte. Seus integrantes reuniam-se praticamente todos os dias, a partir das
16 horas, na cantina do MAM, para comentar exposições e a situação política; discutir
questões estéticas ou se encontrar com artistas mais velhos ou recém-chegados
de São Paulo e de outros estados; programar atividades e ações, redigir manifestos.
Ou, como afirmou certa vez Carlos Vergara, para “resolver todos os problemas do
Brasil e se possível do mundo”.

Foi no Salão da Bússola, realizado no MAM-RJ, em 1969, do qual fui jurado,
que essa geração se consolidou, criando, no âmbito da arte brasileira, um contraponto
mais conceitual às duas gerações imediatamente anteriores, a de Dias e Gerchman
e a dos neoconcretos. Organizado por Aroldo Araújo, proprietário de uma
agência de comunicação, o Salão estava calcado em um regulamento absolutamente
convencional. Mas, por uma dessas ironias de nossa história artística, transformouse
em um dos marcos inaugurais de uma nova vanguarda brasileira.
mar Como isso aconteceu?

FM
Várias obras realizadas por integrantes dessa geração foram recusadas em bienais
e salões de arte ou, depois de aceitas, retiradas das exposições, sob a alegação de
que eram obras subversivas. Foi o que ocorreu, por exemplo, na II Bienal da Bahia
(1968), inaugurada com um discurso do Governador do estado, no qual defendia
enfaticamente a liberdade de criação do artista, mas fechada no dia seguinte por ordem
dos organismos de segurança. Ou a mostra da representação brasileira à Bienal
de Paris (1969), montada no Museu de Arte Moderna do Rio, impedida de se abrir
por ordem do General César Montagna de Souza, comandante de artilharia da I Região
Militar. A não participação do Brasil na mostra parisiense resultou no boicote
internacional à Bienal de São Paulo. Países como Suécia e Noruega só voltariam a
participar da bienal paulista mais de uma década depois.

Frederico Morais, Folheto
Arte no Aterro, Rio de Janeiro, 1968


Com seus ateliês atulhados de obras, esses artistas decidiram concorrer em
massa ao Salão da Bússola. E houve, então, um lance divertidíssimo. O regulamento
do Salão dizia que os artistas poderiam se inscrever nas categorias de pintura,
escultura, desenho, gravura etc. Aí todos eles se inscreveram na categoria “etc.”

[risos]. Dos quinze integrantes da Geração AI-5, onze foram premiados. Juntos, realizaram
um salão de vanguarda dentro do Salão da Bússola. Cildo recebeu o prêmio
maior – uma viagem Rio-Nova/York-Londres –; Wanda, uma viagem a Paris, outros
receberam prêmios aquisitivos ou bolsas de estágio na própria agência de Aroldo
Araújo. Estava lançada a primeira geração brasileira de artistas conceituais. Porém,
muito diferentes de seus colegas europeus e norte-americanos, mais interessados
em questões linguísticas, como era o caso do grupo Art Language, sediado na Inglaterra,
com ramificações nos Estados Unidos. No Brasil, como nos demais países do
Cono Sur, a arte conceitual coincide com a eclosão das ditaduras militares, deixandose
impregnar por questões políticas candentes, como se pode ver nos trabalhos realizados
à época por Cildo Meireles, Antonio Manuel ou Artur Barrio.

Com dificuldades para expor suas obras, sempre radicais, nos museus e no circuito
de galerias, levaram suas obras para as ruas ou buscaram outras alternativas.

Impedido de apresentar suas obras no MAM-RJ, mesmo depois de aprovadas, Antonio
Manuel levou sua “exposição” para as páginas de O Jornal, cuja manchete dizia “De 6 às 24 horas nas bancas de jornais”. O público foi bem maior. Guilherme Vaz, após caminhar alguns quilômetros, oferecia seus sapatos e sua camisa suada às pessoas para que os vestissem, e Barrio distribuiu seus “amarrados” de pães envelhecidos e, a seguir, suas Trouxas Ensanguentadas em diferentes logradouros da cidade.

mar
 Foi a partir desse contexto que surgiu a proposta de Arte no Aterro, ocupando
o Aterro do Flamengo com intervenções artísticas?

fm 
Sim. Como disse, eu era titular da coluna de Artes Plásticas do Diário de Notícias, na
qual tinha liberdade para escrever o que bem entendesse, facilitando bastante minha
ação em favor de uma arte de vanguarda. Como mantinha bom relacionamento com
342 rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.1, p.336-351, jan./jun. 2013
ribeiro, m.a. entrevista com frederico morais
os diretores do jornal, eu os convenci a apoiar a realização do evento, que durou todo
o mês de julho de 1968.

Nessa época eu já defendia um processo de democratização e/ou dessacralização
da arte, levando à rua a criatividade plástica dos artistas. Ao mesmo tempo
afirmava que todas as pessoas são criativas, independentemente de sua origem social,
situação econômica ou nível intelectual, ressalvando, porém, que nem todas as
pessoas criativas se tornam artistas, assim como nem todos os artistas são necessariamente
pessoas criativas. Muitos não passam, na verdade, de burocratas da arte.
Pesadas esculturas de Jackson Ribeiro, revelando certo cunho arcaizante, apesar
de realizadas com sucata de ferro, foram colocadas diretamente no chão do Aterro,
e nele permaneceram um mês. Em um espaço conhecido pelo nome de pavilhão
japonês, foram realizadas exposições semanais de Ione Saldanha, Maurício Salgueiro,
Júlio Plaza e do grupo Poema-Processo.

Nos sábados e domingos, pela manhã, Antonio Manuel, Wilma Martins,
Maria do Carmo Secco e Manuel Messias desenvolviam atividades didáticas em desenho, gravura ou talha. Eu dava aulas peripatéticas de história da arte. À tarde, eram realizadas manifestações de vanguarda, como as de Roberto Moriconi, estilhaçando com tiros de espingarda placas de vidros e
estourando balões contendo água colorida, criando, no chão, composições tachistas.

No último domingo de Arte no Aterro, Hélio Oiticica comandou a manifestação por
ele batizada de Apocalipopótese (fusão das palavras apoteose, hipótese e apocalipse)
da qual participaram Antonio Manuel, Lygia Pape e Rogério Duarte. Este, por sua
vez, contratou um adestrador de cães para se “apresentar” no Aterro com seus animais.
Alguns lances de Arte no Aterro foram premonitórios. No dia seguinte à realização
de Apocalipopótese, uma segunda-feira, a polícia empregaria jatos de água
colorida e cães na perseguição aos manifestantes de mais uma passeata no centro
do Rio de Janeiro contra a ditadura militar. Como se vê, a arte, quando levada à rua,
acaba sempre ganhando uma moldura política.

mar
Nessa época você acumulava várias atividades – crítico de arte, curador,
professor e coordenador do setor de cursos do MAM, autor de audiovisuais.
Como foi sua atuação, enquanto crítico e curador, na realização dos
Domingos da Criação, em 1971?

FM
 Naquele tempo ainda não se usava no Brasil o termo “curador”, que identificava
nos grandes museus o responsável pelas exposições. No Brasil o emprego do termo
“curador” é recente, inicialmente aplicado às exposições organizadas por críticos
de arte independentes em museus, espaços culturais e galerias. Hoje, no entanto,
o termo, além de não se restringir mais às artes plásticas, encontra-se totalmente
banalizado, não sendo mais uma extensão da atividade crítica e, no meu entender,
de uma crítica encarada como criação.

A crítica de arte
 não se restringe mais ao texto, isto é, ao comentário jornalístico ou
ao ensaio acadêmico, produzido nas universidades.
É cada vez menos uma atividade judiciativa, fundada em princípios rígidos, estáveis. É cada
vez mais criação. Eu, por exemplo, realizei diversos audiovisuais como forma de crítica de arte e até mesmo uma exposição, que denominei A Nova Crítica, para comentar as mostras sequenciais de Cildo Meireles, Teresa Simões e Guilherme Vaz, englobadas sob o título Agnus Dei, realizadas na Petite Galerie em 1971.

Desde 1969, eu vinha desenvolvendo no MAM uma série de práticas educativas
e “museológicas”, que tinham como base dois princípios: mais que um edifício ou
um espaço delimitado, mais que depositário de um acervo, o museu de arte, hoje,
é um programador de atividades que se podem estender por toda cidade e o ensino
de arte não se fundamenta mais no aprendizado de técnicas específicas que envelhecem
rapidamente. A noção de ateliê amplia-se, passando a ser qualquer lugar da
cidade onde estiverem reunidos professores e alunos, e a técnica a ser desenvolvida
na realização dos trabalhos é aquela adequada aos materiais e locais disponíveis
no momento. Todo e qualquer material, inclusive o lixo industrial e os resíduos do
consumo, podem ser trabalhados esteticamente. Professor de história da arte, eu
levava meus alunos às feiras e aos supermercados para melhor compreender a popart.
Ou percorríamos de ônibus áreas industriais para contemplar gasômetros, silos
e outras estruturas industriais para em seguida confrontá-las com a minimal art.
Ou alugávamos tratores e escavadeiras para fazer perfurações e outras intervenções
nas areias brancas de uma Barra ainda inabitada, quando o tema em discussão era a
earth-art e suas implicações metafísicas.

Naquele mesmo ano de 1969, em comunicação que apresentei no VI Colóquio
da Associação Brasileira de Museus de Artes, realizado em Belo Horizonte, defini
o museu de arte pós-moderna como o Plano-Piloto da Futura Cidade Lúdica,
afirmando que, nele, a preocupação central seria a atividade criadora e não a obra
de arte em si. Nele, o objetivo não seria levar ao público a arte enquanto o produto
acabado, mas processos criativos.

E ainda recentemente (setembro de 2012), no Seminário “O Colecionismo de Arte no Brasil do século XXI”, realizado em São Paulo, ousei afirmar que “a arte não pertence aos museus, às galerias de arte, aos colecionadores e, no limite da interpretação, aos artistas. A arte não pertence a ninguém, isto é, ela pertence a todos. A arte é um bem comum do cidadão, da humanidade”.

mar

Os Domingos da Criação também fizeram parte de sua coordenação no
MAM?

FM
Os Domingos da Criação nasceram como uma extensão das atividades do setor de
cursos do MAM. Antes da reformulação referida, essas atividades não ocorriam nos
meses de janeiro e fevereiro, o que me parecia um evidente contrassenso, pois é
nessa época do ano, a do verão, que o carioca afirma sua personalidade extrovertida,
buscando o sol e a praia, a rua e o chope, mas também atividades culturais em
espaços abertos. Ora, o Aterro do Flamengo, projetado por Burle Marx, é uma das
maiores áreas de lazer do Rio de Janeiro e a área externa do MAM ainda é passagem
para as pessoas que, oriundas de bairros limítrofes ou do entorno do Centro do Rio
de Janeiro, se dirigem às praias do Flamengo e Botafogo. E Afonso Eduardo Reidy,
ao projetar o belo prédio do MAM, procurou adequá-lo à horizontalidade do Aterro
e à própria paisagem do Rio. O MAM tem muito lá fora: o pátio, os jardins de pedra
e o de palmeiras imperiais, o terraço de onde se contempla o Pão de Açúcar, o
Monumento dos Pracinhas, o Outeiro da Glória, o mar e as montanhas. E isto não
estava sendo aproveitado e integrado às suas atividades criativas. Por isso, porque
me via pensando o MAM não como parte do Aterro, mas este como uma espécie
ribeiro, m.a. entrevista com frederico morais de extensão do MAM, realizei os Domingos da Criação, definidos por mim como manifestações de livre criatividade com novos materiais. A ideia inicial era realizar um único Domingo da Criação, em janeiro. Ou dois, o segundo em fevereiro.

Mas o sucesso foi tão grande e imediato que realizamos seis, entre janeiro e agosto de 1971. Pela ordem:
Um Domingo de Papel, O Tecido do Domingo, O Domingo por um Fio, Domingo Terra a Terra, O Som do Domingo e O Corpo a Corpo do Domingo. A escolha de cada material a ser trabalhado pelos participantes foi longamente estudada.

Era preciso adequar os materiais aos objetivos do projeto, às características da arquitetura do museu e de seu espaço externo, à segurança dos participantes e da própria instituição; em seguida, localizar, entre as indústrias sediadas no Rio de Janeiro, aquelas capazes de doar e transportar gratuitamente os materiais solicitados e, recebida a matéria-prima, como estocá-la no MAM e, depois de realizados os Domingos, promover rapidamente a limpeza da área externa do museu.

As quantidades do material doado por diferentes empresas eram significativas.
Vários fardos cúbicos de aparas de papel e de tecido, que pareciam inesgotáveis
quando abertos, enormes bobinas de papel pardo, sobras de bobinas de papel-jornal,
caixas de papelão corrugado, centenas de revistas. Peças inteiras de tecido eram
desenroladas pelos integrantes do grupo teatral Tá na Rua, de Amir Haddad, para
criar cenografias e coreografias em seu deambular pelos espaços do MAM, subindo
e descendo a rampa que leva ao terraço ou encimando as pedras retangulares
do jardim. Para o Domingo Terra a Terra, foram toneladas de areia, brita e outros
materiais de construção transportados em caminhões basculantes e despejados no
pátio do museu.

Para o primeiro domingo, convidei artistas como Carlos Vergara e Antonio Manuel
para deslanchar, a partir do material existente, processos criativos. Mas tão logo
se instalava uma dinâmica criativa eles abandonavam o primeiro plano da ação, dando
lugar aos participantes anônimos. Outra medida adotada foi desestimular a repetição
das mesmas soluções criativas, como a de transformar papel, tecido e fios em
 vestimentas, oferecendo nos domingos subsequentes materiais de difícil manejo, como no Domingo Terra a Terra. Ou como no último domingo da série limitando-se a oferecer o espaço externo do MAM para que os participantes trabalhassem o próprio corpo como a matéria-prima essencial.

É importante lembrar que, com raras exceções, a crítica oficial fez oposição cerrada
aos Domingos da Criação. De dedo em riste, a velha crítica dizia que eu estava
emporcalhando e comprometendo a imagem do MAM. Mas enquanto os críticos,
encastelados em suas colunas, brandiam contra os Domingos da Criação, os jornais
estampavam, na primeira página das edições de segunda-feira, lindas imagens do
evento, ampliando nacionalmente sua repercussão. E logo passaram a ser uma referência
para propostas similares levadas a cabo em várias capitais brasileiras e,
até mesmo, em países vizinhos. Quando, sete anos depois, um incêndio queimou
a quase totalidade do acervo do MAM e de obras de arte da mostra América Latina:
Geometria Sensível, inclusive 80 obras da fase construtiva de Joaquim Torres-
Garcia, os Domingos da Criação já eram um capítulo importante na história da arte
moderna brasileira.

E agora percebo que, de forma subjacente, os Domingos da Criação reviveram,
de forma alegre e descontraída, boa parte da história da arte contemporânea,
ou, para ser mais preciso, a passagem do moderno ao pós-moderno. Estava
tudo ali: Dada, Fluxus, pop-art, arte cinética, arte conceitual, body art, performances,
happenings, earth-art etc.

Tal como na escolha dos materiais, os títulos de cada manifestação foram longamente
estudados, alguns carregando certa dose de humor, para que, simultaneamente,
se discutisse o próprio significado do domingo em relação a temas correlatos
no cenário urbano, tais como as polaridades lazer e trabalho, meio e fim de semana,
burocracia e criatividade, arte e sociedade, infância e terceira idade etc.
mar Até aqui você falou das intervenções urbanas que coordenou no Rio de Janeiro.
Fale agora do evento Do Corpo à Terra, realizado em 1970, por ocasião
da inauguração do Palácio das Artes, em Belo Horzionte.

FM
 Começo esclarecendo, como já fiz em outras oportunidades, que foram dois eventos
simultâneos e interligados: a mostra Objeto e Participação, inaugurada no Palácio
das Artes, em 17 de abril de 1970, e a manifestação Do Corpo à Terra, que se desenvolveu
no Parque Municipal [Américo Renné Giannetti] de Belo Horizonte, entre 17 e 21 de abril do mesmo ano. E, agora me dou conta, a localização do Palácio das Artes na face do Parque Municipal voltada para a Avenida Afonso Pena lembra a rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.1, p.336-351, jan./jun. 2013 347 ribeiro, m.a. entrevista com frederico morais Frederico Morais, “Domingos da Criação”, Rio de Janeiro, 1971 (frames de vídeo remasterizado, Itaú Cultural) situação do MAM-RJ ocupando um dos extremos do Aterro do Flamengo. Duas instituições culturais localizadas em dois grandes parques públicos, estimulando-se mutuamente.

A mostra Objeto e Participação tinha, aparentemente, um viés conservador. Mas
só aparentemente, porque todos os trabalhos expostos se enquadravam em uma
nova categoria, o Objeto, estando vários passos à frente de outras categorias, como
os Bambus, de Ione Saldanha, as esculturas vazadas de Weissmann, dentro das
quais se podia caminhar, os módulos figurativos de Carlos Vergara, construídos com
papelão corrugado e empilhados como mercadorias. Havia também obras que solicitavam
a participação dos espectadores, como as Caixas Olfativas, de José Ronaldo
Lima, e as Camas, de Teresinha Soares. Ou obras quase invisíveis, mas na verdade
onipresentes, de Teresa Simões, surpreendendo os visitantes ao veicular, carimbando,
palavras emblemáticas, tais como Dirty, Verboten, FragILE, em lugares imprevistos
do Palácio das Artes. Aliás, uma afirmação de Malcolm X, o ativista negro dos
Estados Unidos, contida em um dos seus carimbos, Act Silently, era uma definição
prévia do modo de agir da artista.

Mas, sem dúvida, Do Corpo à Terra foi uma proposta mais radical, por seus
aspectos inovadores, quase uma ilustração da teoria da “guerrilha artística”, tema
que abordei em um ensaio de 1979, Contra a Arte Afluente: o Corpo é o Motor
da Obra. A surpresa, o improviso, a velocidade das ações, a precariedade do armamento,
dos materiais e dos suportes empregados são algumas das táticas usadas por guerrilheiros em suas ações que foram absorvidas pelos artistas pós-modernos. Pela primeira vez, no Brasil, artistas eram convidados não para expor obras já concluídas, mas para criar seus trabalhos diretamente no
local. Se no Palácio das Artes houve um vernissage, com hora marcada, no Parque os trabalhos se desenvolveram em locais e horários diferentes, o que significa dizer que ninguém, inclusive os artistas e o curador, presenciou a totalidade das manifestações individuais. Os trabalhos realizados permaneceram em seus locais até sua destruição, acentuando o caráter efêmero e deliberadamente
precário de boa parte da criação artística atual, que, tendo evoluído do Objeto à ação, esgota-se no tempo de sua realização, passando a existir apenas como registro e/ou documento. Não houve catálogo, substituído pela publicação nos jornais de um texto, e a publicidade do evento foi feita por volantes, distribuídos nas ruas, praças, estádios de futebol etc.

Do Corpo à Terra foi patrocinada pela Hidrominas, empresa de economia mista
responsável pela promoção do turismo no estado de Minas Gerais. Cada artista
convidado a participar do evento recebeu uma carta da empresa que o autoriza a
realizar seus trabalhos no Parque Municipal – não se mencionando qualquer tipo de
restrição ou proibição: locais, temas, materiais etc. O que, em tempos de ditadura e
em face de repetidos atos de censura de obras de arte, foi um formidável incentivo
à liberdade de criação e mesmo ao enfoque político de certas obras, cujo ápice foi a
queima de galinhas vivas por Cildo Meireles, em seu Tiradentes: Monumento-Totem
ao Preso Político, coadjuvado por Artur Barrio, lançando suas Trouxas Ensanguentadas
no Ribeirão do Arrudas. Curiosamente, foram nos escalões mais baixos do
sistema policial que ocorreram algumas ameaças de repressão. O trabalho conjunto
de Luciano Gusmão e Dilton Araújo consistiu em cercar o Parque Municipal
com cordas, tendo os troncos de árvores como pontos de referência. Mas, enquanto
numa ponta os dois iam armando sua trama, na outra ponta os guardas municipais
iam desfazendo os nós. Lotus Lobo armou um pequeno canteiro no qual lançou
sementes de milho. Queria vê-las crescer. Mas os guardas de uma radiopatrulha,
desconfiados, ficavam todo o tempo rondando o local pensando tratar-se de outra
coisa – um ervanário.

Mais uma vez, Hélio Oiticica não pôde comparecer e executar ele próprio seu
projeto, o único previsto para se realizar fora do Parque Municipal. E, por indicação
dele, coube ao artista norte-americano Lee Jaffe executá-lo: uma longa trilha aberta
na Serra do Curral, preenchida com açúcar. Antecipação de trilhas menores, igualmente
brancas, redesenhando as faces míticas e heroicas de Marilyn Monroe e Jimi Hendrix.

mar 
Ainda sobre Do Corpo à Terra, você lançou na ocasião um manifesto no
qual reivindicava a liberdade de expressão e apresentou a intervenção Quinze
Lições Sobre Arte e História da Arte: Homenagens e Equações. Gostaria que
você falasse sobre o manifesto e a sua intervenção no Parque Municipal.

FM
O que, em seu livro sobre as Neovanguardas em Belo Horizonte: anos 1960, você registrou
como manifesto foi a minha apresentação conjunta da exposição [Objeto e
Participação] e do evento [Do Corpo à Terra]. Como disse antes, não houve catálogo,
por falta de dinheiro e de tempo para editá-lo. Do texto que eu escrevi, foram feitas
cópias mimeografadas, entregues aos artistas participantes e a alguns jornalistas.

É possível que outras pessoas e/ou artistas participantes tenham feito novas cópias,
aumentando a circulação e reforçando a divulgação que já vinha sendo feita pelo volante
antes referido. Por iniciativa de Mari’Stela Tristão, o meu texto foi reproduzido
na íntegra, e destacadamente, pelo jornal Estado de Minas. O que reforçou a ideia de
que se tratava de um manifesto, como tantos que marcaram os primeiros anos do
modernismo europeu e no Brasil dos anos 1920.

Busquei em meu arquivo a pasta contendo documentos sobre Do Corpo à Terra,
reli aquela apresentação de 1970 e me convenci de que, sim, é um manifesto. Como,
aliás, já escrevera, como que a desculpar-me, na apresentação que fiz para a remontagem
do evento em 2001 na antiga galeria do Itaú Cultural, em Belo Horizonte.
Permita-me ler: “devo reconhecer, no entanto, que em alguns momentos a apresentação
resvalava para uma retórica afirmativamente dogmática, a lembrar a linguagem
de outros manifestos da vanguarda histórica, contudo, plenamente justificável,
tendo em vista a radicalidade das propostas dos artistas envolvidos no projeto”.
De volta ao Rio de Janeiro, em entrevista que concedi ao meu colega Francisco
Bittencourt, publicada no Jornal do Brasil [maio de 1970], carreguei mais ainda nas
palavras e, respondendo à pergunta sobre se os acontecimentos de Belo Horizonte
teriam significado uma nova Semana de Arte Moderna, respondi:

Mário de Andrade, em conferência comemorativa dos 20 anos de realização da Semana
de 1922, afirma: “nós éramos os filhos finais de uma civilização que acabou”. Nós
somos mais pretensiosos: se a nossa civilização está apodrecida, voltemos à barbárie.
Somos os bárbaros de uma nova raça. Os imperadores da velha ordem que se guardem.
Trabalhamos com fogo, sangue, ossos, lama, terra ou lixo. O que fazemos são celebrações,
ritos, rituais sacrificiatórios. Nosso instrumento é o próprio corpo – contra os
computadores. Usamos a cabeça – contra o coração. E as vísceras, se necessário. Nosso
problema é ético – contra o onanismo estético.

E acrescentei:
Vanguarda não é atualização dos materiais, não é a arte tecnológica. É um comportamento,
um modo de encarar as coisas, os homens e os materiais, é uma atitude definida
diante do mundo. É o precário como norma, a luta como processo de vida. Não
estamos preocupados em concluir, e dar exemplos. Em fazer História-ismos.
rev. ufmg, belo horizonte, v. 20, n.1, p.336-351, jan./jun. 2013 351
ribeiro, m.a. entrevista com Frederico Morais

Quinze Lições Sobre Arte e História da Arte foi outra novidade do evento, não só
por estarem as fotos na rua, mas, também, porque nele o curador, que é um crítico de
arte, participa como artista. Foi o primeiro trabalho que realizei como artista, mesmo
tratando de temas da história da arte. De certa maneira, foi um desdobramento de
minhas aulas de história da arte, nas quais, como relatei anteriormente, levava meus
alunos para supermercados, praias ou áreas industriais para, mediante confrontos,
analisar movimentos artísticos como a pop-art, a minimal art e a earth-art.

Trazer a história da arte para o nosso cotidiano,
 para a rua. Passar do texto à imagem.

Para realizar a série, pedi ao Maurício Andrés Ribeiro que fotografasse determinadas
áreas do Parque Municipal. Reveladas, as fotos eram montadas sobre placas
de madeira e implantadas bem à frente da área ou objeto fotografado. Cada foto era
legendada com um texto que estabelecia um vínculo ou conexão significativa entre o
conteúdo da imagem fotográfica e a obra de um artista de minha preferência – Constantin
Brancusi, Piet Mondrian, Kasimir Malevich, Marcel Duchamp etc. – ou um capítulo
da história da arte, como, por exemplo, o cinetismo. Ou, relacionando a imagem
resultante e a área fotografada, buscava estabelecer determinadas equações estéticas,
tipo “a arte não deixa traços”, “arte: tensionar o ambiente”, “arqueologia do urbano”.

Na verdade, o que eu estava propondo era ler, na paisagem do parque, a própria história
da arte universal e, em ambas, uma parte de minha história de vida.

Wilma Martins

Retrospectiva, Cotidiano e Sonho” no Paço Imperial, Rio de Janeiro


Em fevereiro de 2014, a artista plástica Wilma Martins completa 80 anos de vida. Celebrando esta data especial , o Paço Imperial, no Rio de Janeiro/RJ, apresenta um panorama geral sobre seus trabalhos e obras. Está em cartaz, até o dia 16 de fevereiro, a mostra “Wilma Martins: Retrospectiva, Cotidiano e Sonho”.

As obras apresentadas na exposição datam desde 1955 até 2008, com mais de 140 itens selecionados pelo crítico Frederico Morais. Há destaque para ilustrações criadas especialmente para livros infantis e jornais, que estão à mostra em vitrines, além de documentos diversos, que reúnem catálogos, recortes de jornal e fotografias.

Wilma Martins, mineira de Belo Horizonte, é um dos grandes nomes do realismo brasileiro. Na capital mineira, ela foi aluna de Guignard, Misabel Pedrosa e Anna Letycia. Teve participação em Bienais Internacionais no mundo inteiro, além de diversas mostras de arte brasileira na América Latina, EUA e Europa. Sua trajetória é marcada por diversos prêmios, como o Prêmio Itamaraty, na Bienal Internacional de São Paulo, em 1967.

Confira detalhes sobre a exposição:
“Visões na Coleção Ludwig”
Local: Centro Cultural Paço Imperial
Praça XV de Novembro, 48 – Centro – Rio de Janeiro/RJ
Quando: até 16 de fevereiro de 2014
Funcionamento: de terça a domingo, das 12h às 18h
Contato: 21 2533-4207 – http://www.pacoimperial.com.br/
Preços: entrada franca

 
WILMA MARTINS: RETROSPECTIVA. COTIDIANO E SONHO


A artista mineira Wilma Martins, radicada no Rio, apresenta uma retrospectiva com 140 ítens – pinturas, gravuras, desenhos, aquarelas, livros e documentos, celebrando 80 anos de idade e 60 de carreira, sob  curadoria do crítico Frederico Morais. A mostra segue para o Museu de Arte da Pampulha, BH, e para o Instituto Tomie Ohtake, SP, em 2014.

“Wilma Martins: Retrospectiva. Cotidiano e Sonho”, o primeiro panorama completo de sua produção, de 1955 a 2008, está montada em núcleos de cada uma das linguagens que a artista trabalhou e como elas se relacionam. Por exemplo, um mesmo tema tratado na pintura e no desenho. As ilustrações que Wilma realizou para jornais e livros infantis serão apresentadas em vitrines. O segmento documental reúne catálogos, fotografias e recortes de jornal.

“Cotidiano”, sua série mais famosa, de desenhos, pinturas e litografias, tem cenários domésticos que abrem espaço para animais, de elefantes a formigas. Sobre a presença de bicho na cena caseira, Wilma avalia que ele seria “um prisioneiro, um visitante ou anjo exterminador que irá transformar aquele espaço e a rotina do cotidiano.” Há telas em que cristais atravessam paisagens em narrativas fantásticas; em outras, figuras geométricas são formadas por corpos humanos. “A necessidade de compatibilizar o cotidiano e o sonho é que parece guiar a mão de Wilma Martins quando ela desenha ou pinta”, escreveu Ferreira Gullar sobre a artista.

Wilma Martins [BH, 1934] foi aluna de Guignard, Misabel Pedrosa e Anna Letycia ainda na capital mineira. Ela participou das Bienais Internacionais de São Paulo, Liubliana, Biella/Itália, Santiago do Chile, Porto Rico, Veneza, Cali/Colômbia, da Trienal de Carpi/Itália e da Xylon V, Genebra e Berlim, e de diversas mostras de arte brasileira na América Latina, EUA e Europa. Ela ganhou o Prêmio Itamaraty, na Bienal Internacional de São Paulo de 1967, Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna de 1975 e o Prêmio Principal do Panorama de Arte Atual Brasileira em 1976, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Aluna de Guignard, Wilma Martins celebra 80 anos de vida e 60 de carreira

Wilton Montenegro/Divulgação

Extraído de: hojeemdia   Março 15, 2014

 

"O RETORNO" -Xilogravura (1968) da artista que espalhou sua criatividade em diversos suportes

A importância de Wilma Martins para as artes plásticas no Brasil é incontestável. Aluna de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), ela realizou suas primeiras exposições individuais em Belo Horizonte, cidade onde nasceu e se formou em pintura, desenho, gravura e ilustração.

Depois, rumou para outras galerias no Brasil e no mundo. Integrou bienais nacionais e internacionais -como mostras de arte brasileira na América Latina, Estados Unidos e Europa. Por tudo isso, recebeu cerca de duas dezenas de prêmios.

No entanto, é a partir de hoje, na cidade que viu Wilma dar os primeiros passos, que a artista recebe uma das mais completas e afetuosas homenagens.

A exposição "Wilma Martins: Retrospectiva. Cotidiano e Sonho" faz um apanhado dos 60 anos de carreira da mineira. Reúne quadros, desenhos, ilustrações e xilogravuras -uma das habilidades e expertise da artista que por anos fora esquecida ou simplesmente ignorada pelos críticos.

"Hoje, meus laços com Belo Horizonte são meramente afetivos porque minha vida, ao longo dos anos, foi construída no Rio de Janeiro, para onde me mudei em 1966. Ao chegar na cidade para essa exposição, meu Deus! Quanta diferença. Essa cidade não é a mesma que conheci anos atrás. Eu nunca ouvi falar da metade dos bairros que BH tem hoje, mas também, quando fui embora, éramos pouco mais de 500 mil habitantes. Hoje são quantos? Mais de dois milhões. Nossa, é muita gente, né?".

A mostra que fica na Galeria de Arte do Centro Cultural Minas Tênis Clube até 22 de junho teve início no Rio de Janeiro e, depois de BH, segue para São Paulo. Mas o projeto vai além dos muros e paredes das galerias que a recebe. Segundo o curador da mostra, Frederico Morais, 78 anos, com quem Wilma é casada há 54, o projeto da retrospectiva sobre a artista que chega em forma de exposição é, adiante, ter sequência em livro. "Tenho alguma experiência em curadoria", diz, modesto. "Já fiz algumas muito difíceis, mas posso garantir que exposições como essa acabam dando mais trabalho porque, afinal, tenho uma ligação afetuosa com tudo isso".

Vida ‘empurrada pelo destino’
Sabe aquele ditado "o amor acontece nas horas e lugares que a gente menos espera"?. Pois bem.á estavam os ainda jovens Wilma e Frederico, à espera do ônibus, quando o danado do amor apareceu. "Entre uma conversa e outra, a convidei para uma festa de fim de ano e ela aceitou. Não nos largamos mais", recorda Frederico, durante entrevista ao Hoje em Dia.

Passados 54 anos do convite para a festa, Frederico (mais uma vez) não quis dar ponto sem nó -e decidiu homenagear Wilma, no aniversário dela de 80 anos, com uma exposição.

"Eu queria fazer uma coisa bem bonita para comemorar os anos dela, sobretudo, quis mostrar a importância de Wilma como artista para o Brasil. A mostra é, portanto, uma homenagem, a representação do respeito que tenho por tudo que ela fez ao longo dos anos pela arte", resume.
Há dez anos, recorda Frederico, Wilma sofreu uma queda que acabou afastando-a da produção artística. "Isso contribuiu para o esquecimento dela dentro do processo brasileiro de arte. A mostra chegou para mudar isso também".

A homenagem deu certo. No ano passado, a mostra foi eleita pelo jornal "O Globo" e pela revista "Veja" como uma das melhores do ano.

XILOGRAVURA
Evidentemente, como um profundo conhecedor do trabalho de Wilma, Frederico dividiu a mostra de modo que toda a experiência da artista fosse destacada -principalmente a xilogravura, "com a qual ela trabalha com propriedade e rigor", e a ilustração. "Ela cria com a sensibilidade e a inteligência da criança. Nesse segmento, este é o seu maior mérito", destaca.

O livro, que ainda não tem previsão de lançamento, terá a missão de sublinhar ainda mais essa expertise da artista. "Além da documentação fotográfica, a obra contará com textos já conhecidos e outros inéditos", revela ele.

Wilma que ainda estudante trabalhou como ilustradora e diagramadora de jornais em BH, garante que, apesar de todas as conquistas, foi o "destino" um dos seus muitos parceiros: "Minha carreira foi meio orgânica, sabe? Não precisei correr muito atrás. As coisas foram acontecendo. Minha vida é um punhado de empurrões do destino", diz, aos risos, uma delicada artista, mãe de um "menino", um neto, um gato e um cão.

"Wilma Martins: Retrospectiva. Cotidiano e Sonho"
 na Galeria do Centro Cultural Minas Tênis Clube
 (r. da Bahia, 2244, piso CS5, Lourdes). 
Terça a sábado, das 10 às 20h. Domingos e feriados, das 11 às 19h. Até 22/6
Li-Sol-30
 http://issoehermanmiller.com.br/blog/exposicaoCwilma-martins-retrospectiva-cotidiano-e-sonho
D-no-paco-imperial-rio-de-janeiro/
http://www.bolsadearte.com/oparalelo/seis-mostras-no-paco-imperial
 http://dasartes.com/2012/interview-with-frederico-morais/
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