quinta-feira, 27 de junho de 2013

MAESTRO CLAUDIO ABBADO FAZ 80 ANOS



Gustav Mahler -Sinfonia N1 " O Titã "-
 Claudio Abbado, 
Orquestra Filarmônica Scala - 55m


 
Sinfonia N.41- Júpiter

Cultura

Maestro Claudio Abbado completa 80 anos


Um dos principais artistas vivos, italiano combina como poucos o amor às artes com consciência social e ambiental, em iniciativas pioneiras. "Cultura é tão essencial à vida quanto a água", diz o seu credo. 

Nascido em Milão, no norte da Itália, em 26 de junho de 1933, Claudio Abbado é um migrante entre os mundos. No entanto, no intervalo entre um concerto e outro, o maestro – há décadas aclamado pelo público das maiores salas de concerto internacionais – geralmente prefere se recolher à solidão.
Um de seus refúgios prediletos fica na costa oeste da Sardenha. Lá ele cultiva carinhosamente seu jardim, onde buganvílias e bananeiras crescem com exuberância. É nesse local idílico, a meio caminho entre a Itália e a Espanha, que Abbado reúne forças para sua movimentada vida profissional.

Sob o encanto de Debussy
O menino Claudio entrou muito cedo em contato com a música. Seu pai Michelangelo, violinista, compositor e, por mais de 50 anos, professor do Conservatório de Milão, também praticava música de câmara em casa com os amigos. E a mãe, Maria Carmela, pianista e autora de livros infantis, despertou no garoto o amor precoce pelo piano.

 

No Scala de Milão, o menino Claudio descobriu sua vocação para fazer música

"Cresci ao som dos trios de Schubert, Brahms e Beethoven", recorda o regente. Aos 7 anos, no célebre Teatro alla Scala, ele teve uma vivência musical decisiva. 

"Quando escutei os Nocturnes 
[para orquestra] de Debussy, senti imediatamente o desejo
 de também produzir, eu mesmo, essa magia da música."


Aos 16 anos, iniciou os estudos musicais no conservatório, cursando piano, composição, harmonia, contraponto e, mais tarde, orquestração. Após se formar, em 1953, Abbado passou a realizar turnês com diversos conjuntos de câmara.

No entanto, o jovem de 20 anos ainda não almejava a grande carreira artística. Em vez de ir para Viena, seguindo a indicação do maestro indiano Zubin Mehta, de início ele preferiu lecionar música de câmara em Parma.

Música como diálogo
Pouco depois, contudo, recebeu dois importantes prêmios de regência, tornou-se assistente de Leonard Bernstein e estreou no Festival de Salzburgo. E em 1968 foi contratado pelo Scala de Milão. Assim estava aberto o caminho para uma vertiginosa ascensão profissional, cujas próximas estações seriam Londres, Chicago, Viena e Berlim, entre outras.

Ao contrário do lendário Arturo Toscanini, temido pelos músicos de orquestra do Scala, Abbado decidiu não ser um regente autoritário. Em vez disso, ele procurou o diálogo com os instrumentistas. "O mais importante é todos escutarem um ao outro", resume. Mesmo nas obras para grande orquestra, isso resulta numa clareza camerística em que cada músico está atento às linhas melódicas dos demais.

Ao reger, Abbado não necessita de muitas palavras e se comunica sobretudo através de olhares e gestos. E é dessa forma sutil – moldando cuidadosamente as nuances da música com a mão esquerda, enquanto marca o compasso com a direita –, que ele consegue evocar precisamente aquela magia sonora com que sonhava em criança.

Arte para todos
Eterno incentivador dos jovens talentos, no final da década de 70 ele foi um dos fundadores da atual Orquestra Jovem da União Europeia. Em 1986, criou a Gustav Mahler Jugendorchester, que reunia músicos do Oeste e o do Leste Europeu antes mesmo da queda do Muro de Berlim. Ela foi a origem de uma ampla família internacional de orquestras juvenis, cujos membros hoje integram os conjuntos orquestrais de ponta.

 
Gestos e olhares, poucas palavras: o sutil estilo Abbado
 
Abbado não se limitou a fazer nome como grande intérprete do repertório consagrado, com Mozart, Beethoven, Mahler ou Bruckner, mas também como paladino da arte de vanguarda. Nos anos politicamente conturbados que se seguiram a 1968, na qualidade de diretor musical do Teatro Scala, ele abriu as portas da tradicional casa de ópera milanesa para operários e estudantes.

Ao lado de dois compatriotas, o compositor Luigi Nono e o pianista Maurizio Pollini, ele promoveu concertos em fábricas, visando conquistar um novo público para a música erudita. E, na qualidade de diretor musical geral da capital austríaca, através do festival Wien Modern, incentivou a enriquecedora combinação de composições contemporâneas com artes plásticas, dança e cinema.
Entre 1989 e 2002, ocupando o posto de maestro titular da Filarmônica de Berlim, Abbado fez questão de construir novas pontes entre salas de concerto, teatros, cinemas e museus da capital da Alemanha reunificada.

"Para mim, Berlim é a cidade mais cosmopolita", afirma o músico até hoje. Ignorando as demarcações tradicionais entre as diversas atividades artísticas, ele contribuiu, muito antes de outras personalidades culturais, para levar as artes a todos os cantos da sociedade.

"Cultura é como água"
"A cultura é um bem comum da sociedade, tão essencial à vida quanto a água. Teatros, bibliotecas, museus e cinemas são como numerosos pequenos aquedutos", declarou recentemente na televisão italiana, ao criticar os cortes radicais dos orçamentos culturais em seu país natal.

Seus concertos beneficentes em cidades da Itália arrasadas por terremotos provaram que, em tempos difíceis, a música não só tem a capacidade de consolar, como também de promover coesão social.

Depois de executar a Sinfonia trágica de Franz Schubert na cidade destruída de L'Aquila, em 2009, Abbado voltou-se agradecido e emocionado para o público. Da mesma forma, após os graves tremores na região da Emilia Romagna, em 2012, ele e suas orquestras estavam a postos para coletar donativos para a restauração do histórico Teatro Comunale de Ferrara.

 
Orchestra Mozart executa "Pedro e o Lobo" de Prokofiev, narrado por Roberto Benigni (esq.)
 
Da mesma forma, na região do nordeste do Japão devastada por um tsunami em 2011, o maestro vai se apresentar, em outubro do ano em que completa sua oitava década de vida, numa sala de concertos móvel, criada especialmente para o Festival de Lucerna, em que também atua intensamente.

Atualmente sua Orchestra Mozart realiza em Bolonha projetos com crianças enfermas e com detentos, enquanto o sistema italiano de orquestras jovens, desenvolvido graças à participação ativa do maestro, promove em todo o país a educação musical de crianças e adolescentes carentes.

Ao lado da educação, a proteção do meio ambiente é uma paixão de Abbado. Num aterro sanitário da Sardenha, ele criou uma reserva natural, com livre acesso para pedestres e ciclistas. E na metrópole Milão – onde já pleiteou sem sucesso que fossem plantadas 90 mil novas árvores –, o usuário convicto das energias limpas se bate pela redução do tráfego de automóveis.

Um coração enorme e um infatigável espírito curioso e desbravador caracterizam a vida de Claudio Abbado. "Não aceito fronteiras e estou sempre à procura do novo", é como ele se define. "Pois quando a pessoa acredita saber tudo, aí acabou-se a vida."

  • Data 26.06.2013
  • Autoria Corina Kolbe / Augusto Valente
  • Edição Alexandre Schossler


 Fonte:
DW.DE  - Destaques-Brasil
http://www.dw.de/maestro-claudio-abbado-completa-80-anos/a-16910296?maca=bra-rss-br-top-1029-rdf

quarta-feira, 26 de junho de 2013

MARCELO ALBUQUERQUE - PALEOPAISAGENS



 
 
Guignard - 25m

Passado presente
entrelaçado em  lirismo
-  elos da arte .
Ade.



MARCELO ALBUQUERQUE


Marcelo Albuquerque
20/06/2013

Sobre a paisagem mineira
Marcelo Albuquerque

Catálogo da exposição Nova Configuração da Paisagem
Vallourec & Mannesmann Tubes
2013

Nova configuração da paisagem
é uma série de obras de pintura, aquarela e desenho que expressam a minha pesquisa artística no campo da representação, significado e construção da paisagem na arte. Proponho captar o imaginário expresso nas obras como articuladores de valores culturais e expressivos, formados por muitas camadas de significação. A paisagem é muito mais que o simples espaço exterior ao homem. A paisagem é, portanto, uma construção cultural. Na perspectiva de alguns imaginários artísticos, a paisagem tem feito do entorno exterior e visível a chave para a compreensão do sentido da vida humana de um longo e complexo sistema simbólico, na qual se assenta a autoimagem de seus habitantes. Optei, neste texto, como forma de apresentar meu trabalho, contextualizar um dos meus principais objetos de estudo: a paisagem na arte em Minas Gerais. Em maior ou menor grau, os artistas aqui relacionados são estudados nos meus trabalhos e alguns são citados em algumas paisagens. Entretanto, o caráter regionalista da paisagem mineira observa a história da paisagem na arte internacional e brasileira. 

A paisagem mineira, em sua história, é representada de forma ampla: brejeira, romântica, formalmente modernista com conteúdo nacionalista, instalações contemporâneas, etc. As paisagens culturais mineiras costumam se apresentar em diversas obras em diferentes gerações. Os marcos geográficos, como o pico do Itacolomy, em Ouro Preto, costumam representar o civismo patriótico, muitas vezes associada a uma tão discursada vocação natural do mineiro com a liberdade (nos remetendo à história da Inconfidência Mineira aos discursos de Tancredo Neves nas Diretas Já). Pretendo, assim, pesquisar outros marcos geográficos emblemáticos da paisagem. As festas populares se apresentam a alguns artistas como uma simbiose entre o homem e a paisagem, seja ela urbana ou rural. 


Se Minas são muitas, podemos perceber as Minas do ferro e do ouro, as Minas dos sertões e as Minas do café e do leite. As representações das paisagens do sertão mineiro estão presentes desde a época dos viajantes. Guimarães Rosa eternizou o homem e a paisagem do sertão. Entre os artistas que trabalharam o cerrado, destaco Aníbal Mattos, com obras realizadas a partir de suas pesquisas nas grutas de Lagoa Santa, e Yara Tupynambá, com suas séries de pinturas e gravuras sobre o rio São Francisco e o processo de colonização mineira vinda do nordeste. Álvaro Apocalype produziu pinturas e desenhos da paisagem de Lagoa Santa, além dos personagens do cotidiano e aspectos da cultura popular, heróis de uma “saga mineira” na sua concepção, de acordo com Márcio Sampaio. 


Na arte contemporânea, Marcos Coelho Benjamim carrega uma forte poesia sertanista. Arlindo Daibert é sem dúvida um dos maiores mestres do desenho de Minas Gerais, e todo o seu trabalho sobre a obra de Guimarães Rosa merece destaque. O gravurista Clébio Maduro também contribui com inúmeras imagens do cerrado por também residir na região de Lagoa Santa. Pouco conhecido do circuito artístico, Peter Andreas Brandt, que acompanhou as pesquisas de campo de Dr. Peter Lund em Lagoa Santa e região, deixou valiosos registros das escavações e da paisagem dos sítios arqueológicos, além dos desenhos científicos. Os sítios arqueológicos da região de Lagoa Santa sintetizam uma noção de paisagem que integra diversas áreas do conhecimento. 

As primeiras imagens dos europeus, do que viria a ser o Estado de Minas Gerais, são dos artistas viajantes, como Rugendas e Thomas Ender. A Estrada Real e o rio das Velhas são comumente retratos nessas obras, nos revelando os primeiros registros dos marcos geográficos e da paisagem em geral. O artista contemporâneo Mário Zavagli possui um precioso trabalho em aquarela e profunda pesquisa sobre o tema dos artistas viajantes, dialogando especialmente com Thomas Ender. 


Podemos definir como pintores acadêmicos aqueles artistas cuja obra se insere no contexto neoclássico e romântico que dominou todo o século XIX no Brasil. Artistas com A. Furtado, Celso Werneck, Émile Rouède e F. Sterkel merecem um olhar mais atento; suas obras podem ser apreciadas no Museu Histórico Abílio Barreto. As cidades históricas são uma constante dos artistas mineiros, desde o fim do séc. XIX, na geração de Genesco Murta, Aníbal Mattos e Renato de Lima, até a chegada de Guignard e, posteriormente, seus alunos. As pinturas de Altavilla, por exemplo, se caracterizam pelos personagens e paisagens de Minas Gerais: construções típicas da arquitetura colonial mineira, garimpeiros, gente do campo, estradas de terra e fazendas. São temas que evocam uma austera simplicidade da identidade da cultura mineira. As paisagens interioranas tem sua origem na própria autonomia da paisagem como gênero artístico, que se inicia na pintura holandesa do séc. XVII e se consolida nas paisagens românticas do séc. XIX. 


As pinturas do final do séc. XIX e início do XX são influenciadas pela escola paisagística de Georg Grimm. Grimm consolidou no Brasil a pintura de paisagem em espaço aberto, fora do atelier, como faziam os pintores impressionistas na França da década de 1870. 

Entretanto, falar de impressionismo aqui, nesse momento, é um equívoco. A pintura feita no espaço exterior, no local do tema, antecede o impressionismo. Falo então da Escola de Barbizon, de Camille Corot e Theodore Rousseau. Esse grupo de artistas, estabelecidos na floresta de Fontainebleau, ao sul de Paris, foi um dos últimos suspiros da pintura romântica, antes do Realismo de Coubert e do Impressionismo de Monet, influenciando ambos os movimentos. As pinturas da Escola de Barbizon caracterizam-se por uma paleta mais luminosa, influenciada pelo “estilo inglês” romântico de John Constable, e pela devoção ao ideal de simplicidade camponesa romântica. 

Genesco Murta e Renato de Lima apresentam o tema de uma forma tradicional, seguindo uma perspectiva romântica oitocentista, que evoca uma visão ufanista e de identidade. Porém, é no Impressionismo que a pintura se molda, na captação da vibração da luz. A pintura acadêmica, com elementos impressionistas em alguns artistas será, de fato, rompida com a chegada do mestre Guignard em 1944. 


As lições e recomendações pedagógicas de Guignard sobre o estudo da paisagem, especialmente no Parque Municipal de Belo Horizonte e Ouro Preto, ainda são praticadas por muitos professores e estudantes na atualidade. Os núcleos modernistas paulista e carioca, com Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Djanira, Portinari e Tarsila do Amaral produziram preciosas obras que evocam a paisagem mineira no que há de mais precioso do modernismo artístico brasileiro. Émeric Marcier, Estevão, Herculano, Inimá de Paula, Mário Silésio, Wilde Lacerda, Yara Tupinambá e Yoshiya Takaoka compõe um cenário de pintores que representam a paisagem na arte moderna em Minas Gerais. 


Destacam-se as referências surreais e oníricas de Sara Ávila, Chanina, Maria Helena Andrés e Petrônio Bax. 

Em Ouro Preto, por volta da década de 1960, se estabeleceu um núcleo de artistas ligados à paisagem. Entre eles estão Carlos Bracher, Carlos Scliar, Fani Bracher, Ivan Marquetti e Nello Nuno. Vale ressaltar que, entre esses artistas, existe uma influência muito forte do expressionismo e do fauvismo. 


Após a morte de Guignard, em 1962, uma nova geração de artistas mineiros buscava romper com as influências do mestre, desejando experimentar novas propostas contemporâneas. Da arte contemporânea mineira, a partir da definição de neovanguardas da historiadora da arte Marília Andrés, se encontra um vasto campo de pesquisa no sentido da paisagem. Eventos como Do corpo à terra, em 1970, organizada por Frederico Moraes, marcam uma linguagem experimental considerada radical para os padrões da época, definido na ideia de instalações e site-specific


A geração virtuosa de desenhistas, que prosperou nos anos 1970, oferece outro repertório de imagens sobre a paisagem mineira, revalorizavando os princípios do desenho guignardiano. Outro tema importante foi a repressão das esquerdas dos tempos da ditadura. Na década de 1980, a pintura vigorosa do neoexpressionismo apresenta alguns artistas que, em maior ou menor grau, se manteram focados na paisagem. Entre os artistas contemporâneos, formados nas gerações de 70 e 80, destaco Carlos Wolney, Décio Noviello, Fátima Pena, Fernando Veloso, José Alberto Nemer, Manoel Serpa, Márcio Sampaio, Mário Zavagli, Miguel Gontijo e Roberto Vieira. 


Estes artistas irão evidenciar uma vocação da arte mineira: a atenção pela paisagem, no contexto moderno da imagética brasileira e num segundo momento pós-moderno de teor mais crítico e de maior liberdade formal e conceitual. 

A materialidade das esculturas de Amílcar de Castro remetem à paisagem ferrosa mineira. Acredito que suas obras são potencializadas com excelência quando inseridas na paisagem montanhosa, em meio ao espaço vegetal. O corte e dobra do metal, junto à cor e à superfície oxidada das esculturas promovem, na minha concepção, um diálogo aristotélico entre substância e acidente.  Manfredo de Souzanetto cita em seu livro depoimento da editora C/Arte que seu trabalho com pigmentos naturais surgiu pelo desejo de reinserir a paisagem em sua produção artística geométrica e abstrata. 


Voltando a Minas Gerais no início dos anos 1980, depois de residir em Paris, iniciou estudos com pigmentos naturais, a mesma cor que tentava reproduzir através de tintas industriais. Daí vê-se a passagem de um trabalho sobre a representação da paisagem, sobre a paisagem como suporte da obra pictórica, tornado a paisagem como corpo, como pigmento e cor da obra: a cor natural da montanha, dos minérios oxidados que vai corporificar a pintura, tornando-a paisagem. Segundo o artista, o pigmento natural é uma linguagem tradicional, mas é uma linguagem que tem uma permanência. 

Erli Fantini, que tem como marco de sua obra a cerâmica tipo bizen, produz instalações de cidades imaginárias utilizando suas balas de cerâmica, tijolos de adobe e terra. Uma cidade que se configura não só pela estranha beleza de suas formas, mas por esta associação com a arquitetura e urbanismo que, como afirma João Diniz, são autênticos personagens de uma urbe e que adquirem uma identidade de valor cultural e referência de localização espacial. No campo escultórico dos objetos e também nas instalações e site specific, José Bento realiza um diálogo com a arquitetura, como assim o faz em seus objetos e esculturas em madeira. Em Benjamim é possível detectar uma passagem lírica pelas tipologias arquitetônicas. Seus objetos, pinturas e esculturas intitulados Torres apresentam características semelhantes a Erli e José Bento como miniaturas ou maquetes de edificações poéticas, assumindo um relato de viagem por materiais recolhidos em ferros-velhos e memórias do Jequitinhonha que, segundo ouvi de Olívio Tavares de Araújo, remetem às Minas de Rosa, diferentemente das Minas Drummondianas das serras e do minério. 


A obra de arte pode se relacionar com a arquitetura de diversas maneiras, entre tantas: na forma decorativa e ornamental, como receptora de espaços de exposições e galerias, como suporte e elemento constitutivo para intervenções e instalações e pelo próprio aspecto formal. O caráter escultórico de diversas obras arquitetônicas, como a academia Wanda Bambirra, no bairro Sion, e o projeto do Centro de Arte Corpo, de Éolo Maia com co-autoria de Jô Vasconcellos, entre outros arquitetos, evidenciam um profundo contato na pesquisa da matéria e dos materiais desenvolvido também por artistas contemporâneos no Brasil, tendo no histórico desta união trabalhado em parceria com Amílcar de Castro, Roberto Vieira, Franz Weissmann, Jorge dos Anjos e Thomas Schönauer, induzindo a livres associações e potencialidades da exploração formal e conceitual do objeto e do espaço. 


Em lugar da forma arquitetônica especificamente funcional, Éolo e Sylvio Podestá privilegiaram a utilização de formas derivadas das artes plásticas no conhecido “Rainha da Sucata” na Praça da Liberdade. É o que acontece com o elemento de ventilação dos sanitários públicos masculinos, em forma de laranja partida, que ao mesmo tempo em que camufla a estrutura (duto de ventilação) faz referência ao contexto pop de apropriações, colagens e montagens, a maneira do pintor Roy Lichtenstein. Internamente, o tratamento plástico e volumétrico representa elementos do barroco mineiro através de formas e materiais. A intenção de construir paisagens e seguir influências de outros estilos artísticos derivados do entorno ou de um contexto cultural se encontra em outro edifício de Éolo Maia e Jô Vasconcellos: O Centro Empresarial Raja Gabaglia (1993). A influência do barroco mineiro se faz presente na onipotência da estrutura que domina a paisagem, assim como as igrejas dominam a paisagem de Ouro Preto. As criações do arquiteto João Diniz também nos remetem à suas associações com artistas, como Jorge dos Anjos. 

A paisagem, desde então, será uma constante no cenário artístico mineiro. Minas é um grande celeiro dos pintores ditos naifs. Entre eles destaco Damasceno, José Luiz S, Lorenzato e Rodelnégio. No campo da ilustração, destaco os belos trabalhos de Nelson Cruz. Os artistas oriundos do movimento do graffitti começam a marcar presença na cidade e nas novas galerias de arte, seja nas ruas ou nas obras de técnicas tradicionais. Esses artistas possuem o vigor do desenho, da pintura e das artes gráficas. Em 2008, foi realizada em Belo Horizonte a I Bienal Internacional de Graffitti, idealizada pelo artista Rui Santana, da qual participei como artista convidado.  



Nova configuração da paisagem
Marcelo Albuquerque

Catálogo da exposição Nova Configuração da Paisagem
Vallourec & Mannesmann Tubes
2013

O recente conjunto de obras dialoga conscientemente com a pintura paisagística brasileira, em especial de Minas Gerais. De certa forma, dialoga com a pintura romântica de cenas interioranas e bucólicas, com as paisagens iluminadas de influência impressionista, com o lirismo modernista de Guignard e sua escola, com o geometrismo neoconcreto, com o pós-modernismo da arquitetura, além de um olhar atento às manifestações contemporâneas, desde a land art às intervenções na paisagem. Apesar das referências regionais, as obras apresentam características universais. 


A paisagem natural, a arquitetura, os cortes das minerações, as estradas, fazendas, loteamentos e a expansão urbana fazem parte do imaginário desta série, e tornam as paisagens especiais e peculiares, nunca submetidas a um olhar realista, mas completamente imaginárias e poéticas. 


Diversas relações são criadas entre a arquitetura, os edifícios como personagens urbanos, as construções e o natural preservado (já que os espaços preservados, atualmente, provêm de uma decisão humana), o construído sobre o já ocupado, o orgânico e o geométrico, as marcas de novas ocupações, exploração e uso da terra. 


São obras simbólicas e líricas; estas relações podem ser encontradas nas séries Paisagem e Arquitetura, Montanhas e Paisagens Imaginárias com Montanhas Cortadas. Agrega-se também um cuidadoso trabalho técnico e cromático. 

As montanhas cortadas surgem em tom de ironia mais do que denúncia da exploração dos recursos naturais; e o humor das pinturas é latente. Os morros surgem como ícone, um símbolo de força e identidade submetido às transformações promovidas pelas novas gerações em seu meio. Trata-se de uma investigação do surgimento de formas e do potencial de transformação da paisagem, da construção e configuração de uma nova paisagem. 


 Sempre me perguntam de onde eu tiro minhas referências para a pintura. Uma delas é seguir um roteiro especial, visitando e registrando os pontos de interesse. A série Paleopaisagens se baseia inicialmente em um roteiro de estradas, entre Lagoa Santa, Matozinhos, Pedro Leopoldo e Serra do Cipó, uma das mais importantes áreas arqueológicas da América do Sul. Nessa região situa-se o circuito das grutas: Maquiné, Lapinha e Rei do Mato. Outros pontos de interesse são o Parque Estadual do Sumidouro, os locais de escavação preservados de Peter Lund, as pinturas rupestres, as ruínas da igreja de Jaguara Velha, a gruta da Faustina e a maravilhosa gruta da Lapa Vermelha. Entretanto, a exploração do Carste de Lagoa Santa nos alerta para a preservação do rico patrimônio.

Marcelo Albuquerque, março de 2013.




A montanha protege
feito bravo querubim
- a beleza de Minas 
Ade

 

Palmeira se enverga
rende-se  à costela de adão
- a montanha festeja. 
Ade
 

Paisagem futurista
finca-se à beira do lago
- azul, convidativo.
Ade

 

Paisagem - guache sobre papel - 39 x 29,5 cm - 2013

A terra ardente
sulcada de azul caminho
- desenha a meta
Ade

Paisagem - Acrílica sobre tela - 80 x 100 cm - 2013

Salpicada de igrejas
a montanha vira templo
- da arte humana
Ade

 

 O lápis ondula
no abrir jardins e janelas
- trilhas, montanhas.
Ade


 

Raízes vibrantes 
sacodem a vida no rio
- sempre a correr.
Ade



Em maio de 2013 começará o circuito da Serra do cipó.

Feliz de quem pode
adentrar no mistério
da Serra do Cipó
Ade

 Fonte:
 http://www.estudioalbuquerque.com/
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